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Policial Bom ou ruim?

Lei de abuso de autoridade muda postura da polícia por risco de punição; lideranças policiais e advogados opinam

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Agentes públicos, em especial as polícias, ficam impedidos de publicar fotos e nomes de suspeitos de crimes. Antes chamados de autores, agora os detidos devem ser citados como suspeitos (Foto: Joni Lang/OP e Divulgação)

A Polícia Civil do Paraná deixou de divulgar nomes e fotos de suspeitos após a entrada em vigor da lei de abuso de autoridade. A recomendação foi confirmada pela polícia na última sexta-feira (10).

De acordo com a corporação, a nova postura abrange a divulgação de imagens de presos e de suspeitos em liberdade.

Durante uma entrevista sobre uma investigação de uma tentativa de homicídio, por exemplo, o delegado da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Tito Livio Barrichello, afirmou que não poderia passar informações sobre os antecedentes criminais do suspeito do crime por causa da nova lei.

A lei entrou em vigor no dia 03 de janeiro em todo o país, e polícias de outros Estados também adotaram a mesma postura de não divulgar mais informações ou imagens dos presos nos sites, redes sociais e comunicados à imprensa.

Segundo a Polícia Civil, podem haver exceções em casos de suspeitos foragidos com mandado de prisão em aberto. Nestas circunstâncias, de acordo com o órgão, será feita uma avaliação caso a caso.

 

CRIMINALIZAÇÃO

De acordo com o delegado da Polícia Civil em Marechal Cândido Rondon, Rodrigo Baptista dos Santos, a lei consiste em criminalizar condutas de autoridades públicas, agentes públicos em geral, e abrange um conceito de funcionário público muito amplo. “Foram considerados abusos ouvir o preso durante a noite e exibir o preso à imprensa, com divulgação de foto e nome. A lei contém quase 40 artigos criminalizando condutas. O artigo 13 vedou os agentes públicos de promover qualquer publicação de fotos de presos e seus nomes, cuja divulgação gera crime com pena de um a quatro anos. A partir de agora as polícias dirão apenas que alguma pessoa foi presa. Nós podemos conceder entrevistas, no entanto fica proibido qualquer juízo de valor, então provavelmente citaremos os presos como acusados ou pessoas investigadas”, expõe.

Por outro lado, Baptista diz que a imprensa não está incluída na lei, de modo que se a editoria do órgão quiser pode divulgar nome e foto do preso. “Desde que consiga esses dados através de fonte própria que não seja um agente público”, pontua. “A lei revela que são crimes próprios para funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, especialmente”, acrescenta.

Conforme o delegado, a lei muda o repasse de informações. “Nós vamos ter de cercear as informações de imagens e nomes dos presos. Além de que, não podemos atribuir de forma alguma a culpa a eles, o que consta no artigo 38. Vamos ter de informar que foi presa uma pessoa pelo crime tal e tal. O engraçado é que a lei criminaliza também o policial que não se identificar para o preso. A gente realmente tenta entender de onde vem isso, porque é crime o policial não se identificar para o preso, mas não é possível identificar o preso para ninguém”, critica.

 

Delegado da Polícia Civil em Marechal Rondon, Rodrigo Baptista dos Santos: “A partir de agora as polícias dirão apenas que alguma pessoa foi presa. Nós podemos conceder entrevistas, no entanto fica proibido qualquer juízo de valor, então provavelmente citaremos os presos como acusados ou pessoas investigadas” (Foto: Joni Lang/OP)

 

PROTEÇÃO

O sub-comandante do 19º Batalhão da Polícia Militar (BPM) com sede em Toledo, major Valmir de Souza, entende que a lei de abuso de autoridade é uma ferramenta que visa proteger o cidadão de possíveis abusos cometidos por servidores públicos no exercício de sua função, consistindo assim em um direito fundamental do cidadão no que tange às garantias individuais de liberdade. “A Polícia Militar do Paraná, via de regra, já não vinha há muito tempo divulgando nomes e fotos de presos. Então, para a PM acredito que não muda muito e não tem muita relação essa ideia de publicação ou não do nome dos presos. Não publicamos o nome do preso e nem tampouco dos envolvidos em ocorrências policiais, salvo raras exceções que são mais informativas do que necessariamente de divulgação de presos e os nomes desses envolvidos”, comenta.

