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Marechal

LSD e ecstasy bombam na balada rondonense

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"Quando usa bala, você fica querido, sucinto, encorajado, sem vontade de beber álcool… você fica se achando”. As sensações descritas por Tobias* ao consumir a “bala”, uma das gírias que batizam o ecstasy, narram de forma íntima os efeitos de empatia, euforia, felicidade e conexão com outras pessoas proporcionados pela droga.

Originalmente desenvolvida para inibição do apetite e para manter o indivíduo em alerta, o ecstasy é uma droga sintética fabricada em laboratório e tem como princípio ativo a metilenodioximetanfetamina (MDMA) – droga sintetizada que estimula o sistema nervoso central, provocando aumento das capacidades físicas e psíquicas. Entre 1970 e 80, o ecstasy se popularizou especialmente na cena musical e cultural dance music, crescendo ao longo da década de 1990, com a popularização da música eletrônica.

Apesar de 40 anos terem se passado e dos efeitos extremamente perigosos do ecstasy terem acometido o corpo e a mente de milhares de pessoas, a droga ganha novos consumidores a cada dia, inclusive em Marechal Cândido Rondon, onde, apesar de ocorrerem poucas apreensões da droga pelos órgãos de segurança, a chama do círculo de fornecedores e usuários não se apaga e não está presente somente no cenário da cultura dance music.

De acordo com Tobias, no município, a bala é encontrada principalmente na balada, porém, também é vista em grupos mais restritos, como encontros de amigos e festas particulares. “Em jantares entre casais, festas de aniversário, a bala rola solta no uísque com energético. Diluem a bala dentro da bebida e você nem nota, só vai achando todo mundo mais simpático. Muitas vezes a pessoa está tomando e nem está sabendo”, revela.

Quem consome o ecstasy conscientemente, explica, está em busca dos considerados “efeitos positivos”, que podem incluir a diminuição do medo, da ansiedade e de inseguranças, sentimentos de amor, empatia e paz interior, apuração de sentidos e aumento na apreciação musical, aumento da sensação do tato, ou seja, prazer em ser tocado e em tocar pessoas e vontade de abraçar e beijar. Segundo o usuário, para a bala ter o pleno funcionamento, é preciso todo o “conjunto da obra”: música eletrônica, “vibe” e muita água. “Em festas que há consumo de bala, a água fica o triplo do preço, até R$ 10 a garrafinha”, evidencia.

E os consumidores pagam sem reclamar, já que um dos sintomas do uso do ecstasy está na desidratação e sensação de boca seca, causados pela aceleração do metabolismo. Na “trip” ou “viagem” que pode durar de três a cinco horas, também há outros efeitos, que podem ser extremamente perigosos. Quadros de agitação, trismo (constrição mandibular) e bruxismo, períodos de desconexão com o mundo exterior, alucinações visuais, dificuldade na concentração e visão borrada, aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea, mudança na regulação da temperatura corporal, insônia, tensão muscular, desidratação, hiponatremia, náusea e vômito, cansaço e ressaca (no dia após o uso, podendo durar até 72 horas).

Tobias diz que essas substâncias não estão concentradas apenas na mão do traficante. “O traficante virou apenas um contato de um ou dois, que passa uma quantidade generosa desses entorpecentes e esses um ou dois fazem o favor para repassar ao círculo de amizade”, comenta.

Para a distribuição nas baladas, conta, não basta ter a bala, também é preciso ter nome. “Só consegue fornecer se você for um cara renomado. Você fecha com o organizador da balada, mede o potencial da festa e oferece um valor para você ser ‘o cara’. Mas não adianta ser um qualquer, tem que ter um certo prestígio, para ter certeza que as pessoas estarão bem servidas. Daí entra aquele cara querido, que frequenta várias festas normalmente, é bem conhecido no Facebook, precisa ter bastante amigos”, completa. 

 

Papel a R$ 40

Outra substância popularizada na cultura dance music pelos efeitos de euforia, aumento de empatia e da percepção visual são os psicodélicos, especialmente o dietilamida do ácido lisérgico, o LSD – um dos alucinógenos mais populares no mundo. Da mesma forma que o ecstasy, o LSD é uma droga sintética fabricada em laboratório, mas que não possui odor, sabor ou cor. A forma mais comum de a droga ser encontrada é em papel – uma das principais gírias pela qual é conhecida -, mas existem outras maneiras em que a substância se apresenta, como a líquida, cápsulas em gel e gelatina.

