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Para alçar voos mais altos é preciso oportunidade

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Ricardo Lettnin, de 22 anos, e Sara Tischer, de 18, têm muito mais do que o local de trabalho e a escolha da profissão em comum. Ambos tiveram a iniciativa de buscar uma oportunidade de ingressar na carreira que escolheram e no mercado de trabalho antes mesmo de concluírem a graduação.

Os estudantes de Ciências Contábeis são estagiários de um escritório de contabilidade de Marechal Cândido Rondon, município que, de acordo com o Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná

(CIEE/PR), tem uma média de 80% dos estagiários efetivados na empresa. “Já tive outras experiências profissionais antes de começar a estagiar, mas não tinham nada a ver com a minha área. Depois que comecei o estágio, consegui entender muito melhor o que o professor passa em sala de aula, realmente alio a teoria à prática”, conta Ricardo, que cursa o último ano e estagia há um ano na área.

Já Sara está a apenas um mês estagiando, porém, já consegue ver os benefícios de ter deixado de trabalhar na área administrativa de outra empresa para começar o estágio no escritório. “Consigo entender melhor o que estudo na faculdade e também reafirmar a escolha pela profissão”, comenta a estudante que ainda está no início da graduação.   

Os colegas de trabalho fazem parte de dois diferentes momentos no âmbito dos estágios. De acordo com o coordenador do Escritório Regional do CIEE, que abrange também o município de Palotina, Jailson Marques Gonsalves, a abertura de novas vagas e a manutenção de estagiários no mercado andam paralelo ao cenário econômico nacional, ou seja, com a recessão no mercado de trabalho, também houve diminuição das vagas de estágio. “Em 2015 e 2016 sentimos uma queda no número de empresas abrindo vagas de estágio, mas neste ano houve uma retomada na procura”, avalia.

A análise de Gonsalves é de que muitas empresas que demitiram no ano passado e retrasado e tentaram dar conta da demanda sem aquele funcionário estão precisando da mão de obra e, ao invés de contratar alguém em carteira, lembram da possibilidade de contar com um estagiário no quadro de funcionários. “Isso porque ele pode auxiliar a empresa e o empresário tem algumas reduções que a lei do estágio oferece, como, por exemplo, não criar o vínculo empregatício, não recolhe INSS e FGTS”, comenta.

Em nível estadual, expõe, o CIEE tem o maior número de estagiários encaminhados à iniciativa privada desde a instituição da nova lei do estágio, em 2008. “Embora tenhamos uma crise instalada, vejo que as empresas estão conhecendo melhor o sistema de estágio e contratando mais”, expõe.

Gonsalves aponta que em nível local o número de empresas tem se mantido, ou seja, não há crescimento significativo na abertura de vagas. Todavia, novas empresas estão contratando enquanto aquelas que antes contratavam estão deixando de contratar. “Isso acontece ou pela efetivação do estagiário ou pelo desligamento dele por motivos que ainda não diagnosticamos. A demanda de vagas é muito volátil, ela muda diariamente. Em um dia podem ter cinco vagas e no outro nenhuma, porque as empresas decidem não mais contratar”, menciona. “No momento do pico elas precisam de mão de obra, mas não podem contratar formalmente, então pedem um estagiário no CIEE e de um dia para o outro o movimento reduz e eles pensam melhor e não querem mais contratar, por isso muitos nem abrem a vaga para divulgação no site”, complementa.

Há 50 anos no Estado, o Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná é uma entidade beneficente de assistência social, ou seja, de direito privado e utilidade pública sem fins lucrativos, que dá apoio ao estágio supervisionando os estudantes. O órgão mantém o cadastro dos estudantes, convênios com instituições de ensino e empresas públicas e privadas que concedem o estágio aos jovens. “Como agente de integração, o CIEE identifica e aproxima as partes interessadas no estágio”, enfatiza Gonsalves.

 

O que as empresas querem

Por ser na maioria dos casos a primeira oportunidade de experiência profissional dos estudantes, muitos deles não sabem o que as empresas desejam dele como estagiário. Contudo, de acordo com o coordenador do CIEE, o empresário procura em um estagiário as mesmas características de um funcionário que ela contrataria em carteira assinada.

Gonsalves comenta que um dos primeiros quesitos está na habilidade de comunicação. Apesar de os jovens e a maioria da sociedade ter aptidão para desenvolver a comunicação em redes sociais como Facebook e WhatsApp, quando a conversa é frente a frente, boa parte das pessoas se retraem. “Na comunicação interpessoal, muitos ficam acanhados. Quando a empresa liga para a gente pedindo encaminhamento, eles solicitam jovens que saibam se comunicar bem porque vão atender clientes, telefone, conversar com os colegas de trabalho”, diz.

