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Corte etário não é regressão

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Com quantos anos seu filho começará o Ensino Fundamental? A pergunta parece fácil de ser respondida, afinal, a maioria das crianças entra para o 1º ano das séries iniciais com seis anos de idade.

Mas ele faz aniversário antes ou depois do dia 31 de março? A resposta para esta segunda pergunta mostra que, na prática, o início do processo de alfabetização dos pequenos não é assim tão simples.

A normatização do corte etário na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que vai até o 9º ano, ocorreu em 2015, com a aprovação do Plano Estadual de Educação, por meio da lei 18.492. Todavia, estabelecer uma normativa da idade correta para que a criança esteja na série correta ainda é um debate em nível nacional que ultrapassa o âmbito das escolas, secretarias municipais e estaduais de Educação, chegando aos Conselhos Estaduais e Nacionais de Educação e esbarrando, principalmente, no Poder Judiciário. 

Após três anos de matrículas sem o emprego do corte etário, o município de Nova Santa Rosa voltou a implementá-lo neste ano, seguindo orientação do Conselho Estadual de Educação (CEE). “A princípio permaneceríamos sem o corte tendo em vista as indefinições que se apresentaram ao longo dos anos, já que ainda é um debate muito amplo no campo da legislação”, comenta a secretária de Educação do município, Nilza Gerling.

Essa inexatidão que cerca o tema, que ano sim, ano não tem uma nova decisão postulada, faz com que muitos pais tenham dúvida sobre o que é o tal “corte etário”, que em uma primeira pesquisa no Google aponta ser o “retrocesso de aluno do Ensino Fundamental à Educação Infantil”. O termo “retrocesso” faz com que muitos pais se assustem e entendam a prática como uma reprovação do filho, que ainda nem chegou ao patamar da alfabetização, mas já está repetindo de ano. O pensamento, contudo, é equivocado.

O que é o corte etário

De acordo com a professora Iria Schallenberger Kappel, que atua no Departamento de Legislação Escolar do Núcleo Regional de Educação (NRE) de Toledo, para compreender por que o corte etário foi estabelecido na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental é necessário ter o olhar ampliado para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

No artigo 23, que trata da questão do Ensino Fundamental de nove anos, especificamente a resolução nº 6 de 2010, são definidas as diretrizes operacionais para matrículas no Ensino Fundamental e na Educação Infantil, onde aponta que toda criança para ingressar na pré-escola deve ter quatro anos completos até 31 de março no ano que ela irá cursar a primeira etapa da pré-escola e todas as crianças que vão ingressar no 1º ano do Ensino Fundamental deverão ter seis anos completos até 31 de março. “Na esfera nacional, com base nesta normativa, foi instituído o corte etário que se estendeu para todos os Estados”, destaca. “Entretanto, no Paraná, o Conselho Estadual de Educação, por normatizar as redes estadual, municipal e privada nos municípios que não possuem sistema próprio de ensino, passa a orientar a questão do corte etário para a pré-escola e para o 1º ano do Ensino Fundamental”, explica.

Ao mesmo tempo, pontua Iria, ocorreram algumas situações peculiares de liminares judiciais e no Paraná tramitou uma ação civil pública (402/2007), onde houve o entendimento de que a criança teria direito de estar matriculada no 1º ano do Ensino Fundamental completando seis anos ao longo do ano em curso, ou seja, até 31 de dezembro. “Tivemos várias comarcas do Estado com Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) que adquiriram via Justiça o direito das crianças terem esse direito”, destaca Iria.

Por força de liminar, em 2009, a lei estadual 16.049 instituiu que teriam direito à matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental todas as crianças que completassem seis anos até 31 de dezembro do ano em curso. “Entretanto, em 2015, tivemos uma nova lei estadual que revogou a lei 16.049”, aponta.

A lei 18.492/2015 aprovou o Plano Estadual de Educação e revogou a lei 16.049, normatizando o corte etário no Paraná para 31 de março. Ou seja, só poderiam ingressar, a partir de 2016, as crianças que completassem seis anos até 31 de março do ano em curso. “Esta lei é sustentada pelos pareceres do Conselho Nacional de Educação, que também instituíram no país o corte etário desde 2010”, salienta a professora.

