Fale com a gente

Geral

Os dois lados de quem espera pela adoção

Publicado

em

“A gente pergunta: até onde esse cadastro é nacional sendo que aqui tem casais e em outras comarcas do Paraná nós sabemos que há crianças aptas a serem adotadas e a adoção não é concretizada?”. O questionamento é do casal de rondonenses Ailson e Claudiane Packer, que em janeiro do ano passado iniciaram a longa – e burocrática – jornada para preencher o lugar vago no balanço de suas vidas.

Apesar de não estarem impossibilitados de terem filhos biológicos para completarem a família, os dois contam que precisariam passar por um tratamento longo, que demandaria inclusive de cirurgias. “Quando decidimos adotar, pensamos que há tantas crianças que precisam de lar, de uma família, de amor, e optamos por não fazer toda essa questão médica e sim por abençoar e sermos abençoados por uma criança adotiva, um filho de coração”, diz Claudiane.

Ailson explica que o casal conhece outros casais que já passaram por tratamentos para engravidar e que os procedimentos, além de demandarem um alto dispêndio financeiro, são extremamente invasivos e dolorosos tanto física quanto emocionalmente. “São processos que transformam você. E também para não passar por tudo isso, optamos por adotar”, expõe.

Já em 2015, o casal começou a procurar informações junto à Vara de Infância da Comarca de Marechal Cândido Rondon sobre os documentos necessários para iniciar o processo e entrar na fila de adoção e em 2016 eles realizaram o curso de preparação psicológica e jurídica à adoção. “Depois de habilitados, percebemos que, apesar do cadastro ser nacional, há preferência para os pretendentes das próprias comarcas. Então começamos a visitar outras comarcas, como Toledo, Cascavel, Maringá e Ponta Grossa, nos apresentando, mostrando que estamos habilitados, com toda a documentação, na expectativa de conseguir concretizar a adoção”, comenta Claudiane.

Em uma dessas comarcas, mesmo tendo o contato e o auxílio de uma pessoa que faz parte da coordenação da casa lar que abriga crianças aptas à adoção, o casal conta que quando entrou em contato com a Justiça da Infância do local foi informado que a preferência era para pessoas da comarca. “Nós não queríamos passar na frente de ninguém na fila, mas sabíamos a quantidade de crianças que estavam naquele abrigo e ainda assim não conseguimos nem ser acionados. Também temos que pensar que Marechal Rondon é uma comarca pequena, o que restringe as nossas possibilidades”, aponta. 

 

Conta que não fecha

Claudiane e Ailson fazem parte da lista de 3.690 pessoas em todo o Paraná que estão relacionadas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) como pretendentes. Entretanto, no mesmo sistema gerido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) consta que em todo o Estado são 546 crianças e adolescentes em busca de um lar definitivo filhos.  

Na Comarca de Marechal Cândido Rondon a conta também não fecha. De acordo com a Secretaria de Assistência Social, hoje a Casa Lar – que faz o acolhimento provisório de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar – tem quatro moradores, mas apenas um está destituído do poder familiar. As outras moradoras são três irmãs. “Foi realizada uma tentativa de integração com a família, porém não houve êxito, por isso as três foram acolhidas na Casa Lar, mas ainda não estão destituídas da família e passíveis de serem adotadas”, explica o juiz Vara de Infância e Juventude, Renato Cigerza.

Desta forma, apenas um adolescente está acolhido, frente a 36 casais habilitados à adoção na comarca e inscritos no cadastro nacional.

“Possivelmente dessas 546, a maioria são crianças mais velhas a partir dos seis, oito anos ou adolescentes, que é a partir dos 12 anos, com os quais o processo de adoção já é um pouco mais difícil porque não há casais que pretendem adotá-los, por isso a conta não fecha”, avalia o magistrado.

E a avaliação de Cigerza é confirmada pelos dados disponíveis no site do CNJ: das 4,7 mil crianças disponíveis para adoção em todo o Brasil, apenas 0,21% tem menos de um ano de idade, faixa etária desejada pela maioria dos casais que buscam a adoção. “Quando você verifica com esses casais quais características das crianças que eles querem, na maioria dos casos são crianças novas, brancas, loiras, de olhos azuis, o que dificulta bastante a adoção das crianças mais velhas e adolescentes, que ficam nos abrigos até completarem a maioridade”, relata o juiz.

Claudiane e Ailson, no entanto, estão fora deste padrão. Quando deram entrada no processo, inicialmente queriam uma criança com menos de um ano, porém, depois que começaram o curso, os horizontes se abriram. “É claro que o sonho de qualquer casal é conseguir um bebê, eu amaria, mas nós aceitamos crianças até seis anos independente de qualquer outra característica”, menciona Claudiane.

 

Personalidade

Conforme a Vara de Infância, em 2014 haviam três crianças destituídas do poder familiar na comarca, sendo que duas foram adotadas por um casal em 2015. No ano seguinte, um casal residente e habilitado aqui adotou na Comarca de Foz do Iguaçu e outro iniciou o processo na Comarca de Matinhos.

De acordo com os dados do CNJ, o maior número de crianças em nível nacional em abrigos e casas de acolhimento é na faixa etária dos 16 anos, que representa 13,25% do total. Para o juiz de Direito, uma das hipóteses pelo motivo de as pessoas buscarem crianças mais novas é para dar a ideia de que ela foi gestada e esconder a adoção, com objetivo de evitar algum preconceito que a criança possa sofrer quando iniciar suas relações sociais. “Existe também um estigma de que a criança vem com vícios e traumas, por isso alguns também querem evitar as crianças mais velhas”, opina. 