Outra característica essencial para os jovens estagiários está em estudantes que tenham iniciativa para aprender, ou seja, não tenham medo de perguntar, desejo de crescer. “Por ser a primeira experiência, muitos ficam em dúvida sobre o que podem ou não fazer dentro da empresa e o empresário quer que ele tome iniciativa. Se ele pediu para o estagiário fazer aquilo, ele quer que ele faça aquilo, mas que se prontifique a fazer mais, não que apenas obedeça ordens”, menciona Gonsalves.

A responsabilidade também está no leque de características principais para que um estagiário seja bem quisto pelos empresários. Isso significa que as empresas buscam estudantes que cumpram horários, que comuniquem com antecedência quando precisarem faltar na empresa por problemas de saúde, por exemplo. “Essas são falhas que não acontecem apenas com os estagiários, infelizmente. Temos casos de pessoas que nos dizem que vão desligar o estagiário porque ele faltou dois dias e apenas no terceiro a mãe dele trouxe o atestado, mas poderia ter avisado no primeiro dia. Essa responsabilidade é essencial”, pontua.

A postura, educação, ética e bom caráter são outros pontos essenciais para que um jovem estudante seja indicado e aceito como estagiário em uma empresa – características que devem ser apresentadas por meio de sua apresentação pessoal. “Não significa que alguém que se vista de maneira diferente, afinal é um jovem, não seja ético. Mas a empresa quando vai contratar vai observar isso. Se o estudante vai para uma entrevista desarrumado, chega atrasado, não fala com licença, por favor e obrigado, não utiliza a linguagem formal, fala gírias… Depois da contratação, quem sabe ele possa falar ‘e aí cara’, mas nesse primeiro momento a empresa busca um jovem com a postura adequada”, ressalta. 

 

Propaganda enganosa

A facilidade que os jovens têm em utilizar a internet e conhecerem a funcionalidade de diferentes gadgets pode ser, quando procuram uma vaga de estágio, uma grande propaganda enganosa tanto para o empregador quanto para ele mesmo, já que outro requisito fundamental é o conhecimento de informática básica.

Porém, engana-se o estudante que acredita ter destreza em informática ao conhecer a fundo as funções de um iMac ou do sistema operacional Windows, mas na verdade não consegue escrever um ofício ou uma carta, resumir um texto com base em uma pesquisa em fontes oficiais ou simplesmente redigir um texto em fonte Arial em tamanho 12, com espaçamento entrelinhas de 1,5 e justificado. “Recentemente realizei uma palestra em um colégio e de 100 estudantes, quando questionei quem conhecia informática e redes sociais todos levantaram a mão, mas quando solicitei para que formatassem um texto daquela forma, talvez meia dúzia se manifestou. Os jovens não tem conhecimento de ferramentas básicas do pacote Office, nem mesmo Word e Excel apenas”, relata. 

Gonsalves diz que é essencial para as empresas que os jovens saibam como utilizar as ferramentas básicas de informática para o trabalho, como redigir textos e ofícios, realizar pesquisas, resumi-las e passá-las para um texto, formatar textos, ligar e desligar aparelhos. 

Estar conectado 24 horas por dia também pode trabalhar contra o candidato na hora de procurar um estágio. Segundo o coordenador do CIEE, há empresas que antes mesmo de solicitarem o currículo de algum estagiário, pedem o nome e sobrenome do candidato para verificar as redes sociais. “Cada vez mais empresas verificam no Facebook a postura do estudante. Isso não necessariamente vai ser uma avaliação real e correta da pessoa, mas se estou procurando um emprego e quero entrar no mercado de trabalho, preciso observar minha postura nas redes sociais porque estou exposto ali também”, alerta.

 

Estágio não é emprego

Para o empregador, o estágio funciona como um programa eficaz de recrutamento e seleção de futuros colaboradores, facilitando a descoberta de novos talentos. Os benefícios também envolvem as instituições de ensino, já que o aluno tem a oportunidade de obter a prática e até mesmo um recurso para a continuidade dos estudos.

Entretanto, Gonsalves enfatiza que o estágio não gera vínculo empregatício, ou seja, não possibilita que o estudante se sustente, já que não é um emprego formal, sendo disciplinado pelas leis nº 11.788/08 e 9.394/96.

