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Pelo bem dos filhos, limites e regras, sim!

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Educar uma criança vai além de dar comida, roupa, escola e brinquedos. É uma tarefa muito difícil e complexa. Exige criatividade, autoridade, persistência, determinação, paciência… Além disso, necessita de foco e planejamento, pois os pais são responsáveis pela transmissão de valores e pela preparação dos pequenos para a vida adulta.

Não há um manual ou uma receita para a “educação perfeita”. Todavia, existem estratégias que ajudam, e muito, nessa árdua missão. Uma delas é impor limites.

Na casa de Luciete Backes há uma rotina estabelecida e regras a serem cumpridas, e ainda assim o desafio é diário. Mãe de Vitor Hugo, oito anos, e João Davi, cinco, ela conta que eles têm horário para dormir, para tomar banho, para fazer a tarefa, para ver TV… “É preciso impor limites, pois desta forma vão aprendendo e assumindo responsabilidades. Se eu deixasse eles fazer tudo o que querem, seria um caos”, declara.

NÃO É NÃO!

A tática de Luciete está correta. Impor limites e regras e estabelecer uma rotina fazem toda a diferença na educação de uma criança. “Criança precisa de limites e regras, e limites e regras são rotina. É necessário ensinar para o seu filho o que pode, quando pode e até onde pode. Ele deve entender que quem dá as regras são os pais e que não vai adiantar recorrer ao vovô, à vovó, aos tios ou às visitas que quer impressionar”, comenta a psicóloga Fátima Tonezer.

Por sinal, crianças adoram testar as regras. “A primeira vez que seu filho testar a regra e você mantê-la, ele vai fazer bico, chorar, correr para a primeira pessoa que estiver por perto para tentar mudar a sua opinião. Nesta hora vale cara feia e um sonoro não inclusive para o adulto que tentar ajudar seu filho a quebrar a regra, pois você precisará mantê-la. Passado o primeiro teste, seu filho vai testar mais duas, três vezes a mesma situação, e se você manter a regra, ele vai incorporar tal situação. Aí ele vai testar outras coisas, mas aquela ele já terá compreendido. Essa firmeza de postura é importante porque vai ajudá-lo a entender como funciona o mundo ao seu redor. Esse limite dado aos filhos é importante para situá-los”, ressalta a psicóloga.

Mas limites e as regras não valem somente para um brinquedo que a criança quer e não é adequado para determinado momento ou para a idade dela. Vão muito além: dizem respeito à hora de acordar, brincar, fazer as refeições, dormir…

A criança precisa saber que quando o pai diz “A” é “A” e ponto final, não tem negociação. “Se é hora do jantar, a criança tem que comer. Os pais não podem fazer promessas do tipo ‘se você comer depois poderá assistir todos os desenhos que quiser’. Isso é errado porque a criança não tem que comer para ver desenho. Ela tem que comer porque é hora do almoço ou do jantar e depois, se sentir fome, não terá mais o que comer”, exemplifica Fátima.

Na opinião de Luciete, impor limites aos filhos é uma tarefa bastante difícil, mas os pais não podem ceder às pressões. “As regras precisam ser mantidas”, pontua.

A psicóloga afirma que para a criança criar um conceito precisa da repetição, ou seja, de rotina. “Infelizmente não estamos dando rotina aos nossos filhos, e é isso que dá segurança a eles. Se a criança não tem uma rotina, ela vai ficar agitada e não vai conseguir estabelecer um padrão. Se todo dia tiver uma novidade, se ela não tiver um horário para tomar banho, comer, dormir, ficará perdida”, menciona, informando que já foram publicados vários estudos que apontam que o déficit de atenção e a hiperatividade têm raiz na falta de limites, regras e rotina.

PLANEJAMENTO É FUNDAMENTAL

Fátima diz que a sociedade cobra muito sobre a chegada dos filhos, como se as pessoas fossem obrigadas a tê-los. “Aqueles que resolvem ser pais, contudo, não podem se esquecer em nenhum momento que a responsabilidade pelo filho é deles, e de mais ninguém, pois a criança não pede para nascer”, frisa.

Conforme ela, uma coisa que chama a atenção é que quando o casal resolve ter filho e a gravidez acontece a primeira preocupação que surge é com o quarto, os móveis, o enxoval, o nome, os padrinhos e por aí vai. “Tem gente que planeja até a data que vai engravidar, a data do nascimento, entre outras coisas. Tá errado? Não! Mas esse não é o mérito da questão. Na verdade o que os futuros pais deveriam fazer e não fazem, ao menos a maioria, é sentar e decidir como será a educação do seu filho. Quais serão as regras da casa, o que a criança vai poder e não vai poder, quem será responsável pelo que, quais os valores que serão repassados para essa criança e assim por diante”, enfatiza.

Neste sentido, o planejamento do estilo de vida também é importante, uma vez que vai refletir diretamente na rotina do filho. “Apesar de o mundo ter evoluído barbaramente, via de regra, 70% a 80% da responsabilidade do filho ainda é da mãe. Isso não mudou. Hoje a mãe sai para trabalhar fora, mas também precisa dar conta da casa e da educação do filho, e isso sobrecarrega. Por isso, antes de pensar em ter um filho, tudo precisa ser analisado. Quando não há um planejamento, o filho nasce e vai crescendo no meio da correria dos pais, sem regras, sem limites, sem noção de valores e se apega ao que dita a sociedade, que infelizmente valoriza mais o ter do que o ser”, enaltece.