No que se refere a eventuais punições, Souza destaca que a polícia está acostumada a ser passada ou submetida ao crivo da lei em relação ao comportamento policial. “Então, as polícias militares já vêm trabalhando sob esse fardo que seria para alguns a lei de abuso de autoridade. Também não altera basicamente os registros nos boletins de ocorrência, porque a PM tem um procedimento adequado que se relaciona com a lei de abuso de autoridade”, salienta.

Para o major, a lei visa garantir efetivamente que as autoridades não abusem do poder que exercem. “Não vemos isso com preocupação porque acreditamos no Ministério Público e no Poder Judiciário. Quando um promotor procede uma denúncia e o juiz quando julga ambos fazem isso de forma imparcial. Para todos aqueles que estão evolvidos no processo penal, nós provavelmente não teremos receio de atuar como já atuamos ao longo do tempo”, enfatiza.

 

Sub-comandante do 19º BPM, major Valmir de Souza: “Via de regra não publicamos o nome do preso e nem tampouco dos envolvidos em ocorrências policiais, salvo raras exceções que são mais informativas do que necessariamente de divulgação de presos e os nomes desses envolvidos” (Foto: Divulgação)

 

SERIEDADE

O advogado rondonense Luciano Caetano ressalta que a lei do abuso de autoridade tem como base agentes públicos, principalmente policiais, com condutas que em muitos casos já estavam em legislações expressas ou na Constituição Federal, dentre elas a exposição do preso. “Dentre as condutas consta constranger uma pessoa. Imaginemos um padre ou psicólogo que é levado à delegacia e seja constrangido a depor sobre uma informação que recebeu em seu ofício, de que deveria resguardar segredo, mas o agente público lhe obrigue, de qualquer forma, a prestar declarações. Isso é crime. Outra questão é o interrogatório noturno sem que sejam observadas as prerrogativas de direito do preso, como direito ao silêncio, de ser assistido por advogado, etc”, exemplifica.

Mais um exemplo, amplia o profissional, é a invasão de domicílio sob pretexto genérico, fazendo a pessoa ficar constrangida. “A casa é algo inviolável e isso deve ser respeitado. Existe penalização ao agente que a invade com pretextos não justificados. Outra conduta injustificável é inovar o cenário de um crime. Imaginemos que o agente público, imbuído de sentimentos escusos, crie um cenário de provas para punir uma pessoa que pode ser inocente. Quanto a isso existe preocupação grande”, aponta Caetano.

Ele comenta que chama atenção o agente público que, de alguma forma, utiliza meios para encaminhar uma pessoa que já está em óbito para uma casa hospitalar, “justamente para criar informações, por exemplo, de uma linha de investigação diferente, para afirmar que referida pessoa morreu na casa hospitalar ou não morreu no horário determinado. Se o legislador trouxe essa novidade é porque existem casos acontecendo neste sentido”, observa.

 

INVESTIGAÇÃO

Outra situação, prossegue o advogado, é de investigação em face de alguém que autoridade ou agente público tenha certeza ou não tenha o mínimo lastro probatório de que cometeu um crime. O agente, por exemplo, por inveja, ciúme ou outro motivo, começa a criar elementos para investigar uma pessoa, sendo que a própria investigação é um constrangimento. “A pessoa de bem, que está na casa dela e realiza todas as suas atividades de forma lícita, perde a paz espiritual sabendo que existe uma investigação contra ela, sabendo que existem agentes públicos que, às vezes, podem estar monitorando computador, celular, local de serviço, casa, que amanhã ou depois pode vir uma ação penal e ela pode ser condenada, sendo que não cometeu nenhum ato errado”, exemplifica.

