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Paraná FRONTEIRA

Furtos e roubos de embarcações abastecem o crime organizado

Enquanto aos proprietários de barcos resta a insegurança, aos ladrões cabe a missão de fornecer meios para o contrabando se difundir ao longo da fronteira

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O Presente

O Lago de Itaipu e o Rio Paraná são os principais corredores de acesso de produtos contrabandeados ou traficados do país vizinho, incluindo drogas, armas e munições que abastecem o crime organizado de todo o país. As quadrilhas não se acanham em fazer a travessia durante o dia usando as centenas de portos clandestinos espalhados ao longo da extensão do Lago, mas é à noite que o fluxo é mais intenso. Nesse período as águas viram verdadeiras avenidas repletas de embarcações buscando seu destino. A regra é manter o caminho livre para o vai e vem desenfreado de barcos trazendo produtos ilícitos.

O cenário descrito resume de forma simples a rotina de contrabandistas que se aventuram nas embarcações ao longo dos mais de 150 quilômetros de Lago, com locais onde a distância entre as margens brasileira e paraguaia ultrapassa os 12 quilômetros, e outros onde essa distância é inferior a 500 metros.

Para alimentar o crime organizado e fazer com que os produtos cheguem ao seu destino final, os criminosos precisam de meios de transportes ágeis e velozes. Diante dessa necessidade do crime, barcos são furtados ou roubados constantemente na região Oeste do Paraná. Enquanto aos proprietários de embarcações resta a insegurança, aos ladrões cabe a missão de fornecer meios para o contrabando se difundir ao longo da fronteira.

Segundo o comandante do Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron), major André Cristiano Dorecki, a partir do momento que o criminoso tem em mãos um barco, assim como acontece com veículos, ele tem um meio de transporte para trazer mercadorias contrabandeadas, drogas e armas por um local que aumenta as dificuldades de fiscalização por conta das suas dimensões. “Pelo que constatamos nos últimos anos de atuação do Batalhão, senão todas, mas a maioria das embarcações apreendidas com ilícitos são produtos de furto ou roubo”, destaca.

Dorecki comenta ser comum os barcos furtados ou roubados terem suas características adulteradas pelos criminosos, que também fazem adaptações para o transporte de ilícitos. “Assim como acontece com os veículos, tudo o que não for necessário é retirado para que eles tenham mais espaço para carregar os volumes de contrabando ou de drogas, mudando, inclusive, as cores da embarcação para dificultar sua identificação e confundir a fiscalização policial, principalmente à noite”, relata.

 

Mudança de perfil

Por causa da repressão policial, os contrabandistas mudaram o perfil das embarcações usadas na travessia com contrabando. Trocaram barcos grandes por outros menores, uma forma de dar aos seus pilotos mais agilidade na hora da fuga e para diluir os prejuízos no caso de apreensão. “Normalmente são embarcações pequenas, que são usadas principalmente para as atividades de lazer e pesca, o que traz à tona a questão dos furtos e roubos. Agora, de tempos em tempos, são feitas apreensões de embarcações improvisadas, mas essas são para transportar grandes volumes de contrabando ou drogas”, explica o comandante.

As apreensões desse tipo de embarcação, porém, não são constantes. Isso porque elas são maiores e tornam mais difícil transpor a fiscalização, por isso os criminosos acabam optando por barcos pequenos, leves e rápidos para tentar burlar qualquer forma de abordagem ou fiscalização.

Além de cigarros, as embarcações também são utilizadas para transportar medicamentos, anabolizantes, eletrônicos, drogas e outros ilícitos. Em apenas um barco, dependendo do tamanho, podem ser transportadas em média de 150 a 200 caixas de cigarros.

 

Mês de apreensões

O início de 2018 foi repleto de apreensões de embarcações por parte do BPFron. Até a semana passada 14 haviam sido apreendidas com produtos ilícitos.