Cabe ao empresário, ou seja, a parte cedente, conceder ao estagiário uma bolsa-auxílio, sem os encargos adicionais específicos da legislação trabalhista, sem incidência de qualquer taxa ou desconto. “O estágio é um ato de aprendizagem no local de trabalho. A empresa tem como vantagem não recolher INSS, FGTS, férias não tem abono de 1/3 e o 13º salário é facultativo. Além disso, não existe valor mínimo nem máximo de salário, o pagamento da bolsa é uma combinação entre as partes, e o empresário pode, conforme o andar do estágio e o desenvolvimento do estudante, ir remunerando melhor”, explica Gonsalves.

O estagiário pode atuar na empresa por até dois anos e o empresário pode fazer o desligamento dele com maior facilidade do que em outros regimes, não demandando de aviso prévio ou multa de rescisão.

 

Via de mão dupla

Para os jovens também há diversos benefícios. De acordo com o coordenador do CIEE, oportunizar o desenvolvimento de estudantes por meio do estágio possibilita a formação de profissionais qualificados, já que na maioria dos casos o estágio é a primeira fonte de experiência para os jovens enfrentarem com sucesso os desafios do mercado de trabalho.

Para ser um candidato ao cargo, é preciso que o estudante tenha no mínimo 16 anos e esteja regulamente matriculado e frequentando o Ensino Médio, Educação Profissional de Nível Médio, Educação Superior (inclusive pós-graduação) bem como a Educação Especial. “Não tem uma idade máxima limite. Temos estagiários encaminhados com idade mais avançada e outros mais jovens”, aponta Gonsalves.

Por meio do processo, o estudante se familiariza com a atividade que futuramente poderá exercer, identificando-se ou não com a profissão escolhida, tendo a possibilidade de perceber eventuais deficiências e aprimorar-se. “Ele pode confrontar a teoria à prática e perceber se é aquilo que ele quer como profissão. À vezes ele vê que aquilo não é exatamente o que ele pensava então ele pode rever a escolha de carreira ou ele se reafirma na profissão”, observa.

Em nível estadual, explica o coordenador do CIEE, entre 60% e 70% dos estudantes são efetivados na mesma empresa em que estagiariam e em Marechal Rondon e Palotina o número é até maior, chegando a 80%. “Isso porque o estudante tem possibilidade de mostrar que ele tem as características que a empresa procura e pode ser efetivado”, frisa.

Embora nem todos os estagiários sejam efetivados na mesma empresa, Gonsalves lembra que muitos daqueles que passaram pelo sistema de estágio têm mais facilidade de conseguir trabalho porque já tiveram uma experiência e adquirem uma referência.

 

Desenvolvendo potenciais

Sara e Ricardo têm a oportunidade de alçar voos ainda mais altos, assim como feito pelo gerente de relacionamentos do Sicoob, Jackson Hubner. Ele começou a trabalhar na cooperativa de crédito em 2006, como estagiário. “Na época que comecei a trabalhar, eu havia concluído o Ensino Médio e entrado em um curso técnico com especialização em informática, que era a vaga que o Sicoob precisava na época. Quando concluí o curso, fui efetivado”, lembra.

Na época, o administrador de empresas – que hoje é pós-graduando em gestão de negócios em cooperativas – trabalhava em uma panificadora entregando lanches, e foi realizando as entregas que passou a trabalhar em uma empresa de informática. “Fazendo os pagamentos dessa empresa na cooperativa fiquei sabendo sobre a vaga. A importância do estágio foi justamente eu ter a oportunidade de a empresa me contratar, de eu ter uma chance de mostrar o meu potencial, já que a única vaga que ela tinha na época era um estágio na área de informática”, conta.

Hubner foi efetivado na cooperativa de crédito como caixa, passou para o cargo de assistente, subindo para auxiliar, seguindo para assistente dois, gerente trainee, atuou em uma carteira pessoa física, posteriormente para pessoa jurídica e hoje é gerente de negócios pessoa jurídica de alta renda. “Hoje com muito orgulho fazem 11 anos que estou na cooperativa, mas ainda tenho muito a alcançar, não tenho nem 10% do conhecimento que posso conseguir dentro da empresa. Talvez se não tivesse ingressado por meio do estágio, não teria a oportunidade de crescer, desenvolvido meu potencial”, opina. “A personalidade você não consegue mudar, isso você carrega consigo, mas desenvolver o potencial é possível, a empresa consegue te proporcionar isso. Essas oportunidades precisam ser dadas a mais pessoas, há muitos talentos que podem ser esculpidos, desenvolvidos para se tornarem grandes profissionais”, aponta Hubner.

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