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Paraná

Das árvores para os cofres públicos

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Criado de forma pioneira pelo Paraná em 1991, a lei do ICMS Ecológico – também chamada de lei dos Royalties Ecológicos – regulamenta o repasse de recursos financeiros aos municípios que abrigam em seus territórios unidades de conservação, áreas protegidas ou mananciais para abastecimento de municípios vizinhos.

Segundo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), do total do ICMS arrecadado pelo Estado, 5% é destinado para os municípios proporcionalmente às unidades de conservação em função do tamanho, importância, grau de investimento na área, manancial de captação, entre outros fatores.

Este percentual é destinado em 50% aos municípios que tenham, em seu território, mananciais de abastecimento cuja água se destina ao abastecimento da população de outro município, e os outros 50% para municípios que tenham integrado em seu território unidades de conservação, áreas de terras indígenas, reservas particulares do patrimônio natural, faxinais ou reservas florestais legais.

Todavia, apesar de o instrumento de política pública ter sido aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado há mais de 20 anos, apenas 204 dos 399 municípios do Paraná usufruem do benefício atualmente, mesmo com o dinheiro entrando nas contas das prefeituras como recursos livres. Diamante D’Oeste, por exemplo, que tem população estimada em 5,2 mil pessoas, recebeu no ano passado pouco mais de R$ 1,4 milhão proveniente do ICMS Ecológico.

 

Burocracia

Para a presidente do Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu e prefeita de Mercedes, Cleci Loffi, o maior entrave para os municípios que têm direito ao recurso irem à busca do ICMS Ecológico está na burocracia. “Montar uma equipe e fazer o estudo de levantamento das áreas, que não necessariamente precisa ser um território único, é o mais difícil”, aponta ela, que é gestora de um dos municípios paranaenses que não recebe o repasse.

Cleci explica que para um município começar a receber o ICMS Ecológico é necessário fazer o levantamento das áreas de mata localizada dentro do município, que formarão o índice de biodiversidade para o cálculo do valor a ser encaminhado para os cofres públicos. Assim que todas as áreas são contabilizadas, o processo é encaminhado ao Governo do Estado para aprovação e, se aprovado, o recurso começa a chegar para o município mensalmente. “Para o levantamento das áreas é preciso uma parceria forte com o IAP, que tem o interesse em ajudar a nossa região para buscar essas informações”, garante.

Atualmente, dos 15 municípios paranaenses que integram o Conselho dos Lindeiros, apenas sete recebem o ICMS Ecológico. “Não sabemos o que ocorreu para que os outros oito não buscassem, mas acredito que foi a dificuldade de se montar uma equipe, o serviço burocrático para o levantamento das áreas e principalmente o convencimento dos produtores rurais”, enfatiza a presidente da entidade.

Os agricultores são os parceiros número um dos municípios neste projeto. Isso porque grande parte das áreas de mata está em propriedades particulares, nas Áreas de Preservação Permanente (APP), por exemplo, que constituem áreas protegidas com vegetação nativa, preservando os recursos hídricos, paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade. “Para o produtor rural colaborar com o levantamento dessas áreas não vai mudar nada, ele só vai contribuir com o município para receber o ICMS”, enfatiza. “Um produtor que tem, por exemplo, meio hectare de mata, que soma com outro que tem meio, e outro e mais outro se soma para tornar uma área grande, então faz-se o projeto, manda para aprovação e o município passa a receber o ICMS”, complementa Cleci.

 

Iniciativa

A fim de facilitar o processo de levantamento das áreas que compõem o índice de biodiversidade, a presidente do Conselho dos Municípios Lindeiros explica que a entidade está em busca de uma empresa para trabalhar, junto aos municípios que não recebem o recurso, na elaboração do estudo e levantamento das áreas verdes para dar encaminhamento aos projetos. “Se esses sete municípios que já recebem o recurso quiserem rever sua área para aumentá-la, também será possível”, informa Cleci.

Dentro da proposta do Conselho dos Lindeiros, o órgão também trabalha junto à Itaipu Binacional para que a faixa de proteção do Lago de Itaipu seja repassada aos municípios. “Esses sete municípios recebem o ICMS Ecológico sem contar essa área, mas apenas com as propriedades particulares”, revela.

Cleci aponta que durante a Assembleia Geral Ordinária da entidade realizada no início deste mês, que contou com a participação de membros da diretoria da Itaipu – entre eles o diretor geral Luiz Fernando Vianna e o diretor de Coordenação Hélio Gilberto Amaral -, foi sinalizada a possibilidade do repasse dessas áreas da faixa de proteção do Lago aos municípios, proporcionalmente a sua área alagada. “Na época do alagamento cerca de oito mil famílias tiveram suas propriedades indenizadas e a Itaipu fez a escritura individual de todas essas áreas. Hoje, a parte documental deste processo está 70% pronta e depois disso será feita uma escritura única, quando a Itaipu passará aos municípios que vão a agregar ao ICMS Ecológico de cada um”, explica a presidente do Conselho.

 

Impacto

Quando agregada a área de mata das propriedades particulares, o território da faixa de proteção do Lago de Itaipu será impactante aos municípios lindeiros.

