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Marechal

Trigo, cada vez mais caro

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Na primeira refeição do dia, além da paixão nacional pelo café, há outro produto que não falta na mesa dos brasileiros todos os dias: o pão. Tendo como principal ingrediente a farinha de trigo, poucos que passam a manteiga no pão francês quentinho têm ideia da procedência da matéria-prima que dá forma ao alimento em suas diversas variações.

Nos últimos cinco anos, o trigo vem sofrendo significativa redução de área semeada no país, inclusive no Oeste do Paraná, local onde quando as áreas de mata foram abertas para a agricultura, o trigo era a única opção para a segunda safra.

Conforme dados do Departamento de Economia Rural (Deral), ligado à Secretaria da Agricultura e Abastecimento (Seab), somente na última safra, a área plantada do grão na regional de Toledo reduziu pouco mais de cinco mil hectares, saindo de 23.180 para 17.420 hectares plantados. “Na nossa área de atuação, não passa de 200 alqueires de trigo plantado, uma área praticamente irrisória em relação ao que já se plantou”, aponta o engenheiro agrônomo da Agrícola Horizonte, Cristiano da Cunha.

No início da exploração agrícola em Marechal Cândido Rondon, o trigo dividia lugar com a soja, porém, as épocas de plantio eram diferentes das praticadas hoje. “A soja se plantava em novembro e colhia em meados de abril, então a opção que os agricultores tinham para semear em abril era o trigo”, comenta, ressaltando que, naquela época, o trigo valia o dobro da soja.

Com o passar dos anos, Cunha explica que o cenário foi se invertendo, e a soja semeada no verão passou a ser mais rentável. “As épocas de plantio também foram mudando. A antecipação do plantio da soja viabilizou mais o plantio do milho do que do trigo, até porque o clima na nossa região não é extremamente favorável para o trigo. Se produz trigo aqui, mas existem regiões com um clima muito melhor”, esclarece.

 

Sem custeio

Entre problemas de seca, geada e chuva durante a colheita, o risco tornou-se o principal problema para os agricultores continuarem apostando no trigo. A possibilidade de perdas somou-se a outro obstáculo para a manutenção da cultura: a queda do subsídio.

Até meados de 1990, o plantio de trigo no Brasil era subsidiado, ou seja, o governo realizava a concessão de dinheiro para produção, comercialização e transporte do grão. “Depois que caiu o subsídio houve um desestímulo e concomitante a isso a introdução do milho safrinha, que surgiu como alternativa de cultura de inverno”, aponta o especialista em Agronegócios e em Agrobusiness, consultor de Economia Rural e técnico do Deral, João Luis Nogueira.

Frente a isso, os agricultores aumentaram o cultivo da soja e reduziram o cultivo do milho no verão, potencializando a segunda safra de milho. “A safrinha que temos hoje já não é mais uma safrinha. No início da década de 90 era uma safrinha, mas hoje se transformou em uma área absurdamente grande, equivalente ao soja plantada no verão”, observa Nogueira.

Junto à queda do subsídio também houve a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, que privilegiava a importação do trigo cultivado pelos hermanos argentinos – que possuem um grande potencial produtivo do grão. “Esse trigo entrou no Brasil de forma muito mais competitiva quando comparado aos outros países que nós importávamos, como Canadá e Austrália”, ressalta.

Em função de negociações feitas no âmbito do Mercosul – levando a Argentina a comprar produtos da linha branca brasileira -, o Brasil deixou o mercado aberto para a importação do trigo até hoje, mantendo a TEC ativa e o país “refém” da importação. “Em 1986 nós produzimos no Brasil cerca de seis milhões de toneladas de trigo e depois de tantos anos dificilmente conseguiremos produzir tanto, sendo que nosso consumo de trigo aumentou”, menciona. “Se naquela época consumíamos perto de 8,5 milhões de toneladas, hoje já estamos próximos aos 13 milhões de toneladas e totalmente dependentes do produto importado. Por uma questão de abastecimento, o mercado argentino precisa continuar aberto porque o Brasil não vai, de uma hora para outra, conseguir produzir suficientemente para a demanda”, complementa Nogueira. 

 

Preço

Cunha comenta que outro ponto desfavorável para manter o trigo a cada safra no campo foi a desvalorização. Se antes um saco de trigo valia o dobro de um saco de soja, hoje ele vale a metade, o que desestimulou o agricultor da região. “Com o crescimento exponencial do milho safrinha e em função de podermos plantar cedo, as lavouras são extremamente produtivas, com áreas acima de 300 sacas por alqueire, enquanto o trigo dificilmente chega a 150 sacas na região”, diz.

O custo de uma área de trigo, conforme o engenheiro agrônomo, gira em torno de 100 a 120 sacas por alqueire, sendo extremamente raro uma lavoura produzir mais de 150 sacas. “A média da região é 130, então o custo de produção impacta na expectativa de colheita e o risco ainda fica para o produtor”, expõe. “O trigo está praticamente extinguido na microrregião”, afirma.