Segundo ele, essa lei veio para punir o abuso, não para punir o agente público que desempenha as suas funções de acordo com a lei. “Tivemos muitos casos em nível nacional de investigações que não levaram a nada. Pessoas que foram presas preventiva ou temporariamente, levadas até quatro vezes a uma prisão, que acabou sendo revogada. A lei veio para trazer obrigação de maior seriedade aos agentes públicos e maior eficiência, o que vai dar mais credibilidade para o agente público”, afirma.

“A investigação, tomo isso como lição de um amigo delegado, precisa ser inteligente e não abusiva. A investigação abusiva cedo ou tarde não dá em nada, e utiliza recursos do Estado para fazer um serviço que não traz resultado à população. O juiz quer um processo em que as provas sejam firmes, lícitas e coerentes para que ele absolva ou condene. Não adianta utilizar meios de força, querer achar caminhos não reveláveis, para condenar ou trazer uma pessoa à prisão, sendo que lá na frente isso pode se reverter até em uma condenação cível ao Estado”, considera.

O advogado criminalista entende que a lei é positiva justamente nos aspectos de exigir maior eficiência e seriedade na apuração de crimes e maior respeito a uma pessoa investigada, que não se sabe se é culpada ou inocente. “Se for inocente e objeto de investigação no mínimo o cidadão merece um pedido de desculpas, o que raramente acontece. E se a investigação está atrás de um culpado que essas provas sejam dignas para que amanhã ou depois o magistrado tenha convicção de que todo aquele trabalho foi feito de forma transparente e está dando resultado, satisfação para a população. Qual a crença na Justiça se amanhã ou depois existir algum elemento de abuso de autoridade e não está sendo dada credibilidade aos nossos magistrados, delegados, Ministério Público de que realmente vai ser feita investigação transparente para verificar se aquele agente público cometeu ou não abuso de autoridade? Se cometeu ele é uma pessoa que traz dano ao Estado e deve ser afastado por agir dessa forma”, opina.

Caetano acrescenta que membros do Legislativo também podem ser responsabilizados, uma vez que possuem meios de divulgação. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), por exemplo, também pode cometer abuso. “Mas nesse caso teríamos de verificar quais aspectos se aplicam a essa investigação legislativa”, pontua.

Em relação ao trabalho da imprensa, o advogado diz que o profissional está sempre preocupado em sair na frente, o que também atende à credibilidade do Estado. “A conotação e o serviço do Estado estão em investigar e apurar indicativos de autoria e a prova, então quando a polícia faz o serviço, tem suspeito e provas aí o trabalho está concluído. Muitos jornalistas competentes conseguem informações sobre investigações. Se o profissional conseguir informações pelos meios que tiver conhecimento, a lei de abuso de autoridade não pune essa pessoa, ressalvada a responsabilidade civil quanto à indenização em dinheiro dessa pessoa que às vezes foi exposta e condenada ou então houve divulgação dela sem que as informações se confirmem”, enfatiza.

 

Advogado Luciano Caetano: “Tivemos muitos casos em nível nacional de investigações que não levaram a nada. Pessoas que foram presas preventiva ou temporariamente, levadas até quatro vezes a uma prisão, que acabou sendo revogada. A lei veio para trazer obrigação de maior seriedade aos agentes públicos” (Foto: Joni Lang/OP)

 

CONSOLIDAÇÃO

De acordo com o advogado Oscar Nasihgil, a legislação que foi criada, aprovada e depois de alguns vetos e muita polêmica entrou em vigência no território nacional, com algumas exceções, não traz grandes mudanças no cenário de um processo ou de conduta dos agentes da lei. “Ela culminou em especificar condutas proibidas, as punir e foi direcionada somente para os agentes públicos de todos os Poderes do Estado. Deixou mais claro, consolidou e especificou numa legislação única diversas medidas que há muito tempo estavam inseridas, por exemplo, no Código de Processo Penal, no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Estatuto da Mulher e no Estatuto da Criança e do Adolescente”, enumera.