CONTATO PRECOCE COM APARELHOS TECNOLÓGICOS

Outra questão que chama a atenção nos dias atuais é o contato precoce das crianças com os aparatos tecnológicos. Chegamos ao tempo em que computadores, tablets e celulares são as “babás” da vez.

“Hoje em dia mal o bebê consegue segurar um celular e já está com o aparelho nas mãos. Começa com os pais entregando para que ele pare de chorar ou para que possam almoçar com tranquilidade, por exemplo, e acaba se estendendo para muitas outras situações. E quando a criança cresce, vai continuar sendo assim, pois para os pais é muito mais cômodo deixar os filhos na frente do computador ou entretidos em um celular porque aí sabem onde eles estão. Teoricamente, sabem o que estão fazendo, então é mais seguro, mais tranquilo e mais prático”, expõe a psicóloga.

Quando se diz que as crianças de hoje são mais tecnológicas que as do passado, é preciso entender, aponta a profissional, que, na verdade, elas são apenas curiosas, sedentas por conhecimento, assim como sempre foram, inclusive em outras gerações. “As crianças não nascem tecnológicas. Elas são expostas a um aparato de tecnologias desde bebês, sendo que os pais usam essas tecnologias que têm à disposição ao seu favor, muitas vezes de forma precoce e sem o controle adequado. Entretanto, a criança não tem noção das coisas, quem deve ter são os pais”, observa.

A diferença em relação a outras gerações, comenta Fátima, é que, mesmo que em tempos passados não existiam tablets, celulares, computadores e internet, os pais não deixavam os filhos tão expostos à tecnologia da época, no caso a televisão, como acontece hoje em dia. “As crianças iam para a escola, faziam as tarefas, dependendo da idade ajudavam em algum afazer da casa e depois iam para o quintal e brincavam até a hora da mãe chamar para tomar banho. Tudo bem que em outros tempos não havia muita opção em termos de programas infantis na televisão. Eram poucos e pontuais. Ainda assim, havia um controle. Também havia mais estímulo para brincadeiras ao ar livre e contato com outras crianças”, compara.

ANTES O RESPEITO, HOJE O AMOR

Outro aspecto lembrado pela psicóloga é que as crianças educadas no passado aprendiam com os pais que precisavam respeitar os mais velhos. Só ganhavam presentes no dia do aniversário e no Natal. Na Páscoa recebiam ovos, que nem sempre eram de chocolate, mas de açúcar ou amendoim. O que era ponto comum entre todas as famílias era o respeito exigido pelos pais. Hoje em dia é completamente diferente. “Em outras gerações vinha o respeito em primeiro lugar entre pais e filhos, hoje vem o amor. A questão é que muitas vezes não se tem nem o amor e nem o respeito. Antes havia mais responsabilidade quando se tinha um filho, hoje as pessoas estão mais perdidas neste sentido. O que mais ouvimos atualmente são os pais dizendo que vão dar aos filhos o que não tiveram. Mas o que eles não tiveram? Celular de última geração, notebook, viagens para Disney, roupas de marca, carro… É preciso cuidar com isso. Muitas vezes os pais estão comprando para eles e não para o filho. Na verdade eles deveriam avaliar o fato de dar o que não tiveram sob outro ponto de vista, como, não tive diálogo na minha casa, então vou dar isso para o meu filho. Não tive beijo e abraço, então vou dar isso. Isso sim é algo que vai somar, fazer a diferença. Então está na hora de as pessoas reavaliarem algumas coisas. Nossa sociedade está cada vez mais em busca de felicidade, a qual confunde com prazer. As pessoas estão trabalhando desenfreadamente para sustentar um estilo de vida voltado ao consumo”, constata Fátima.

A falta de atenção ou de tempo com o filho não pode ser suprida com bens materiais, alerta. “Muitos pais trabalham demais pensando em dar o que o filho precisa, mas o que uma criança precisa de verdade? Por que o seu filho não aprendeu a brincar na rua? Por que ele não sai da frente da TV, do computador, videogame ou do celular? Por que ele não gosta de ler? Simplesmente porque estes pais não se dispuseram a passar as tardes de sábado ou de domingo, que são os únicos dias que têm para descansar, na praça ou no parque com seus filhos ou não tiraram um tempo para incentivá-los à leitura. Isso dá trabalho, exige paciência e disposição”, declara a profissional.

O resultado disso tudo, acrescenta, é uma geração de solitários com dificuldades de lidar com o outro e com a frustração. “Quando deixo um bebê de um ano brincar com o celular ou quando dou um celular de presente para uma criança de cinco anos, estou estimulando isso, contribuindo com essa geração de solitários. Eles vão crescer igual a um queijo suíço, cheio de buraquinhos, porque falta beijo, falta abraço, falta regra, limite, rotina”, destaca.

O mundo será cada vez mais tecnológico, considera a psicóloga, e esta tecnologia toda não é ruim, pelo contrário, entende, é bem-vinda e faz toda a diferença nos dias atuais, contudo, o grande segredo está em ter o controle dela. “Todos podem escolher a qualidade de vida que querem e o que almejam passar de valores para seus filhos. Tirar tempo para a família é fundamental porque é isso que faz a diferença. O ter não pode ser mais importante do que o ser. Em algum momento entramos no bonde do consumo e nos perdemos. Mas sempre é tempo de refletir”, finaliza.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (03).

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