 

Rotatividade

No Paraná, pelo fato da soja ser instalada mais tarde na região Sudoeste, municípios como Realeza, Capanema e Francisco Beltrão ainda têm o trigo como uma boa opção de cultura de inverno, garantindo boa produtividade e rentabilidade. No Oeste, entretanto, as poucas áreas de trigo localizadas em meio ao milho são de agricultores que plantam soja em sucessão e buscam promover melhorias no solo.

“Mesmo tendo uma questão comercial prejudicial e arriscada, do ponto de vista técnico é importante ter uma área maior de trigo para rotacionar melhor com a soja, promovendo no solo uma introdução de matéria orgânica maior e facilitando a produção, melhorando a produtividade, a resistência”, declara Nogueira.  

Marcio Koch é um desses agricultores. Por ter semeado milho no verão, precisou garantir a qualidade do solo e se aventurou pela primeira vez no cultivo de trigo na propriedade localizada em Iguiporã. “Milho sobre milho é inviável, então optei pelo trigo para fazer a rotatividade”, conta.

Os grãos foram jogados nos três alqueires de terra por volta do dia 15 de abril e o ciclo deverá ser finalizado em aproximadamente 120 dias. “Até agora, mediante o nosso clima, o andamento está razoável. Apesar do risco e do pouco retorno, que nos deixa apreensivos, precisamos pensar um pouco para frente, na condição do solo”, enaltece.

Cunha aponta que alguns agricultores, em função da colheita da soja, têm a necessidade de reformar a conservação de solo ou bases largas e acabam perdendo o prazo de plantio do milho. Como forma de não deixar a lavoura vazia, apostam no trigo. “Outros conseguem fazer a colheita do milho bem cedo e plantar o trigo, fazendo três safras, mas são poucas pessoas, com risco alto e viabilidade baixa”, pontua. 

Se tiver bons resultados nesta primeira aventura, Koch objetiva dividir a área semeada entre trigo e milho no próximo inverno. “O trigo pode ser uma opção, mas tudo depende de como vai ser lá na frente”, afirma.

 

Erro

Para o consultor de Economia Rural do Deral, no Brasil pode ser um erro reduzir demais a área de trigo. “Este é um produto estratégico se você analisar que o pãozinho de cada dia não pode faltar. Ninguém vai deixar de comer pão porque falta trigo, eles vão pagar mais caro pelo pão, e isso para um país que vive sobre regime de meta de inflação é muito errado”, opina.

Na visão de Nogueira, o país não deveria abandonar a cultura do trigo como todos os governos fizeram a partir da queda do subsídio. “Temos uma área de milho grande cultivada no inverno, o que é bom para a nossa região porque o milho é essencial para a produção de carnes, porém corre-se um risco muito grande. Embora estamos vivendo um momento bom, de safra cheia, o ideal é que se reduzisse um pouco a área de milho na safrinha e se plantasse mais milho no verão para que houvesse uma rotação de culturas melhor”, avalia o especialista.

 

Milho à vista

As máquinas já estão no campo em algumas lavouras da microrregião marcando o início da colheita do milho de segunda safra.

Apesar de o Departamento de Economia Rural (Deral) ainda não possuir dados sobre o número de hectares colhidos por serem poucos os produtores que iniciaram o trabalho no campo, a expectativa é que esta safrinha tenha produção 12% maior do que a do ano passado na regional de Toledo. A área semeada foi de 445.285 hectares, com a expectativa de produtividade de 2.671.710 toneladas de milho. “O clima está favorável para esse início de colheita, que deve ocorrer sem intercorrências”, menciona o consultor de Economia Rural e técnico do Deral, João Luis Nogueira.

Nedio Lang finalizou ontem (29), a colheita dos primeiros 3,5 alqueires em Iguiporã, interior de Marechal Cândido Rondon. Ele conta que o desenvolvimento da safrinha neste ano foi bom, e a colheita segue sem obstáculos. O problema, no entanto, está no preço. “O preço não está cobrindo o custo de produção. A saca deveria estar pelo menos a R$ 25”, diz.

Quando plantou, o cálculo de Lang foi com base no milho a R$ 25 e hoje o grão está cotado em R$ 17,50. “Tenho expectativa de colher 250 sacas por alqueire, porém a conta não está fechando e está complicado”, lamenta.

Nogueira expõe que o preço não está favorável neste momento devido à oferta interna, pois ainda há safra velha para ser comercializada. “Ano passado o milho chegou a R$ 40, mas foi um ano atípico. Tivemos problemas no mercado externo e também no Paraná, até com estiagem na região Norte”, declara. “Em 2016 as exportações cresceram muito, não que neste ano o país não esteja exportando, mas aumentou significativamente no ano passado e isso também implica no preço”, finaliza.

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