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Geral Ensino Superior no Paraguai

Rondonenses cruzam a fronteira pelo sonho de cursar Medicina

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Cristina e Paulo Cordova (à direita) com outros dois estudantes rondonenses que cursam Medicina em Salto del Guairá, em uma turma de 95 alunos que tem apenas quatro paraguaios (Fotos: Arquivo pessoal)

 

Oportunidade. É assim que a maior parte dos brasileiros que partem para o Paraguai para graduar-se em Medicina descrevem a experiência.

Apesar de não existir levantamentos oficiais sobre quantos são os brasileiros estudando do outro lado da fronteira, quem vai e volta de segunda a sexta-feira pode dar um palpite quase certeiro: “Cerca de 95% dos alunos de toda a universidade são brasileiros”, diz o casal Cristina e Paulo Cordova, de Marechal Cândido Rondon.

Concluindo o primeiro ano de Medicina, os rondonenses contam que ir para as salas de aulas e laboratórios é, para eles, um desafio e, principalmente, uma grande oportunidade. “Vemos alunos de 17 anos, que acabaram de sair do Ensino Médio, até a faixa dos 60 anos, aposentados, que já se consolidaram em suas profissões, mas sempre tiveram o sonho de ser médico e conseguem por conta das facilidades que as universidades paraguaias oferecem em comparação às brasileiras”, diz Paulo.

Na instituição em que o casal estuda, a Universidad Sudamerica, próxima a um dos shoppings mais conhecidos de Salto del Guairá, são abertas cerca de 200 vagas ao ano para o curso de Medicina – o único da instituição. “Quem se matricular tem a vaga garantida”, expõe Cristina.

Ela menciona que o casal, antes de iniciar o curso, buscou informações acerca de grade curricular, carga horária, da instituição e sobre os professores. “Nessas pesquisas já descobrimos que a carga horária é mil horas superior aos cursos brasileiros e a grade curricular é extremamente similar à do Brasil”, comenta.

Ela, que trabalhava no setor público, abriu mão da carreira para se dedicar aos estudos e à futura profissão. “Encarei essa oportunidade como um desafio de fazer algo diferente na minha vida”, ressalta.

Paulo, que atua como bombeiro militar, conta que também decidiu cursar Medicina para ter um novo desafio em sua vida. “Em três anos eu me aposento como bombeiro e já tenho uma vida bastante estável, então penso em fazer algo diferente atuando na Medicina, não pensando no ganho financeiro, mas, sim, em uma experiência nova, porque vou poder, nesses cinco anos de curso que temos pela frente, descobrir a área que tenho mais afinidade para atuar, construir ainda esse projeto”, ressalta.

Ambos pontuam que a idade é um fator que também impede essa busca por novos desafios no Brasil. “Pensando em uma faculdade particular de Medicina, a primeira questão seria a financeira, e para ingressar em uma pública, sabemos que a concorrência é significativa em todo o Brasil e eu com 46 anos e a Cristina com 43, não é mais simples para concorrer com alguém recém-formado no Ensino Médio ou até mesmo fazer cursinho, pessoas que também têm dificuldade para ingressar na universidade pública devido à concorrência”, enaltece Paulo.

 

Oito vezes menos

Mais do que a facilidade em ingressar na instituição de ensino em um dos cursos mais concorridos nos vestibulares brasileiros, seja em instituições públicas ou privadas, outro fator que tem levado muitos brasileiros ao Paraguai para se tornarem médicos é a questão financeira.

No Brasil, em média, nas instituições particulares que ofertam o curso de Medicina o valor da mensalidade varia entre R$ 7 e R$ 8 mil. “Para quem inicia no primeiro ano, a mensalidade na nossa universidade está em 1.620.000 guaranis, que são aproximadamente R$ 1.060”, expressa Paulo. “Além disso, há um esquema de descontos para quem faz o curso em família, como é o nosso caso, e também para aqueles que pagam a mensalidade toda no início do ano”, completa.

Em 2019, a expectativa é de que o filho do casal também inicie o curso na universidade paraguaia.

Paulo pontua que na instituição também não são exigidos livros, tendo em vista que a própria universidade oferta toda a bibliografia e material de apoio em livros digitais, o que, na visão de Paulo, é outro fato de economicidade. “E para nós, que moramos em Marechal Rondon, Salto del Guairá está muito perto. De carro, é cerca de uma hora para chegar até a universidade. É a mesma dinâmica de alguém quem vai para Cascavel todos os dias fazer faculdade”, compara.

