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Geral Fake News

Mentira e ódio na velocidade de um clique

Informações infundadas, mas fabricadas de forma a parecerem suficientemente verdadeiras para serem difundidas por milhares de pessoas nas redes sociais, podem fazer de você a próxima vítima

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Casada com um traficante de drogas, mãe aos 16 anos e financiada pela organização criminosa Comando Vermelho. Essas são algumas das notícias que se espalharam pela rede mundial de computadores logo após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), morta a tiros dentro de um carro na noite do último dia 14. A principal linha de investigação da Delegacia de Homicídios é de execução.

Tão rápido quanto o impacto sobre a morte da legisladora, que militava por causas relacionadas aos direitos humanos, feminismo e as favelas, nas redes sociais discursos carregados de preconceito, ódio e mentiras também se espalhavam na velocidade de um clique. Mais uma vez, as fake news se sobressaíram à verdade em um caso de repercussão nacional.

Ao passo em que os boatos infundados são propagados de forma incontrolável, as formas para conter ou combater sua propagação mostram-se quase inexistentes. Quando os comentários ganham cliques de autoridades, as mensagens tornam-se ainda mais verossímeis.

No caso de Marielle, a mensagem compartilhada pelo deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) deu ainda mais vez e voz às inverdades. “Conheçam o novo mito da esquerda, Marielle Franco. Engravidou aos 16 anos, ex-esposa do Marcinho VP, usuária de maconha, defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho, exonerou recentemente seis funcionários, mas quem a matou foi a PM”.

Reproduzida por incontáveis internautas, a mensagem foi mais tarde deletada pelo político, que admitiu que errou, pois não checou a veracidade da informação antes de compartilhar.

A desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), também publicou um comentário dizendo que Marielle “estava engajada com bandidos (…) foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer outra pessoa ‘longe da favela’, sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre os quais ela transacionava. (…) Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum como qualquer outro”.

Mais tarde, a desembargadora disse não estar arrependida dos comentários que fez nas redes sociais alegando que Marielle tinha ligação com tráfico de drogas, porém, afirmou que “repassou de forma precipitada notícias que circulavam nas redes sociais”.

Uma foto de uma mulher no colo de um homem também tem sido espalhada na web e internautas dizem ser essa a prova de que Marielle esteve junto com o traficante de drogas Marcinho VP, entretanto, sem as tarjas, é possível perceber que a mulher não é Marielle e o homem não se parece com nenhum dos dois traficantes apelidados de Marcinho VP. Ao contrário de todas as informações disseminadas nas redes, a vereadora tinha 38 anos e engravidou aos 19 da única filha, Luyara. Ela não foi casada com Marcinho VP – com nenhum dos traficantes que usavam esse nome, um deles morto em 2003 e outro preso desde 1997. Na eleição de 2016, ela recebeu votos em todas as seções eleitorais do Rio de Janeiro, descartando a possibilidade de sua campanha ser financiada pelo Comando Vermelho. Marielle mantinha um relacionamento com a arquiteta Mônica Benício.

 

VOCÊ PODE SER A VÍTIMA

Se engana, no entanto, quem pensa que as fake news espalham-se apenas em casos de repercussão nacional. Em Marechal Cândido Rondon, município de apenas 51,7 mil habitantes, as informações infundadas, mas fabricadas de forma a parecerem suficientemente verdadeiras para serem difundidas por milhares de pessoas nas redes sociais – especialmente Facebook e WhatsApp – já degradaram a integridade, tiraram o sono e colocaram em risco a segurança de cidadãos comuns. Na segunda-feira (19), um empresário* do município passou a receber mensagens de amigos questionando-o sobre uma imagem que circulava em um grupo de anúncios do Faceboook, no qual ele aparecia como procurado pela polícia.

