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“É insuportável a dor de querer o que não existe”

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Paloma Amorin

 

Quatro meses de casada. Era o que tinha a jornalista Cecília Ramos, 36 anos, quando um acidente de avião matou seu marido, o assessor Carlos Percol, 37, o ex-candidato à Presidência Eduardo Campos e mais cinco pessoas, em agosto de 2014. Nunca aceitarei. Mas você coloca a dor numa caixa secreta dentro do peito e vai viver. Porque precisa viver!

Não, não é o avião dele!, repetia pros outros e pra mim mesma durante aquela manhã chuvosa de quarta-feira, 13 de agosto de 2014. Estava no comitê do PSB, em SP, quando vi a notícia do acidente pela TV: um helicóptero havia caído em Santos. Ufa! Um helicóptero… Confesso que deu um alívio. Afinal, eles [Carlos Percol, marido de Cecília e assessor de imprensa, e o candidato a presidente da República Eduardo Campos] só viajavam de jatinho. Um Cessna Citation. Eu mesma já havia viajado quatro vezes nesse bicho e o Tchinho (como chamava meu marido) segurava minha mão sempre que a aeronave balançava. Relaxe. Este é o meio de transporte mais seguro do mundo, dizia. Foi quando meu olho bateu na legenda estampada na tela. Trocaram a palavra helicóptero por jatinho. Meu Deus! Não, não podia ser verdade. Se você estiver recebendo essas mensagens, por favor me ligue!, eu insistia, em WhatsApps desesperados que nunca foram lidos…. É que meu marido NUNCA me deixava sem resposta. Pra você ver: falei com ele pelo celular às 9h21, horário da decolagem. O jatinho caiu às 10h03. Num intervalo de 42 minutos, minha vida virou de ponta-cabeça!

Restos mortais, tudo o que tinha

Peguei o primeiro voo pro Recife, nossa cidade natal, junto com uma amiga. Dopada, mas consciente. Já era madrugada quando desembarcamos. No aeroporto, estavam mais de 40 amigos e familiares me aguardando. Logo vi meus pais. Nos abraçamos forte. Estava muito arrasada: nem no meu pior pesadelo poderia imaginar me casar numa cerimônia tão emocionante e cheia de vida e, quatro meses depois, aguardar o caixão do meu marido chegar em um avião da Força Aérea Brasileira.

Eles não existem mais, como pode?

Tenho lembranças partidas do velório. Populares, autoridades, policiais, familiares e amigos que não paravam de chegar. Eram tantas coroas de flores! Não aceito, pensava a todo momento. Hoje a frase mais recorrente é: Eles não existem mais. Como é que pode?. Mas nada mudou: continuo não aceitando. Nunca aceitarei. Você apenas coloca a dor numa caixa secreta dentro do peito e vai viver. Precisa viver! Ali, já não conseguia mais chorar. Estava perto de completar 30 horas sem dormir. A presidente Dilma Rousseff veio me abraçar. Lembro das palavras dela, com as duas mãos segurando meu rosto: Minha filha, que brutalidade!. Era o que eu sentia: brutalidade. No cemitério, o mesmo filme inacreditável. Queria poder fazer parar de doer e impedir a dor da dona Alzira, mãe dele. Naquele momento, só agradeci a ela por ter criado um homem tão bom, tão lindo, um marido amoroso e parceiro nos quase cinco anos que vivemos juntos. Quis ver tudo. A cobertura do velório, do enterro, a repercussão. Meus olhos ardiam: era cansaço, choro, sono, tudo junto. Até hoje, ninguém me respondeu se ele sofreu. Foi tudo muito rápido, é o que repetem. Tomara que seja verdade.

Depois do último “Boa noite. Te amo”

No auge da dor, quis ficar na nossa casa, no Recife, onde se amontoavam presentes de casamento ainda fechados. Senti uma vontade louca de escrever, como fazia pra me comunicar com ele. Afinal, já convivíamos bem com a distância: ele viajava pelo Brasil afora por causa da campanha de Eduardo. Tivemos, inclusive, que encurtar a lua de mel. Londres acabou cortada do roteiro, e ficamos com Paris e Amsterdã. Eu levava numa boa porque sabia o quanto ele estava feliz. Tu não bota fé. O chefe foi bem demais!, repetia pra mim ao celular, após a entrevista de Eduardo no Jornal Nacional. Ele estava no Rio. Eu, em SP. Na madrugada do dia 12 pro 13, chorei muito ao telefone. De cansaço, de saudade, de tensão. Fiz uma selfie porque ele queria ver como eu estava. Tchinha, não fique assim. Falta pouco. E fui dormir. Cerca de oito horas depois do nosso último Boa noite. Te amo, o avião caiu. Mas não aguentei morar lá no Recife, não. Duas semanas depois, voltei a SP. Pra ficar. Comecei na terapia e me joguei no trabalho me reintegrei à campanha daMarina Silva. Depois, fiz o segundo turno com Aécio Neves.

 

 

 

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