Saber como será o seu filho antes dele “nascer”, todavia, é obrigatório quando a constituição familiar acontece por meio do processo de adoção, já que é necessário que os adotantes façam escolhas sobre idade, características de cor da pele, olhos, cabelo e sexo da criança quando preenchem o cadastro, mas na minoria das vezes os menores se encaixam nos desejos dos adotantes.

Claudiane diz, contudo, que escolher que tipo de criança aceitará em sua vida não é algo tão simples. “Eu não posso assinalar no cadastro o que eu não sinto no meu coração estar apta. Nós, como casal, conversamos e assinalamos o que estamos preparados para receber, não adianta assinalarmos algo que não é real, uma criança que não conseguiremos atender as necessidades”, enaltece.

A expectativa de receber uma ligação para iniciar a aproximação é constante na vida do casal, especialmente pelos dois terem consciência do número de menores que estão em casas de acolhimento em busca de uma família. “Da mesma forma que estamos buscando, aquelas crianças também estão querendo alguém para chamar de pai e mãe, mas a burocracia impede”, lamenta.

Ela cita, por exemplo, que crianças destituídas da família ainda bebês por conta da burocracia e da demora em estarem aptas para adoção crescem dentro de abrigos e, quanto mais tempo passa, mais difícil é para encontrar uma família. “Nós temos o conhecimento de que a personalidade da criança é moldada até os seis, sete anos, depois você só corta as arestas da educação. Depois dos dez, 13 anos, você precisa se questionar se estará preparado para lidar com todos os problemas que ela vai carregar consigo independente dela querer ou não”, enfatiza Ailson. “Penso que quando um casal não aceita uma criança mais velha, um adolescente, ele realmente está pensando na responsabilidade de adotar uma criança mais velha. Não é só não querer porque não é bebê, é porque ela tem consciência e quer dar uma boa educação para ele”, complementa Claudiane.

Para o casal, a burocracia da adoção sentida na pele por eles mais uma vez mostra como alguns processos quando feitos da forma correta no país são demorados para serem concretizados. “Conheço pais que adotaram, com famílias só de filhos adotivos, adotivos e biológicos. Nós pesquisamos muito, temos o pé no chão na nossa decisão, a gente quer adotar, porque sabemos que não tem diferença no amor. Sabemos que nosso filho vai chegar e se ele ainda não veio é porque não está pronto para nós. Os nossos filhos estão sendo preparados para nós”, afirma Claudiane.

 

Destituição familiar

Quando uma criança ou adolescente chega ao cadastro nacional, independente de sua idade, os caminhos percorridos por ela jamais foram tranquilos. Isto porque, para ser destituída do poder familiar, ela vivencia situações de risco, vulnerabilidade e até mesmo abuso. “A destituição acontece quando os pais não cumprem suas funções, obrigações decorrentes da sua condição de pai. Enquanto pai ou mãe, os genitores são detentores desse poder familiar, que é um conjunto de atribuições que eles precisam cumprir, como educar o filho, cuidar dele, assegurar seus direitos, suas garantias, matricular na escola, encaminhar para o estudo, entre outras questões. O descumprimento de qualquer uma dessas funções pode gerar a destituição do poder familiar. Com isso, a criança rompe o vínculo que tem com seus pais e pode ser encaminhada para adoção”, ressalta Cigerza.

Por previsão legal do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim que destituída, como medida principal a criança deve ser colocada em família substituta inicialmente com a família extensa: avós, tios ou irmãos mais velhos. “Sempre buscamos colocar na família extensa para que os vínculos biológicos e afetivos do menor sejam preservados. A família extensa sempre prefere o acolhimento em casa lar ou abrigos”, aponta.

Somente nos casos em que não se encontra família extensa ou, quando encontrados, os familiares não consentem em assumir a guarda, a criança é acolhida. “Às vezes ela é acolhida por poucos dias enquanto se busca a família porque há uma situação de risco e esse risco precisa ser imediatamente cessado, então o Poder Judiciário precisa agir com o objetivo de cessar de forma imediata a violação”, destaca o magistrado.

 

Laços

A Justiça também preconiza que grupos de irmãos devem ser adotados em conjunto, para que não ocorra a perda de vínculo entre eles. Porém, a regra comporta exceções, até porque, conforme o CNJ, somente 32,74% dos cadastrados em todo o país aceitam adotar irmãos – outro pequeno grupo no qual o casal rondonense está incluído, já que aceitam adotar irmãos.

A regra de adoção de forma conjunta é semelhante aos indígenas e pessoas que provêm de comunidades quilombolas, que precisam ser adotadas por alguém da própria comunidade com o objetivo de não romper o vínculo étnico e cultural que tem com a comunidade. “Quando não se encontra nenhum interessado na obtenção da guarda dos irmãos, mas há um casal que queira dois, outro casal quer um e são dois casais próximos, por exemplo, um assume a guarda de um irmão e outro casal assume a guarda de outro irmão, porque vê-se que não haverá perda do contato e do vínculo”, frisa Cigerza.

Copyright © 2017 O Presente