O LSD – mais conhecido como “doce” – tem efeitos capazes de provocar alucinação e delírio, variando de acordo com o organismo do usuário e o ambiente em que ele está inserido, podendo ocorrer “viagens horripilantes”, chamadas pelos consumidores de “bad trip”. A substância transforma a realidade por meio de acréscimos de formas geométricas, brilho intenso, cores fortes, alternância de tonalidades e distorções. Entre os efeitos também são citados a facilidade de rir, estimulação mental e física, visualização de formas com olhos abertos e fechados, reforçada a sensação tátil, erotismo, aumento da capacidade criativa, elevação da apreciação musical, reflexão psicológica, alteração de perspectiva e prazer corporal. “Acredito que a bala seja mais consumida aqui na região. Papel normalmente fica na cara que a pessoa usou droga, já a bala dá para disfarçar. Com a bala você consegue dominar, por assim dizer, não fica tão explícito que a pessoa usou”, menciona Tobias.

Apesar de menos consumido na avaliação do rondonense, assim como o ecstasy, o “papel” também apresenta sérios riscos aos usuários, que incluem desde efeitos brandos, como visões não prazerosas, náusea e vômito, até problemas que podem causar complicações posteriores, como mudança na temperatura corporal, tensão muscular, ansiedade, trismo (constrição mandibular), megalomania, hipertensão, vasoconstrição, desidratação, aumento da transpiração e sensação de frio, também chamada de “pele de galinha”.

André* consome ecstasy e avalia que, nos últimos anos, o consumo aumentou muito em todas as classes sociais pela facilidade ao acesso às substâncias. “Acredito que nenhum dos dois seja realmente top. Nas Capitais e em cidades maiores o acesso é mais fácil e comum achar coisa mais forte”, expõe.

Segundo ele, na região de Marechal Rondon, um papel de LSD varia entre R$ 20 a R$ 40 nas baladas, mas tudo “depende da ocasião e de quem compra”. “Mas hoje o mais consumido nas baladas é a bala, porque dá o efeito de euforia. É como se injetasse uísque com energético na veia”, diz.

Na visão do rondonense, quem consome tanto o LSD quanto o ecstasy tem um comportamento diferente de quem consome apenas bebidas alcoólicas. “Em rave não tem briga, todos são amigos, já quem bebe, quer briga”, comenta.  

André avalia que as drogas sintéticas não são tão perigosas quanto as outras, pois são consumidas apenas em baladas, a cada dez ou 15 dias. “A maioria da galera pega uma bala e toma em quatro pessoas, mas claro que tem os mais loucos”, pontua.

 

Viagem sem volta

Segundo o sub-comandante do Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron), major André Dorecki, tanto o LSD como o ecstasy são comumente utilizados por jovens de todas as classes sociais, especialmente em baladas e festas rave. “Ele consome, seja da forma qual for, e vai ficar naquele transe por no mínimo cinco horas, até 12 se for no caso do LSD, pulando e dançando, porque a droga age no cérebro dizendo que você aguenta ficar mais, mas o seu físico não aguenta. E quando passa o efeito da substância, a resposta vem depois”, pontua.

Em casos mais brandos, diz, a imunidade do usuário baixa de forma brusca e são contraídas doenças, viroses e resfriados. Todavia, o uso do MDMA e do LSD podem levar à aceleração do metabolismo e à aceleração dos batimentos cardíacos, culminando até mesmo na morte do indivíduo. “Em outros organismos, o metabolismo desacelera bruscamente e o efeito é contrário, causando quadros de depressão, por exemplo”, explica. “No uso do LSD, pode ocorrer confusão mental, reações de pânico ou estados psicóticos, alucinações e delírios, além de sinestesias, ou seja, sons são vistos e objetos são ouvidos. A pessoa perde a noção do perigo e do espaço. É retratado em filmes, por exemplo, que pessoas, sob o efeito dessas substâncias, param no beiral de uma janela no décimo andar, mas acham que estão no segundo e conseguem pular, ou que conseguem voar, e quando caem na verdade não é uma questão de suicídio, é de perda da realidade”, complementa Dorecki.

