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Política

Distritão tende a diminuir representação de algumas regiões, avalia cientista político

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Aprovada na comissão especial que analisa a reforma política, na Câmara dos Deputados, de madrugada, na calada da noite, o distritão não é um consenso entre os próprios parlamentares. Na próxima semana, o presidente da Casa de Leis, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já pretende levar para votação no plenário o relatório que prevê algumas mudanças no sistema eleitoral brasileiro. Se aprovado, ainda precisará passar pelo aval dos senadores.

Embora não haja nenhuma garantia de que o distritão seja aprovado na Câmara, justamente por haver muita discordância, é uma proposta que foi colocada em evidência. Por este método, no caso de uma eleição de deputado estadual, por exemplo, serão eleitos os 54 candidatos mais votados, a exemplo do que ocorre na eleição majoritária. Atualmente, leva-se em conta o quociente eleitoral, sistema mais complexo e que muitos eleitores sequer conhecem mais a fundo.

Em entrevista ao Jornal O Presente, o professor doutor em Ciência Política da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Gustavo Biasoli Alves, explica por qual motivo é contrário ao chamado distritão e quais prejuízos pode trazer para as campanhas eleitorais, como aumentar os gastos e exigir que candidatos façam campanhas bem longe das suas atuais bases eleitorais. Confira.

 

O Presente (OP): Como fica a representatividade do Oeste no Paraná com o chamado distritão? O senhor acredita que a medida passa pelo plenário da Câmara dos Deputados?

Gustavo Biasoli Alves (GBA): A tendência é que seja aprovado? Parece que não. Ao que tudo indica não há consenso na Câmara para que o texto seja aprovado, mas consensos podem mudar em cima da hora. Sobre o Oeste do Paraná, podemos generalizar sobre a representatividade de cidades menores ou regiões menos populosas. O distritão tende a diminuir a representação destas regiões. Pelo projeto, considera-se o distritão sendo o Estado (hoje os candidatos possuem suas bases eleitorais em regiões), algo que nunca tinha visto na vida antes, o que dificulta porque os candidatos precisarão atuar em regiões distantes do seu local de origem. Isso tem um custo enorme em termos de dinheiro, de desgaste físico e emocional e da própria concorrência política. Se a reforma passar considerando o distritão como Estado, há uma tendência das cidades mais populosas ser mais representadas, isso não apenas no Oeste do Paraná, mas em outras regiões menos povoadas.

 

OP: O distritão tende a beneficiar os políticos mais tradicionais e conhecidos?

GBA: Tenderia a favorecer políticos de regiões mais populosas. Agora se isso vai levar políticos mais tradicionais a ser reeleitos, já é uma questão mais complicada. O distritão é uma tentativa, ruim diga-se de passagem, de evitar os puxadores de votos. O Tiririca (deputado federal de São Paulo) teve mais de um milhão de votos. Com essa quantia dificilmente ele não seria um dos deputados mais votados na região dele e seria eleito. E ele não é uma pessoa tradicional na política. É difícil dar a resposta para essa pergunta.

 

OP: Qual a diferença que deve ser observada neste método na comparação com o formato atualmente vigente de quociente eleitoral?

GBA: Da maneira como está sendo proposto, o distritão considera a quantidade de votos que um determinado candidato teve, ou seja, semelhante à eleição majoritária. Já o sistema por quociente eleitoral, como existe hoje, leva em consideração os votos que o candidato recebeu, mas também a proporção dos votos do partido ou da coligação, enfim, para permitir que determinados grupos políticos que às vezes não têm uma expressão de votos tão grande tenham também a chance de ter candidatos eleitos e estejam representados no Parlamento. Não que isso não vá acontecer no distritão, mas a forma de cálculo tem lógica diferente.

 

OP: Na sua opinião, quais partidos tendem a ganhar com a aprovação do distritão e quais devem perder espaço?

GBA: Todo partido que tiver forças em cidades ou regiões muito populosas, com grande concentração de eleitores, tende a se beneficiar deste sistema. Já partidos menores e as chamadas siglas de aluguel tendem a ser prejudicados.

 

OP: Uma eventual renovação política fica ameaçada com o distritão?