 

Conservadorismo

A facilidade no ingresso, no entanto, não é sinônimo de “moleza” nos estudos. Cristina diz que na turma do casal iniciaram pelo menos 125 alunos e hoje são cerca de 95. “Desses apenas quatro são paraguaios”, revela.

Além das provas bimestrais, os alunos realizam, ao fim do ano, as provas finais, nas quais são cobrados os conteúdos apresentados durante todo o ano. “Você precisa, além de manter a média durante todo o ano, nessa prova final marcar 60% de acertos para concluir o ano. É um ritmo de estudos bastante intenso”, frisa.

O casal considera a universidade bastante conservadora quando comparada às faculdades brasileiras. “Só podemos usar uniforme, que é um scrubs azul, não é permitido usar shorts, blusa decotada, não tem bar em frente ou nas proximidades da faculdade e os professores são bastante rígidos e exigentes quanto a horários e não admitem algumas posturas em sala de aula. Alunos que dormem em sala, por exemplo, que no Brasil por vezes são apenas ignorados pelo professor, afinal, são eles que estão perdendo, lá eles são colocados para fora de sala”, explica Cristina.

 

Na prática

O dia a dia das aulas, teóricas em sala de aula e práticas em laboratório, são similares ao das universidades e faculdades nacionais. “Todos os professores são doutores, a maioria deles vindos de Assunção para ministrar as aulas, que são em espanhol mesmo com a maior parte dos alunos sendo brasileiros”, salienta Cristina.

A língua, de acordo com eles, não foi uma barreira para o aprendizado, apesar de ambos não dominarem o espanhol no início da graduação. “A comunicação com os professores é facilitada porque, com muitos alunos brasileiros, eles entendem bem o português e para nós aprender o espanhol foi uma necessidade até por conta da bibliografia, mas não foi nenhuma grande dificuldade”, comenta Paulo.

Os rondonenses consideram a infraestrutura outra importante diferença entre a universidade paraguaia e a brasileira. “Não são grandes construções, prédios babilônicos como temos nas faculdades aqui. Mas, apesar de ser mais simples, a qualidade é muito boa, até porque para aquela região e acredito que para o Paraguai como um todo explorar cursos de Medicina é uma novidade”, considera.

Quando fala-se em curso superior naquela região, aponta o casal, fala-se em Medicina. A Universidad Sudamericana, por exemplo, tem em Salto del Guairá seu segundo polo. O primeiro fica em Pedro Juan Caballero, cidade que faz fronteira com Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. “Em Salto já está sendo construída uma segunda universidade que terá o curso de Medicina e parece que também odontologia”, expõe Cristina, ressaltando que outros cursos ofertados por universidades são voltados para a área da saúde, como Enfermagem e Nutrição. “Percebe-se que eles estão buscando se aperfeiçoar na área da saúde. Neste sentido a tendência é melhorar ainda mais a qualidade dos cursos e isso é uma grande oportunidade para as pessoas da nossa região”, evidencia Paulo.

Além de estudantes de Marechal Rondon, o casal conta que há moradores de Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, Mercedes, entre outras cidades da região Oeste, que estudam na instituição. “Mas há pessoas de diversos Estados brasileiros, como Rondônia, Roraima, Amapá, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso, que acabam morando lá ou em cidades brasileiras que fazem fronteira”, conta Cristina.

Normalmente, explica ela, quem vai e volta todos os dias para as aulas são enfermeiros e outros profissionais, como Paulo, que trabalham em regime de plantão. “O período de aula é integral, mas pode variar bastante por conta da possibilidade dos professores que vêm da Capital do país, então há dias em que ficamos lá até as 21 horas, mas há dias em que temos aulas só pela manhã ou só a tarde, por exemplo”, menciona.

 

Carência

Com um número significativo de brasileiros que buscam os cursos de Medicina em universidades que o oferecem não apenas em Salto del Guairá e Pedro Juan Caballero, mas também em Ciudad del Leste e até mesmo em Assunção, Cristina e Paulo acreditam que a intenção do país é se especializar na formação de profissionais médicos, tendo em vista que esta é uma área bastante precária no Paraguai. “É um sistema de atendimento diferente do Brasil, que tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e vemos que ainda faltam profissionais no país. Neste sentido, acreditamos que eles querem ter excelência na formação de profissionais na área da saúde para preencher essa lacuna que é uma grande necessidade para o país”, entende Paulo.