A montagem mostra uma foto do rondonense com a palavra “procurado”, seu nome completo e um texto pedindo para que as pessoas compartilhem a imagem para ajudar a “Polícia do Paraná a encontrar o foragido da Justiça”. Na imagem também consta o número de um processo judicial e o nome da empresa da qual o rondonense é proprietário. “Eu tinha a informação de que isso estava sendo montado e sei, seguramente, quem foi a pessoa responsável por criar e propagar essa informação, porém ainda não temos todas as provas concretas para acioná-la judicialmente”, expõe.

De acordo com ele, o responsável por criar a informação falsa não fez apenas uma campanha difamatória contra a sua imagem, como também cometeu outro crime, o de utilizar a identidade e foto de outra pessoa, por meio de um perfil falso no Facebook, para fazer a publicação. “Quando recebi no dia 13 de março uma ‘pré-montagem’ disso jamais imaginei que seria publicado desta forma, pensei que seria alguma brincadeira entre amigos. Mas posteriormente essa montagem foi publicada nas redes e se alastrou de forma a prejudicar não só a minha imagem, mas principalmente da minha empresa”, enfatiza.

O empresário conta que na mesma noite em que a publicação começou a circular nas redes, seus advogados realizaram a consulta no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde não há a existência de mandados de prisão contra o empresário. “Meus procuradores também elaboraram uma nota pública acerca do fato para que a informação fosse desmentida. Isso será objeto de investigação cível e criminal e os responsáveis serão processados, faremos o registro na Polícia Científica a fim de que essa pessoa seja punida e pratique esse crime contra mim novamente e também contra qualquer outra pessoa”, informa.

O rondonense pondera, no entanto, que mesmo que os responsáveis por criar e compartilhar as fake news sejam penalizados monetariamente, dificilmente será possível reverter o impacto negativo criado perante sua imagem. “Sempre digo que o papel rasgado e jogado ao vento nunca mais se junta os pedaços. Isso que aconteceu é irreversível. Apesar de eu estar tentando amenizar a situação, colocando a verdadeira história ao público desde a data que a notícia falsa foi divulgada, ainda há pessoas que acreditam somente na mentira. Pessoas que me encontram na rua, em estabelecimentos públicos, vizinhos, dentro da minha própria empresa questionam se estou mesmo sendo procurado ou até preso”, diz. “Acredito que as pessoas precisam saber analisar melhor aquilo que compartilham nas redes sociais. Em uma situação como essa, a polícia jamais colocaria o nome de uma empresa buscando uma pessoa que está foragida. Somente o nome da pessoa e um disk denúncia. Estava nítido que isso era uma montagem feita para atingir a mim e principalmente a minha empresa”, complementa ele.

 

Articulista do jornal Brasil de Fato e secretário de Comunicação do Centro Regional de Direitos Humanos, Luciano Palagano: “Quem inicia a propagação de uma fake news começa de ma-fé, mas quem vai no impulso e compartilha, colabora na divulgação, muitas vezes está se tornando cúmplice de um crime sem perceber e será penalizado tanto quanto quem criou aquela informação falsa” (Foto: Mirely Weirich)

 

Rastilho de pólvora

Articulista do jornal Brasil de Fato e secretário de Comunicação do Centro Regional de Direitos Humanos (CDH), no fim do ano passado, o rondonense Luciano Egidio Palagano precisou ficar fora do município por duas semanas por orientação do Ministério Público Estadual (MPE), após ser alvo de ameaças de linchamento, violência física e até mesmo morte em grupos de WhatsApp.

Ele conta que as incitações de ódio apareceram após a divulgação de uma fake news, na qual uma foto sua, acompanhada por áudios, informava que ele era responsável por organizar ocupações de terra por índios Guarani na região de Guaíra. “Essa foto foi tirada quando eu fazia a cobertura de um ato que ocorreu em Guaíra no ano passado para o jornal Brasil de Fato. Eu vi a pessoa tirando a minha foto, me surpreendi, mas não dei importância. Já tinha concluído a cobertura e estava enviando um áudio para uma das editoras em Curitiba e retornei para Marechal Rondon”, relembra.