O número, de acordo com Dorecki, contraria as estatísticas de anos anteriores. “Tínhamos um volume bem menor de apreensões e esse ano está surpreendendo não só pela quantidade de apreensões, mas também pelo próprio tamanho das embarcações, que não eram comuns até o ano passado”, comenta o comandante, que destaca que os contrabandistas estão se arriscando mais, já que um barco maior traz mais riscos e se torna mais visível.

Comandante do BPFron, major André Cristiano Dorecki: “Pelo constatamos nos últimos anos de atuação do Batalhão, senão todas, mas a maioria das embarcações apreendidas com ilícitos são produtos de furto ou roubo”

 

Portos clandestinos

O Lago de Itaipu formado pelo reservatório da hidrelétrica tem 180 quilômetros em linha reta de Foz do Iguaçu a Guaíra, de um extremo a outro da fronteira do Paraná com o Paraguai. Contudo, as muitas reentrâncias do Lago formam 1,35 mil quilômetros de margens.

Nessa miríade de vãos encobertos por vegetação, portos de atraque se multiplicam às centenas de um lado e de outro da fronteira. O vaivém de embarcações é constante.

São nesses portos clandestinos em que são realizadas o maior número de apreensões de embarcações. “Hoje nós temos catalogados centenas de portos clandestinos na região do Lago, alguns com maior e outros com menor incidência de apreensões”, diz o comandante, emendando: “Mas o que vem se tornando uma rotina é que esses portos são criados e a partir do momento que ocorre uma prisão ou apreensão de material eles transferem a sua logística para outro local, normalmente outro porto clandestino porque o anterior já foi ‘plotado’”.

Conforme Dorecki, a região entre Guaíra e Santa Helena apresenta maior incidência de apreensões. “A quantidade de locais é muito grande e a cada dia um novo porto é descoberto e catalogado pelos policiais”, informa.

 

Monitoramento

Ele salienta que todas as forças de segurança que atuam na região monitoram essas embarcações, mas enquanto elas estão do lado paraguaio não é possível fazer abordagem para uma correta identificação. “Pode ser que algumas delas sejam produtos de furto ou roubo, e em alguns casos podem até não ser furtadas ou roubadas, mas são utilizadas para o transporte de materiais ilícitos”, pontua.

Por conta disso, o major afirma que o BPFron está intensificando as ações de policiamento preventivo na tentativa de evitar que esses crimes aconteçam, e que quando as embarcações já estejam em posse dos criminosos, que seja possível recuperar o bem para o seu real proprietário. “Diariamente tentamos intensificar nossas ações na região, em especial entre Guaíra e Santa Helena, devido aos portos clandestinos e balsas existentes nessa faixa. Queremos, através das nossas ações, aumentar a sensação de segurança da população, até mesmo em virtude dos últimos casos de furtos e roubos de embarcações e motores na região”, enaltece Dorecki.

 

Ponto estratégico e vulnerável

Guaíra tem sido cada vez mais utilizada por contrabandistas que tentam escapar da forte fiscalização em Foz do Iguaçu. Eles percorrem cerca de 200 quilômetros por rios até chegarem à fronteira entre Guaíra e Salto del Guairá, do lado paraguaio.

Em comparação com os demais municípios que fazem divisa com o Paraguai, Guaíra está situada em um ponto estratégico. “Temos a peculiaridade do Lago ser bastante extenso, o que favorece um número maior de embarcações navegando. Isso gera uma facilidade para aqueles que tenham interesse em roubar ou furtar uma embarcação e usar o Lago para isso”, relata o comandante da 2ª Companhia do BPFron, sediada em Guaíra, capitão Éldison Martins do Prado.

Ao todo, são cerca de 41 quilômetros de Lago entre o Arroio Guaçu, em Mercedes, até a Ponte Ayrton Senna, em Guaíra. Distribuídos nessa faixa estão 12 portos de pesca e 43 portos clandestinos, de acordo com o último levantamento feito em 2017. A própria localização territorial acarreta uma enorme vulnerabilidade.

A equipe de reportagem de O Presente visitou três portos em Guaíra e embora dois fossem legalizados, também são utilizados para o descarregamento de cargas ilícitas.