Cleci destaca que, conforme um levantamento feito pelos Lindeiros, são 42 mil hectares em todos os 15 municípios paranaenses que participam da entidade. Contando com cerca de 60% deste índice de biodiversidade para a composição do ICMS Ecológico, seriam aproximadamente R$ 1,2 milhão por mês para ser rateado entre os municípios. “Uma das preocupações, no entanto, é o convencimento dos produtores rurais. Eles nada perdem com isso, estarão somente entrando no cálculo da sua área para compor a totalidade da área verde do município”, diz. “Poderíamos até estudar uma forma de incentivo para aqueles que agregarem a sua área verde ao projeto, já que há possibilidade legal para isso também”, complementa Cleci.

 

Processo moroso

Como gestora de um dos municípios lindeiros que ainda não conta com o recurso, Cleci prevê que o levantamento dessas áreas não deve ser simples ou rápido. “Não é algo que será finalizado em dois ou três meses. Há muitos detalhes, apesar de termos o Sisleg e o georreferenciamento que já ajudam bastante, mas é uma realidade que demanda de um estudo para saber quanto de área o município tem”, pontua. 

O município de Santa Helena está entre o sete lindeiros que recebem o recurso. No ano passado, o montante repassado pelo Estado à Terra das Águas somou R$ 368.391,36. Em 2017, entre janeiro e abril, os repasses mensais do ICMS Ecológico já estão próximos à metade deste valor: R$ 139.170,64. De acordo com o prefeito do município, Airton Copatti, que ocupa a vice-presidência do Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu, o pleito para que a faixa de proteção do Lago seja repassada aos municípios é justo. “Em Santa Helena, assim como em outros municípios da beira-lago, essas áreas da faixa são planas, férteis e próprias para a agricultura e no passado já foram utilizadas para este fim, mas hoje já não são e os municípios perderam com isso”, avalia. “A faixa é necessária, ajudou e muito na proteção do Lago de Itaipu, mas acredito que é justo que os municípios pleiteiem por isso, afinal, é uma área que está dentro dos seus territórios e, sem dúvida, ajudará a todos em maior ou menor escala”, complementa Copatti.

 Ele observa que Santa Helena tem uma área de faixa de proteção significativa e que, agregada ao índice de biodiversidade para o repasse do ICMS Ecológico, teria incremento considerável na receita. “E esse recurso seria agregado aos projetos para os quais estes fundos já são aplicados, de meio ambiente, educação ambiental, do trabalho junto aos agricultores para que adotem novas tecnologias no campo. Somos uma região com desenvolvimento agropecuário considerável, mas temos que avançar, por isso esses recursos seriam muito bem-vindos”, enaltece.

 

Investimentos

Copatti explica que os recursos destinados mensalmente à prefeitura, apesar de serem fontes livres, são voltados a projetos nas áreas de meio ambiente e tecnologias aplicadas ao campo. “Justamente para que se faça justiça, afinal são recursos provenientes da conservação dessas áreas de mata existentes no município”, pontua.

A readequação de estradas e o plantio direto, por exemplo, são projetos que foram implantados em Santa Helena há muitos anos e até hoje são mantidos por meio do ICMS Ecológico. Além disso, o recurso também proporciona executar atividades de educação ambiental junto aos agricultores e o incentivo à adoção de tecnologias no trabalho do campo. “A readequação de estradas evita o assoreamento de riachos, de fontes d’água e minas e o plantio direto é uma tecnologia que evita a erosão e o assoreamento do próprio Lago de Itaipu, aumentando sua vida útil”, explica. “São duas tecnologias ligadas diretamente à proteção do meio ambiente e à sustentabilidade ambiental, que permite retornar o recurso para a fonte de onde ele veio”, emenda Copatti.

A presidente do Conselho dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu avalia que os gestores públicos deverão ter uma visão diferenciada sobre como aplicar o ICMS Ecológico nas cidades. “Não podemos pensar em folha. Deve ser voltado à infraestrutura, principalmente ao setor da agricultura, porque dependeremos basicamente dos agricultores para tornar isso uma realidade. Esse é um recurso que deve ser destinado a esse setor no nosso município”, destaca Cleci. 

O prefeito de Entre Rios do Oeste, Jones Heiden, que está na lista dos municípios paranaenses que não recebem o recurso, concorda que o recurso deve ser voltado exclusivamente para a área de meio ambiente, já que é deste setor que o recurso provém. “Se o município passar a receber o ICMS Ecológico, ele será voltado para a resolução de passivos ambientais, seja pelo incentivo ao tratamento de dejetos com biodigestores, já que temos o projeto de biogás em andamento, seja para a recuperação de minas, recuperação de estradas e conservação de solos”, aponta.

Heiden conta que no início deste ano, quando abriu mão de concorrer à presidência dos Lindeiros para evitar um “bate-chapa”, apresentou para a prefeita de Mercedes suas propostas se fosse candidato à entidade, e uma delas era justamente o ICMS Ecológico. “Seria também uma das minhas bandeiras caso fosse eleito, pois nos últimos quatro anos trabalhamos dentro do Conselho para buscar este recurso, junto a deputados, inclusive. Aqui em Entre Rios do Oeste contatamos uma empresa quando fizemos a mudança no Código Tributário para buscar o ICMS Ecológico, mas concluímos que o município sozinho não teria essa força, então seria por meio dos Lindeiros”, explica. “Felizmente a Cleci como presidente também abraçou essa bandeira e se Entre Rios passar a receber teremos que pensar nesse recurso como investimento, não em gasto ou folha. Um recurso como esse se colocar um pouco em cada coisa acaba-se gastando tudo e não investe-se em nada. Terá que existir um projeto voltado para um único setor, então se veio do meio ambiente será voltado para o meio ambiente”, conclui Heiden.

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