GBA: Primeiro precisamos pensar o que significa renovação política. Não necessariamente seria prejudicada, pois renovação pode ser outras coisas e não simplesmente na forma de um cálculo eleitoral. Às vezes a Câmara dos Deputados tem taxa de renovação altíssima, entre 40% e 60%, de uma eleição para outra, mas dificilmente observamos uma renovação dos grupos políticos. Isso acontece porque não há interesse das atuais lideranças que novos líderes surjam. O outro ponto é o seguinte: é comum no país a passagem da tradição política de pai para filho, de avô para neto, de tio para sobrinho etc. É normal, porque política se aprende muitas vezes na mamadeira, no almoço em casa, o cotidiano da política vai se tornando normal, há uma expectativa de que alguém assuma o posto do avô, do pai, do tio, enfim, e no âmbito familiar acabam se criando novas lideranças. Então a renovação passaria por outras coisas que não necessariamente a forma de cálculo de votos.

 

OP: Este formato de eleição gera economia ou amplia os gastos com as eleições?

GBA: Não economizaria, porque a proposta do distritão faz com que o candidato tenha que se deslocar no Estado inteiro para fazer campanha, inclusive em regiões onde não é conhecido. Isso envolveria passagem, estadia, gastos com publicidade. Muito pelo contrário, o distritão encarece a campanha em vez de baratear.

 

OP: O combate à corrupção fica ameaçado com o distritão e os gastos a mais?

GBA: Estaria prejudicado. Precisamos analisar algumas coisas: primeiro, a estrutura que existe para fiscalização é deficiente. Temos um Tribunal Regional Eleitoral que é convocado a doc a cada dois anos, ou seja, são pessoas que atuam em outras esferas da Justiça e são deslocadas para fazer o acompanhamento eleitoral. Isso, por si só, já é um ponto de preocupação. Outro ponto de preocupação é que não existe controle algum, ou um controle muito fraco, sobre as doações feitas para as campanhas. Tanto que uma das dificuldades que a Operação Lava Jato tem encontrado é separar o que foi doação legal do que é caixa 2 (doação ilegal). Se não houver uma tipificação muito clara de como fazer doação eleitoral com limite rígido, como por exemplo se doar por CPF, não haverá controle nenhum e os casos de desvios continuarão aparecendo.

 

OP: O distritão então pode facilitar o caixa 2 e prejudicar a própria Operação Lava Jato?

GBA: Não tem transparência alguma. Na verdade, analisando a proposta friamente é possível ver que é uma tentativa de seguir uma tradição muito grande na política brasileira, que é aquela coisa de reformar para não reformar nada. A proposta é manter o distritão até 2020 para a partir de 2022 implantar o distrital misto, então por que já não se faz uma reforma honesta, sincera e ampla? Porque as elites políticas não querem reforma nenhuma. Querem que as coisas continuem exatamente do jeito que estão. Isso, de alguma forma, é um comportamento que contribui para que percam credibilidade. Aprovar o distritão na calada da noite, de madrugada, em que parece que a coisa cai de paraquedas, é não querer discutir a reforma, é não dar à população o direito de se manifestar sobre a reforma e sobre a estrutura política, é fazer uma mudança muito pelo alto e em uma discussão só entre elites e grupo parlamentar. Essa reforma não foi colocada na mídia de forma ampla, não passou por audiência pública, por um plebiscito ou referendo. Nada. Está sendo discutida nas altas esferas do Congresso e ponto.

 

OP: O relatório aprovado na comissão e que ainda precisará passar pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado para entrar em vigor está longe então daquilo que a população deseja?

GBA: A população brasileira deseja uma reforma política e isso está claro no mínimo desde 2013. Agora é esta a reforma que a população deseja? Me parece que não. A população precisa ser ouvida de outras formas para dizer o que quer, como um referendo ou plebiscito, uma assembleia constituinte exclusivamente para a reforma política.

 

OP: No geral, qual é a sua opinião sobre a proposta do distritão?

GBA: É horrível, porque encarece os custos de campanha e desfavorece a representatividade de cidades menores e regiões menos povoadas. É justo que as cidades mais povoadas tenham representação maior na Câmara dos Deputados por ter mais eleitores? Sim, é justo. Mas é justo restringir de maneira ampla a representação de regiões menos populosas? Não. É preciso encontrar outra forma de equilíbrio. Neste sentido vejo que o voto distrital misto seria muito melhor, como é adotado nos Estados Unidos e na Alemanha, ou com distritos menores e não pensando no Estado inteiro por um quociente fixo de eleitores. Por exemplo: a cada 200 mil eleitores um deputado federal. Seria muito melhor do que o distritão que está sendo proposto.  

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