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As vítimas do divórcio

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“A separação é sempre complicada, indiferente qual o motivo dela ter acontecido. Quando me separei meu filho tinha apenas cinco anos, idade um pouco difícil para explicar para uma criança que o pai não vai mais estar em casa. A separação pra mim foi surpresa, pois não brigávamos, para os olhos de todos um casal perfeito, e para meu filho também. Quando conversamos com nosso filho sobre a separação, é claro que chorou muito, e daí a pergunta: ‘mãe, por quê?’. Eu dizia que o papai e a mamãe estavam brigando muito e não estava legal, mas ele respondia que nós não brigávamos. Então você tem que ir contornando a situação para não entrar em detalhes”.

O relato é de uma mãe rondonense, que prefere manter sua privacidade e não ser identificada, segundo a qual, o casal optou pela guarda compartilhada. Mesmo assim, o filho sofreu bastante no início com a separação. “Ele (filho) mora comigo, mas no começo não queria ir dormir na casa do pai. Todas as vezes chorava e ficava nervoso”, relembra, citando que o ex-casal chegou à conclusão que era o momento de procurar ajuda de uma psicóloga.

O menino participou de algumas sessões, mas depois não quis mais ir. “Então sentei com ele e conversamos bastante. Hoje, graças a Deus, vejo que ele não tem problemas na escola e nem de comportamento. Hoje ele aceita numa boa passar o final de semana com o pai ou a mãe e até acha interessante, porque sempre tem uma programação diferente. E na escola também tem muitos amiguinhos que os pais são separados”, expõe a mãe.

Ela e seu ex-marido sempre conversam de forma amigável sobre a educação do filho. “Pensamos nele em primeiro lugar, tudo para deixar mais leve para ele não sofrer. O casamento acabou, mas existe respeito e um filho que amamos”, conclui.

Em um país onde o número de divórcios deu um salto de 160% na década de 2004 a 2014, por mais que tentem os casais que possuem filhos não conseguem fugir de uma questão: a dor da separação para as crianças. A afirmação é da psicóloga com especialização em adolescência e formação em psicanálise, Dionéia Hofmeister. “Não existe um jeito menos traumático de falar sobre a separação. A criança vai sofrer e vai se frustrar, pois é uma quebra. Não tem como poupar um filho e fazer de conta que nada está acontecendo, pois haverá mudanças e a criança vai perceber. O Natal vai ser com o pai, o Ano Novo com a mãe, ou vice-versa, sendo que antes as datas especiais eram comemoradas em família. Tudo muda e não tem como inventar um universo onde isso não aconteça ou minimizar a situação. Será sentido e de forma penosa e doída pela criança”, destaca.

De acordo com a profissional rondonense, tomar a decisão pelo divórcio é um caminho difícil para os casais. Às vezes o término pode até ser consensual e a sensação é de que está se tirando um peso das costas. Afinal, as brigas cessam e cada um poderá levar sua vida adiante. O homem e/ou a mulher começam até a vislumbrar a nova vida. No entanto, em muitos casos uma das partes não concorda e é preciso resolver pendências na Justiça. Aí entra também a disputa pela guarda. Contudo, Dionéia ressalta que em nenhum momento os pais podem esquecer que no meio desta história existe uma criança que não pode decidir por si e que vê sua vida virar do avesso, pois não saberá com quem fica, para onde vai e como será a vida após a separação – além de muitas vezes ainda ter que presenciar as brigas conjugais. “Todo processo do divórcio e da decisão pela guarda deve ser resolvido da maneira mais amigável possível, dentro de um entendimento pensando sempre no melhor para a criança. Os adultos devem pensar sempre, em primeiro lugar, no filho, pois conforme a idade ele é totalmente dependente dos pais”, ressalta.

Embora alguns casais tentem deixar o filho afastado das brigas e do processo de divórcio em uma tentativa de protegê-lo de todo desgaste, a psicóloga enfatiza que é inevitável não envolver a criança na separação e no conflito, pois ela está inserida e é fruto do relacionamento. “Até um bebê sente o clima hostil no ambiente da casa, pois o tom de voz é outro quando o casal não está bem. Se altera o tom de voz, os batimentos cardíacos, o jeito de lidar um com o outro e até com a criança. Às vezes surge a rispidez e um tom de voz mais agressivo. Tudo isso causa mudanças no ambiente e até um bebê percebe isso, porque este sujeito é alienado ao emocional do adulto e não tem aparelho cognitivo para entender o que está acontecendo. O que seria o ideal? Pai e mãe emocionalmente bem amadurecidos para conseguir manter um clima harmonioso no lar. Isso seria o ideal. Mas se este casal está para se separar é porque algo não vai bem e fica um registro disso. A separação é uma quebra de tudo aquilo que a criança acredita. Ela faz parte deste amor, mas passa a se culpar”, expõe.