Mesmo com a lei estadual em vigência, ainda existiam no Estado liminares tramitando na Justiça e comarcas com o TAC, que continuaram seguindo sem o corte etário. Porém, os demais municípios começaram a organizar as matrículas de acordo com o Plano Estadual de Educação, que prevê o corte etário. “Por isso hoje temos municípios que estão totalmente organizados dentro do corte etário e outros que ainda estão no período transitório, ajustando as matrículas para chegar ao cumprimento da lei”, menciona.

Para estes municípios, o Conselho Estadual de Educação, com a aprovação do Plano Estadual de Educação, emitiu um parecer orientando que as instituições organizassem as matrículas instituindo o corte etário e concedeu um período transitório (2016 e 2017) para que as crianças entrassem para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental com o corte etário.

Entretanto, em setembro deste ano, um novo parecer do Conselho Estadual de Educação reportou uma orientação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) acerca da ação civil pública 402/2007, que foi julgada e teve seu cumprimento de decisão final, posicionando-se pelo não corte etário. “Ou seja, quando todos os municípios do Paraná estavam se organizando a partir da orientação do Conselho Estadual de que teriam o ano de 2016 e 2017 para implementar efetivamente o corte etário, em setembro deste ano veio um novo parecer que trouxe no seu teor a orientação de que os municípios com corte etário instituído podem continuar com as matrículas com corte etário, no entanto, se os pais entenderem e reivindicarem a matrícula para o filho no 1º ano do Ensino Fundamental com idade a completar após 31 de março, a instituição de ensino deve aceitar a matrícula sem necessidade de pedido judicial ou laudo psicopedagógico”, esclarece Iria.

Pais devem ter cautela

Apesar de o corte etário não ser obrigatório, conforme o parecer do Conselho Estadual baseado na decisão do TJ-PR, a colaboradora do Núcleo Regional de Toledo alerta que não deve ser pulada a sequência de curso. “Por exemplo, a criança que estava em 2017 no pré 1 (infantil 4), por ela completar seis anos depois de março de 2018, ser matriculada no 1º ano do Ensino Fundamental. É preciso ter cautela, pois essa criança não frequentou a última etapa da Educação Infantil, que é o pré 2 (infantil 5)”, diz.

Pedagogicamente, explica, a criança terá uma lacuna na construção do conhecimento e no amadurecimento psicológico, por isso é essencial que a família tenha cuidado na ânsia de querer adiantar o filho. “Se a criança completa seis anos em novembro ou dezembro do ano que vem, e eu já quero colocar ele no 1º ano, a lei permite que o faça, mas é preciso alertar para o desenvolvimento cognitivo da criança. A antecipação neste momento em que ela está sendo estimulada pode ocorrer satisfatoriamente agora, mas não significa que na pré-adolescência ela não tenha algum atropelo”, pontua Iria.

Na prática, para o ano letivo de 2018, podem ser matriculadas nos Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) com atendimento para creche crianças de zero a três anos. Nos Cmeis que também atendem a pré-escola, também podem ser matriculadas crianças com quatro e cinco anos. 

No infantil 4 (antigo pré 1) podem ser matriculadas as crianças que completam quatro anos de idade até o dia 31 de março de 2018.

No infantil 5 (antigo pré 2) podem ser matriculadas as crianças que completam cinco anos de idade até o dia 31 de março de 2018.

No 1º ano do Ensino Fundamental (séries iniciais) podem ser matriculadas as crianças que completam seis anos até o dia 31 de março de 2018.

A orientação do NRE de Toledo aos municípios e também às famílias é para que façam as matrículas conforme a legislação vigente, ou seja, a criança que frequentou o pré 2 em 2017 entrará no 1º ano do Ensino Fundamental em 2018. “Os pais que eventualmente desejarem que seu filho, mesmo completando seis anos após 31 de março, entre no 1º ano do Fundamental, têm esse direito adquirido, mas é preciso ter essa leitura, esse cuidado para que o filho depois não tenha alguma dificuldade no acompanhamento cognitivo pela imaturidade psicológica”, reforça. “Eu sou professora, não me compete essa avaliação psicológica, mas me compete o diálogo com a família, que é quem toma essa decisão de optar para o seu filho a partir das normativas vigentes”, complementa Iria.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (01).

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