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Famílias para as crianças e não o contrário

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Para adotar uma criança ou adolescente, o pretendente deve ir até a Vara de Infância, onde será instruído a respeito do que precisa ser feito. Inicialmente, será necessário providenciar uma série de documentos para começar o processo, como documentos pessoais e certidões de antecedentes criminais, por exemplo. “Ele precisa ser submetido a um curso de preparação para adoção e receber o certificado, que também é um dos documentos necessários”, destaca o juiz da Vara de Infância e Juventude, Renato Cigerza.

Na comarca rondonense, o curso é realizado anualmente e neste ano 14 casais participaram da Preparação Psicológica e Jurídica à adoção, ofertado pelo Serviço Auxiliar da Infância e Juventude (SAIJ). Nove residem na comarca, dois na Comarca de Medianeira e três na Comarca de Santa Helena.

Além disso, o pretendente será submetido a estudos sociais e psicológicos e, no final do processo, com a juntada de todos os documentos previstos em lei e o parecer social e psicológico favoráveis, ele é habilitado para a adoção e inscrito no cadastro da comarca e no cadastro nacional. “Quando ele busca a Vara de Infância, ele preenche uma ficha com as características da criança que ele quer, cor, idade, se aceita ou não grupo de irmãos e crianças doentes”, explica Cigerza.

Crianças com patologia, segundo ele, são outro problema nos abrigos e casas de acolhimento pelo Brasil. Apesar de prontas para serem adotadas, crianças e adolescentes que têm algum problema patológico, físico, mental, psicológico ou hereditário dificilmente são adotadas.

Os dados do CNJ apontam que apenas 4% do total de 38,2 mil pretendentes em todo o Brasil aceitam crianças com HIV, 5,45% aceitam menores com alguma deficiência física, 2,84% com deficiência mental e 31,86% aceitam com outro tipo de doença. Enquanto isso, na lista de acolhidos há pelo menos 1.541 crianças e adolescentes com algumas das doenças listadas acima.

“Assim que habilitado, quando houver uma criança apta a ser colocada nós iniciamos o estágio de convivência, período que a criança fica com o pretendente para ver se vai criar o vínculo entre eles. São feitas visitas, ele leva a criança consigo, é um longo período antes de confirmar a adoção”, expõe o juiz.

Os pretendentes podem ser tanto casais quanto aqueles que querem ser pais ou mães solteiros, bem como casais homossexuais. “Não há distinção ou restrição, o processo é o mesmo, a ordem é a mesma, e a fila é única”, garante o magistrado.

Cigerza diz que quando uma criança está apta para a adoção ela é disponibilizada para as pessoas residentes primeiro na comarca. Se não há nenhum pretendente, ela passa para o Estado e se não há no Estado ela passa para o cadastro nacional. “Se não houver ninguém no país, há a opção de adoção em outro país, passando por processos de habilitação internacional”, menciona. “Em cada Estado há um órgão de cadastros de crianças e adolescentes que podem ou não ser submetidos para adoção internacionais e casais estrangeiros habilitados no Brasil fazem o processo no país de origem, trazem o processo para cá e ficam habilitados para a adoção internacional, que é a última medida, desde que não consiga nenhuma família no Brasil”, complementa. 

O juiz salienta que mesmo que o adotante saiba de uma criança ou adolescente apto para a adoção ou em processo de destituição familiar – seja na sua comarca ou não -, não é possível encaminhar um processo para a adoção direta, pois é necessário respeitar a fila. “A não ser que esse pretendente seja o primeiro da fila, ele precisará esperar. A fila tem uma ordem, que vai de acordo com as sentenças de habilitação dadas pelo juiz, e ela precisa ser cumprida”, evidencia.

 

Perda de vínculo biológico

Apesar de poder ser um risco em cidades pequenas, onde, por mais que o processo de adoção tramite de forma sigilosa, os pais destituídos podem ver o filho junto aos pais adotantes, o juiz de Direito comenta que a partir do instante que a criança é colocada em adoção, ela perde de forma absoluta o vínculo e contato com a família, deixando de ter inclusive o sobrenome biológico e passando a ter o sobrenome dos adotantes na certidão de nascimento. “Há casos que até o pré-nome pode ser alterado se, em um caso concreto, for o melhor para a criança. É sempre levado em conta nos casos da Vara de Infância o que é melhor para ela, e não para os pais ou para o adotante”, enfatiza.