 

Faixa etária

A idade da criança faz diferença no que se refere ao entendimento que terá da situação e de como está o relacionamento do pais. “Às vezes o homem e a mulher podem estar conseguindo se comunicar e perceber que não têm mais como conviver como casal, ou o casal pode estar extremamente agressivo um com o outro. A maior parte dos casos que vemos é de muita frustração, angústia e agressão verbal. Para a criança isso representa um prejuízo grande. O filho em idade escolar, por exemplo, pode vivenciar uma dificuldade”, alerta.

De acordo com Dionéia, cada criança reage de uma forma à separação dependendo da faixa etária. Ela detalha que aos dois anos é comum o filho achar no seu imaginário que o divórcio é temporário, pois tem como exemplo os desentendimentos com os amiguinhos na escola. “Uma criança de quatro a seis anos enfrenta a separação com um comportamento mais retraído, tem dificuldade em manter laços sociais, passa a ter dificuldade com os amigos, acha que será traída e passa a ter sensação de abandono. Também formula no imaginário que a separação pode ser sua culpa e aí passa a fazer promessas, pois pensa que o divórcio é ocasionado porque não se comportou bem, não foi legal, não fez as atividades. Isso tudo acontece tendo em vista que a criança está em um lugar de onipotência. Faz parte da natureza de ser criança, que acha que é o centro de tudo”, explica a psicóloga.

Aos dez anos, já há maior compreensão do que significa um casal e pode ter um relacionamento mais agressivo, seja com a mãe e/ou pai. “A criança já está um pouco mais grandinha, já discursa e já tem uma crítica. Pode questionar os pais no sentido se tem algum culpado ou quem decidiu se separar”, salienta, destacando que até mesmo os adolescentes, que já conseguem compreender a situação, podem ter reflexos com a decisão dos pais em se separar.

 

Como agir?

Questionada se existe alguma forma de informar aos filhos a separação sem que seja traumática, Dionéia responde que trata-se de uma situação que cria uma saia justa, pois é um tema complexo e o trauma e a frustração serão inevitáveis. “Não tem como minimizar. Algo vai se quebrar precocemente. O que mantém a criança mais inteira é que esse casal permaneça junto. Isso seria o ideal, mas quando não é possível e a separação é a saída o importante é que a comunicação aconteça e que os adultos não joguem a criança de um lado para o outro. É preciso ter muito diálogo e que o casal possa transmitir ao filho que ele continuará tendo a mãe e o pai, pois o que se separa é o casal, o homem e a mulher, e que nada do que acontece é culpa da criança. O casal precisa estar atento a manter uma comunicação no sentido de dizer que os adultos envolvidos não conseguem mais ficar juntos, não conseguem mais interagir, o que por si só já afeta a criança”, explana. “Isto porque o emocional da criança é alienado ao emocional dos adultos. A criança depende deste casal junto para conseguir construir toda sua questão sexual, libidinal, manter o imaginário de que é o centro de tudo. Por um tempo precisaria disso, mas quando o casal se separa isso se perde”, emenda.

Por conta do divórcio, em algum período da vida o filho pode precisar de terapia para lidar com o emocional. “É um sujeito que precisará de ajuda em algum tempo da vida. Talvez vai querer lidar com isso apenas na fase adulta, quando os relacionamentos não frutificam e não duram. Este sujeito traz para a análise no futuro uma grande dificuldade em confiar nas pessoas. Como vivenciou uma história na infância em que ocorreu uma ruptura por algum motivo, ele encara que isso vai acontecer com ele também”, diz.

 

Terapia: uma aliada

Para as famílias que possuem condições, a recomendação é incluir a terapia na vida do filho e, se possível, o próprio casal que optou pela separação. O objetivo é buscar ajuda profissional para que os adultos possam organizar um pouco mais o seu emocional e também para que a criança faça atendimentos com psicólogo e possa terapeutizar suas angústias, frustrações, sensação de abandono e de mal-estar. “Se o ambiente familiar está muito agressivo é uma forma de atenuar para que a criança consiga se sentir amada mesmo diante de toda essa situação, porque ali tem um homem que não se sente mais amado, uma mulher que não se sente mais amada, então como essa criança se sentirá amada?”, questiona a profissional.

A participação dos pais na terapia também é importante. “É difícil não tê-los para um atendimento. É importante manter consultas da criança com a mãe, a criança com o pai, a criança sozinha e, se possível e se ainda houver um entendimento, o ex-casal junto para que o pai e a mãe possam receber um feedback do processo e da evolução do filho. É, portanto, importante procurar um psicólogo para no mínimo manter as condições básicas e fundamentais para que a criança possa crescer tendo minimamente o emocional mais organizado, pois ela pode se desestruturar, ter prejuízo no rendimento escolar e prejuízo com as relações de amizades”, argumenta.

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