Os dois primeiros portos, conhecidos como “Paragem” e “Tininha”, são próximos à sede urbana do município, mas, apesar da proximidade, embarcações com mercadorias contrabandeadas já foram apreendidas nos dois locais. Lá, embarcações estavam atracadas à margem do Lago e não muito distante dali a Ponte Ayrton Senna, que liga o Brasil ao Paraguai. “O BPFron já fez apreensões na região urbana de Guaíra, à beira lago, de nove embarcações e uma grande quantidade de combustíveis armazenados em tonéis de forma irregular”, conta Prado.

 

Contrabandistas aproveitam portos utilizados por pescadores para transpor mercadorias ilegais. Na foto, o porto “Tininha”, em Guaíra

Os produtos estavam em barracões fechados, que são instalados de forma irregular próximos aos portos. Em residências próximas também foram apreendidas armas. “Há a percepção que algumas pessoas constroem nesses locais visando a facilitação para a prática de crimes”, observa o capitão.

Os portos mais próximos à cidade são menos utilizados para esses tipos de delitos, mas, de acordo com Prado, já foram feitas apreensões nesses locais. “Por outro lado, por estarem mais próximos da cidade, alguns deles utilizam de dissimulação, haja vista que são portos mais usados por várias embarcações e pescadores, por serem legalizados, e acabam infiltrando mercadorias ilícitas”, explica.

A alguns metros do porto “Paragem”, residências com portões altos de alumínio escondiam grandes embarcações. As procedências das mesmas são duvidosas, segundo a polícia.

O terceiro porto visitado, esse clandestino, é conhecido como “Eletrosul” e fica cerca de um quilômetro da BR-272. Após sair da cidade e ingressar em estadas íngremes e fechadas, a vegetação espessa se abre e à frente está apenas a imensidão do Lago. Ali já foram apreendidas diversas cargas de entorpecentes, como maconha, além de contrabando.

 

Comandante da 2ª Companhia do BPFron, capitão Éldison Martins do Prado: “Temos a peculiaridade do Lago ser bastante extenso, o que favorece um número maior de embarcações navegando. Isso gera uma facilidade para aqueles que tenham interesse em roubar ou furtar uma embarcação e queiram usar o Lago para isso”

 

Investimento

Considerando que o crime organizado vem se infiltrando na sociedade de maneira vertiginosa, o combate é cada dia mais dificultado. Com investimentos no crime organizado, os contrabandistas tentam a todo custo barrar a ação policial.

Conforme Prado, um dos maiores empecilhos no combate aos crimes de tráfico e contrabando na região são os famosos “olheiros”, conhecidos também como “bandeirinhas”. Essas pessoas são encarregadas de informar os criminosos acerca da presença e movimentação policial. “Eles são posicionados em pontos estratégicos onde a polícia inevitavelmente vai passar para assim informar a presença das equipes”, menciona.

Para o capitão, isso não prejudica apenas o trabalho da polícia, mas também o município e toda a região. “Os “olheiros” são, em sua maioria, jovens que estão “trabalhando” para o crime, isto é, traficantes e contrabandistas. E quando jovens são submetidos a isso, muitos deles deixam de buscar uma condição de vida digna e um trabalho limpo em prol dessa situação que para eles se torna mais favorável”, enfatiza Prado.

Na barranca do rio, à noite e madrugada adentro, durante o trabalho de “olheiro” ou de carregamento e descarregamento de mercadorias, esses jovens também são apresentados a substâncias entorpecentes, gerando uma sequela irreparável para as famílias e a sociedade como um todo. “O prejuízo está além do fato de ludibriar o trabalho da polícia e ter uma estratégia para que ela não faça a abordagem e consiga detectar os marginais praticando crimes. É um prejuízo social muito grande”, salienta.

Os “olheiros” também são aplicados na navegação, no período noturno. “É um investimento que o crime faz visando garantir a entrega dos produtos”, comenta o capitão.

Porto clandestino “Eletrosul”. No local já foram interceptadas cargas de entorpecentes e contrabando

Confira a reportagem completa na edição impressa do Jornal O Presente desta terça-feira (20).

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