Fale com a gente

Geral

Pescadores esbarram na legislação

Publicado

em

Reivindicação recorrente dos pescadores que vivem nos municípios que beiram o Lago de Itaipu e tiram exclusivamente da pesca o sustento de suas famílias, o cultivo de tilápias em tanques-rede nos braços do reservatório foi liberado em abril de 2015, dando chance para o aumento e diversificação da produção pesqueira na região. Até então, a possibilidade de melhora na renda pela produção do peixe, que de acordo com os pescadores têm maior aceitação no mercado, encontrava barreiras por um tratado assinado em 2002 entre Brasil e Paraguai, que proibiu a introdução e o cultivo de qualquer espécie exótica nas águas do reservatório.

Apesar de diversos pescadores já terem adotado essa forma de cultivo tanto para a tilápia quanto para outras espécies nativas da Bacia do Alto Paraná, os ribeirinhos ainda sentem dificuldade em andar com o processo de licenciamento para praticar a atividade na forma da lei.

Pescador há 32 anos, o presidente da Colônia de Pescadores São Francisco de Entre Rios do Oeste, Walter Kist, conta que há cerca de quatro anos trabalha para conquistar o licenciamento ambiental da área em que estão instalados seus 150 tanques-rede. “Na época que me instalei aqui, quando as áreas foram liberadas pela Itaipu, não tinha esse ponto de pesca, foi quando Entre Rios ainda era distrito de Marechal Cândido Rondon. Porém, quando houve a emancipação tive que vir para esta área de Entre Rios, porque sou deste município, e sai de Pato Bragado, então coloquei os tanques nesta minha área”, explica.

Kist pontua que possui outra área liberada para fazer o cultivo há cerca de dois quilômetros daquele ponto, porém, diz que é muito arriscado passar os tanques para aquele local, tendo em vista que não é próximo do ponto de pesca. “Se vier algum tempo chuvoso, vento ou temporal, não podemos tratar os peixes e nos preocupa até mesmo a questão de segurança, o roubo dos peixes, que já acontece com os tanques aqui em frente de casa”, revela.

O pescador, que conta com o apoio da Itaipu para seguir na atividade e tem o acompanhamento de técnicos e também do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), faz o cultivo das tilápias desde meados de 2012, que complementaram a produção de pacus. “Colocando a tilápia juvenil nos tanques com 150 gramas, conseguimos fazer a cada quatro meses uma despesca aproveitando bem a ração, que tem um custo alto, mas isso demandou de muito tempo de testes e estudos. O pacu leva um ano e meio para ficar bom, enquanto isso fazemos três safras de tilápia. Apesar de ser um excelente peixe, ele não traz lucro, pois a tilápia tem o ciclo mais rápido e maior aceitação no mercado”, compara, ressaltando que a intenção daqui para frente é passar a fazer três safras de tilápia por ano.

 

A preocupação maior de Kist é conseguir o licenciamento ambiental para continuar produzindo na área em que está hoje para não precisar mudar os tanques-rede de lugar. “Nos preocupa, além das possíveis dificuldades de manejo, a questão do roubo dos peixes. Já passamos por isso várias vezes e ficamos a noite em claro em diversas oportunidades porque o pessoal fica na espreita com os barcos esperando entrarmos em casa para vir pescar nos tanques”, resume o pescador.

 

Tilápias à solta

Durante a vigência do tratado que proibia a criação de espécies exóticas no Lago de Itaipu, o cultivo de tilápias nas águas do reservatório sempre esteve rodeado de polêmicas. De um lado, pescadores que viam na tilápia a possibilidade de aumento de produção e renda. De outro, o receio de pesquisadores e ambientalistas de que a espécie exótica – ou seja, de origem e ocorrência natural somente em águas de outros países – pudesse causar algum desequilíbrio ou impacto ambiental no Lago de Itaipu. “Existe um movimento que aponta que qualquer outro peixe que venha de outra bacia colocado em um ambiente diferente do dele vai causar impacto na população natural de peixe. Então existe o risco”, explica o engenheiro de pesca e coordenador estadual de Aquicultura e Pesca do IAP, Taciano Freire Maranhão.

Em um empreendimento de tanques-rede onde possa ocorrer uma fuga em massa, por exemplo, os animais podem competir com as espécies locais, por isso há possibilidade de impacto ambiental, além da poluição da ração. “No reservatório de Itaipu, no caso da tilápia, esse é um peixe que reproduz em águas paradas e, apesar dos braços do reservatório serem de águas paradas e dela poder dominar esses braços e competir com traíras e outras espécies, isso ocorreria apenas se houvesse uma fuga em massa. Mas o risco disso acontecer é pequeno, tendo em vista que o tanque-rede é economicamente viável, bem manejado e tem estrutura segura”, pontua.

Conforme Maranhão, com base na portaria nº 145/1998, a tilápia já é uma espécie detectada na área de abrangência da bacia do Alto Paraná, então  pode ser cultivada nas águas do reservatório. E Kist confirma. Esta é a segunda vez que os pescadores podem observar que as tilápias estão realmente presentes no ambiente do reservatório.

Por conta das chuvas fortes e constantes ocorridas nas últimas semanas na região, enxurradas acabaram atingindo agricultores que criam tilápias em açudes próximos ao reservatório. “Quando esses açudes ‘estouraram’, esses peixes acabaram vindo para o lago. Há cerca de dois ou três anos, a mesma coisa aconteceu e podemos ver cardumes de tilápias em toda a barranca do rio”, diz.

Diversos peixes apresentam machucados na cauda, resultado do ataque de outras espécies predatórias, tendo em vista que a tilápia não é predadora e indefesa. “Em conversa com um técnico da Itaipu, existe a estimativa que pelo menos um milhão de exemplares de tilápias tenham vindo para o reservatório por conta das fortes chuvas. Sei de apenas um produtor que perdeu 300 mil peixes, não só tilápia, mas também carpa e até pintado”, menciona o entrerriense.

Diferente desta situação, explica o pescador, a possibilidade de fuga de tilápias cultivadas em tanques-rede é mínima, tendo em vista os cuidados que devem ser seguidos neste modelo de produção. “Hoje o lago está cheio de tilápias e tinha essa hipótese que não se poderia cultivar essa espécie. Então vemos justamente o contrário, que elas estão, sim, presentes neste ambiente. Por outro lado, lamentamos que os agricultores tenham perdido tanto peixe que acabou vindo para o reservatório. Seria a mesma coisa que vir aqui e tirar todos os meus tanques. Estaríamos falidos”, compara.

Copyright © 2017 O Presente