No dia seguinte, Palagano conta que passou a receber inúmeras mensagens de conhecidos questionando o que estava acontecendo. “Por volta da meia-noite do dia anterior, começaram a propagar a minha foto com aqueles áudios, como se eu fosse o organizador das ocupações Guaranis e inclusive haveria uma nova ocupação entre Marechal Rondon e Guaíra nos próximos dias e que eu também estava organizando tudo isso. Algo totalmente infundado”, reforça.

Apesar de afirmar que seu posicionamento em relação ao tema indígena ser notório, tanto que já participou de diversos debates na Câmara de Vereadores, por participar do CDH, ele explica que o órgão tem atuação na área de defesa dos direitos humanos, proteção de minorias, promoção da justiça social e desenvolvimento de projetos e programas que visem a construção de uma sociedade mais igualitária, por isso, as pautas que envolvem os povos indígenas na região também são acompanhadas pela entidade. “A nossa atuação é junto às populações de risco. Situações de crianças passando fome, estudantes em escolas sem estrutura. Esse tipo de articulação nós fazemos para tentar melhorar a situação dessas pessoas, voltado principalmente ao público infantil e adolescente, além da preocupação com o número excessivo de suicídios”, diz.

Ele pondera que mesmo com as ações em âmbito judicial que tomou na época, muitas pessoas ainda hoje acreditam na notícia falsa. “É um rastilho de pólvora que uma pessoa acendeu e não tem como controlar. Quem inicia a propagação de uma fake news começa de ma-fé, mas quem vai no impulso e compartilha, colabora na divulgação, muitas vezes está se tornando cúmplice de um crime sem perceber e será penalizado tanto quanto quem criou aquela informação falsa”, destaca.

 

AMEAÇA À VIDA

A divulgação da informação falsa sobre o envolvimento de Palagano com as ocupações indígenas motivou um fato posterior que acabou colocando sua vida em risco. Segundo ele, em dois grupos de WhatsApp do município foram propagadas mensagens de ódio, ameaças físicas e até mesmo de morte. “Pessoas tiraram fotos de armas e, postando uma foto minha, colocavam-me como alvo”, diz.

Ele conta que tomou conhecimento dessas informações por meio de conhecidos que participavam desses grupos e ainda quando montava a denúncia acerca da fake news recebeu imagens contendo as informações. “Mapeamos alguns números de telefones e chegamos a alguns nomes, inclusive de figuras públicas, pessoas que deveriam colaborar para a construção da paz social, mas que estavam incentivando justamente o contrário”, critica.

Além de registrar um boletim de ocorrência na Polícia Civil de Marechal Rondon, Palagano comenta que entrou em contato com a pasta de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, bem como com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná, que o orientou a sair do município por um período. “Fiz a denúncia também no MPE porque atuo no Centro Regional de Direitos Humanos, mas qualquer pessoa está sujeita a uma situação dessas por ter um desafeto ou um desentendimento e precisa denunciar. No meio digital essas informações falsas se alastram de tal forma porque a maioria das pessoas costumam compartilhar qualquer informação sem confirmar a veracidade dos fatos”, observa.

Na visão do rondonense, há uma grande falta de ceticismo por parte de quem utiliza as redes sociais e muitas pessoas acreditam que estarão impunes por estarem atrás da tela do computador ou do celular. “Um grupo de WhatsApp não é uma conversa pessoal, é como pegar um microfone e fazer um discurso. Disseminar uma informação falsa nas redes sociais é o mesmo que subir no alto de uma torre e soltar todas as penas de um travesseiro: você nunca conseguirá recuperar todas elas”, compara.

Apesar de o caso ter sido judicializado e estar na fase de inquérito, Palagano lembra que mesmo que os envolvidos sejam penalizados, paguem multas, cumpram serviço comunitário ou façam uma retratação, a fake news estará sempre relacionada à sua imagem. “Sempre terá alguém que não conhecerá a história verdadeira”, lamenta.

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