“Quer seja, em uma única lei, se especificaram, agora com clara punição, várias disposições que estavam previstas nas leis, tais como: deixar de comunicar prisão em flagrante ou temporária ao juiz, não comunicar a prisão para a família do preso, não entregar ao preso em 24 horas a nota de culpa e impedir encontro do preso com seu advogado, todas situações há muito previstas no ordenamento jurídico brasileiro como uma obrigação, mas até então, não tinham uma punição direta e clara”, cita.

No entendimento de Nasihgil, a lei não tem como atrapalhar a Operação Lava Jato, porque delegados, agentes e promotores não ficam impedidos de investigar e o juiz continua fazendo o seu papel, entretanto, qualquer abuso de autoridade vai ser punido. “Tem um detalhe: a lei fala claramente em dolo ou intenção de fazer, mas não pune interpretações diferentes sobre um caso. O juiz continua com a liberdade de julgar”, evidencia.

No que tange à não divulgação de fotos e nomes, o advogado diz que a situação há muito tempo vem sendo discutida com e pela própria imprensa, pois a pessoa que está sendo presa naquele momento muitas vezes não tem grau de culpa ou vai no futuro ser absolvida. “Então, se cria a ideia de que a foto, o nome e as iniciais não podem ser publicados. Essa medida já vem sendo tomada pela imprensa há algum tempo, até porque não foram poucas as ações movidas contra órgãos de comunicação por divulgarem o nome e/ou a foto de pessoas que mais tarde não foram declaradas culpadas. É o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado até decisão transitada em julgado, onde não caiba mais qualquer recurso. Todavia, a nova lei não tolheu direito da imprensa em divulgar, claro, não se esquecendo das proibições com menores, por exemplo”, observa.

“Penso que a imprensa vai se acautelar um pouco mais, contudo sem deixar de exercer livremente o seu papel constitucional de informar, porque essa é uma garantia dada a ela, contudo, se abusar, vai responder civilmente, como já acontece. Acredito que a imprensa, por ora, vai trabalhar um pouco mais com o fato em si e a lei de abuso de autoridade não foi direcionada para ela”, avalia.

Nasihgil reforça que a referida lei abrange os agentes públicos, membros dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público, dos Tribunais de Contas, enfim reputa-se como agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos. “Em alguns casos de desobediência serão aplicadas penas de detenção e em outros de reclusão. Ainda os servidores públicos no exercício de suas funções podem ter cargos suspensos e até perder o mandato, cabendo ainda as indenizações civis”, complementa.

 

Advogado Oscar Nasihgil: “Em alguns casos de desobediência serão aplicadas penas de detenção e em outros de reclusão. Ainda os servidores públicos no exercício de suas funções podem ter cargos suspensos e até perder o mandato, cabendo ainda as indenizações civis” (Foto: Joni Lang/OP)

 

ATOS CONSIDERADOS CRIMES ABUSIVOS

Identificação: o policial não usar, por exemplo, a tarjeta de identificação na farda, ou mentir o nome;

Condução de detidos: manter, na mesma cela, confinamento ou no carro no deslocamento, presos de sexos diferentes e também crianças e adolescentes até 12 anos;

Domicílio: entrar em uma casa ou local sem autorização, sem informar o dono, ou sem autorização judicial;

Mandado de prisão: cumprir mandado de prisão à noite ou entrar em local privado à noite, entre 21 horas e 05 horas;

Interrogatório: continuar questionamentos após o preso dizer que quer ficar calado, levar sob condução coercitiva para depoimento sem antes intimar para comparecimento, pressionar ou ameaçar a depor ou obrigar a fazer prova contra si mesmo;

Bloqueio de bens: o juiz decretar a indisponibilidade de valores em quantia que extrapole exacerbadamente a dívida;

Investigação: dar início a inquérito sem indício de crime, divulgar trechos da investigação ou gravações com a imagem do preso falando ou prestando depoimento.

 

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