Em alguns casos, as pessoas sob efeito do LSD também podem se tornar agressivas devido aos delírios persecutórios e paranoia, sendo que em alguns casos são desencadeados transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia.

Dorecki alerta que o boa noite cinderela, crime que consiste em drogar uma vítima para roubá-la ou estuprá-la, também são executados com o uso de anfetaminas, colocadas escondidas nas bebidas. “Normalmente esses crimes são praticados com mulheres, que perdem totalmente a noção da realidade. O criminoso, depois de drogar a vítima, tira do local com fluxo de pessoas e pratica o estupro de vulnerável, porque essa pessoa está vulnerável e não sabe o que está acontecendo, talvez no dia seguinte nem lembre o que aconteceu”, assinala.

O sub-comandante salienta que para coibir este tipo de crime a prevenção é não aceitar bebidas de outras pessoas, mesmo que sejam conhecidos. “Se for para pegar uma bebida na festa, que seja direto do garçom e peça para que ele abra a bebida na sua frente, porque a anfetamina é colocada até mesmo na garrafa de cerveja. Em grandes centros, este tipo de crime é algo que já está banalizado”, ressalta.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a MDMA como droga de restrição internacional e não reconhece nenhum uso do LSD e de outros alucinógenos e proíbe sua produção, comércio e utilização em território nacional.

 

Prevenção

Pelo círculo de consumidores e fornecedores ser extremamente reservado, a ação das forças de segurança, tanto da Polícia Militar quanto por meio do BPFRon, depende especialmente da denúncia de pessoas que não comungam com o comportamento dos usuários. “Se em uma festa a pessoa ver o indivíduo fornecendo, usando ou em qualquer atitude suspeita para esses ilícitos, o ideal é comunicar a polícia para que seja feita a abordagem do suspeito ou, por meio do nosso Serviço Reservado, o acompanhamento para verificar quem está fornecendo e traficando esta substância”, destaca Dorecki.

O trabalho de blindagem da fronteira, diz, também é essencial para não deixar que as substâncias entrem no país e sejam distribuídas tanto na região quanto levadas para grandes centros. “E também há o trabalho preventivo do próprio Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), que já atua no nível das crianças para alertar sobre o perigo dessas substâncias”, enaltece o sub-comandante.

Desde que o Batalhão de Polícia de Fronteira foi instalado em Marechal Rondon, a maior apreensão de ecstasy já realizada foi em 2015, quando sete mil comprimidos foram apreendidos. “Neste caso, é fácil diferenciar o perfil do mula, que está ganhando para transportar essa droga, do usuário ou distribuidor, que normalmente estará com uma quantia muito menor”, aponta o comandante da 1ª Companhia do BPFron, capitão Nairo Cardoso.

Cardoso comenta que o BPFron faz o acompanhamento das festas promovidas na região que têm as características de possivelmente contar com usuários e fornecedores de ecstasy e LSD e, caso ocorra alguma denúncia, há a abordagem do suspeito. “Não fazemos nenhuma abordagem coletiva, mas, sim, pontual e específica no envolvido. Precisamos da denúncia para não generalizar que todo mundo que frequenta balada X ou rave X consome esse tipo de droga”, frisa. “Porém, nós sabemos que há pessoas que vão nestas festas que consomem e que distribuem. Se fizermos operação em todas essas raves e baladas eletrônicas, com certeza vamos conseguir fazer apreensões, porque há conexões e características de faixa etária e local que a festa é realizada, por exemplo”, complementa.

A droga comercializada na região, de acordo com ele, normalmente é oriunda do Paraguai. “As apreensões de larga escala sabemos que é para o tráfico, contudo, em uma festa, o fornecimento ainda que em pouca quantidade de LSD ou ecstasy não deixa de ser tráfico, mesmo que não seja uma venda”, alerta.

Um indivíduo pego pela polícia fornecendo ou utilizando alguma das substâncias, em qualquer quantidade, é encaminhado para a delegacia por porte de tóxico, assim como no caso de qualquer outra droga ilícita. “E não há descriminalização destas drogas. Há despenalização, quando ao invés de prender, o juiz aplicará uma advertência nele sobre os efeitos das drogas. Ele precisará prestar serviços à comunidade e cumprir medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”, conclui Cardoso. 

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