Cigerza comenta que o processo de adoção, assim como todos os processos da infância, são sigilosos e tramitam em segredo de Justiça, por isso ninguém tem acesso aos dados de adotados e adotantes. “O eventual pai que foi destituído do poder familiar nunca vai ter conhecimento de qual família adotou seu filho, porque isso é mantido em sigilo, não há distinção na certidão de nascimento da criança”, reafirma.

A única possibilidade existente é de a própria criança ou adolescente adotado, quando completar a maioridade civil, buscar esses dados, já que é o único interessado. “Ele pode buscar quem são seus pais biológicos e isso é preservado acima de tudo com o objetivo de assegurar a ele o conhecimento da sua verdade biológica. Às vezes há questões de doenças na família e ele pode querer buscar isso para se resguardar quanto a essas questões, mas apenas para esse fim”, menciona. “Se houve afeto com a família que adotou a criança, não há dúvida de que esse vínculo jamais será rompido”, frisa Cigerza.

 

Orientações

Sheila Covatti e Romilda Quilland são as psicólogas que participam da preparação psicológica e jurídica à adoção na comarca rondonense. Conforme as profissionais, apesar de casais que já possuem filhos e estarem no cadastro de adoção pelo desejo em adotar quem precisa de um lar, a maioria dos casais que estão na fila de adoção no município possuem problemas de infertilidade. “A maioria também são casais heterossexuais. Até hoje tivemos apenas um caso de uma pessoa que estava inscrita com o marido e se separou, mas optou por continuar no cadastro de adoção sozinha”, revela Sheila.

O objetivo do curso não é ensinar os pretendentes a criar um filho, mas, sim, orientá-los sobre como funciona o processo de adoção, que é um ato é irrevogável, evitar casos de devolução, explicar sobre o estágio de convivência e que é nesse tempo que os pretendentes precisam decidir se vão ou não conseguir se adaptar à criança. “Falamos sobre a possibilidade de adotar crianças maiores, adoção interracial, de crianças com deficiência e doenças crônicas, que na maioria das vezes as pessoas não querem quando chegam aqui porque nem pensaram na possibilidade. Nosso papel é plantar a sementinha no coração deles para que pensem com mais carinho a respeito disso”, expõe.

Após passarem pelo estágio de aproximação, a partir do qual começam a ter o contato com a criança no abrigo e fazer os primeiros passeios, passando para o estágio de convivência, quando recebem a guarda do menor, os pretendentes têm o acompanhamento das profissionais, pois neste tempo, que é determinado pelo juiz em cada caso, a adoção ainda não está efetivada, ou seja, os pais ainda podem desistir da criança ou do adolescente. “Se não der certo, a criança volta para o abrigo e o casal volta para a fila, porém, se a adoção já tiver sido efetivada, o pretendente pode ser excluído do cadastro nacional”, aponta Romilda, informando que quem conclui a adoção pode voltar a ser consultado para realizar a adoção de outro menor.

A psicóloga diz que quando a criança ingressa em uma nova família, isso significa que ela já foi rejeitada várias vezes na vida em diferentes momentos, porque até ser destituída existe um processo longo de reintegração na família e na família extensa. “Várias tentativas são feitas até ela ser considerada apta para adoção, e quando se chega a esse ponto a preocupação maior é que dê certo para que não seja mais uma frustração somada a todas as outras que ela vem carregando”, pontua.

Sheila enfatiza, ainda, que objetivo da Vara de Infância é encontrar famílias para as crianças e não ao contrário, já que é primeiro a Justiça da Infância atender os direitos das crianças encontrando para elas a melhor família, e não crianças para as famílias que estão na fila. “Claro que as duas coisas vão ao encontro e gostaríamos que todos os casais adotassem, mas ao mesmo tempo se as crianças não passassem por dificuldade ninguém precisaria adotar”, lembra.

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