Por outro lado, ele pontua que pelo grande número de brasileiros cursando Medicina na fronteira, há possibilidade de que muitos desses profissionais não fiquem no país. “Especialmente pela questão da valorização e do retorno financeiro. Talvez o valor do curso seja menor justamente porque o ganho e valorização do profissional não é tão bom quando no Brasil”, mensura.

Na região de Salto del Guairá, ressalta o casal, também há carência em infraestrutura, tanto para realização de eventos promovidos pela instituição quanto para estudantes que decidem fixar residência no país vizinho. “Lá se paga muito caro para morar e se vive mal. Por qualquer quarto pequeno se paga R$ 1 mil de aluguel e com péssima qualidade, assim como são pouquíssimas as opções de residência”, informa Paulo.

Cristina opina que com a vinda de estudantes para a cidade paraguaia, outro setor começou a ser aquecido, o da construção civil. “Vemos muitas quitinetes sendo construídas próximas à universidade justamente para atender essa demanda de pessoas que têm ido morar lá. O setor educacional, com os cursos de Medicina, acabou fomentando o crescimento também da construção civil”, reitera.

 

Preconceito

Apesar da similaridade com a graduação brasileira, desde os seis anos de curso, a carga horária e a grade curricular, que, de acordo com Paulo e Cristina, é 60% igual à brasileira, ainda existe um preconceito com quem estuda Medicina no Paraguai. “Muito por parte das pessoas que não sabem que tudo é muito parecido com os cursos brasileiros e que os profissionais terão a mesma capacidade de atuar”, opina.

Ela acredita que pelo aumento do número de estudantes no país vizinho, a tendência é de que mais pessoas busquem informações sobre o assunto e deixem essas dúvidas de lado. “Nós temos em Marechal Rondon médicos formados fora do país, que fizeram o Revalida e atuam, tivemos os médicos cubanos que, por meio do Mais Médicos, atuaram por muito tempo aqui, então acredito que esse preconceito vai diminuir com o passar do tempo”, entende. “Acredito que 2019 deverá iniciar com muitos estudantes da região Oeste”, afirma Paulo.

 

Revalida

Paulo e Cristina explicam que após os seis anos de graduação os profissionais saem da universidade médicos generalistas, que atuam em Unidades Básicas de Saúde e como médicos de Saúde da Família. “Para fazer a especialização, precisamos buscar em Assunção ou no Brasil, em faculdades estaduais ou federais, após fazer o Revalida”, mencionam.

Com a criação do Mais Médicos, anos atrás, houve um incentivo para os brasileiros buscarem essas alternativas mais baratas e acessíveis no Paraguai, na Bolívia, na Venezuela, expõe.

O Revalida citado por Paulo é um sistema de avaliação aplicado para médicos brasileiros formados fora do Brasil que desejam exercer a profissão no país. “Quando formados, estamos aptos a exercer a Medicina no Paraguai e para atuar no Brasil precisamos fazer o Revalida. Não pesquisamos muito sobre isso antes de iniciar o curso, mas com o passar do tempo conversamos com outros colegas, observando também como isso tem mudado no Brasil ao longo do tempo”, comenta Paulo. “Estão sendo abertas cada vez mais portas para médicos brasileiros formados fora do país tanto pelo Revalida quanto por meio do Programa Mais Médicos, que tem oportunidade para profissionais formados em outros países”, complementa.

O rondonense ressalta, porém, que se em um primeiro momento o casal não conseguir a revalidação no Brasil, eles pensam em atuar no Paraguai ou em países parceiros, tendo em vista o leque de possibilidades de atuação de médicos em qualquer parte do mundo.

Cristina diz que se tiver oportunidade tem como objetivo se especializar em Pediatria. Já Paulo quer se especializar em Traumatologia. “Mas esse é um projeto que pode mudar ao longo da nossa graduação”, salientam. “Acreditamos que essa é uma grande oportunidade para as pessoas da nossa região. Temos colegas jovens que estavam há três, quatro anos a fio em cursinhos e não conseguiam passar na universidade pública e agora estão cursando. Outros largaram tudo em sua cidade, até no Norte do país, porque têm o sonho de ser médico, muitos já trabalham com a área da saúde, mas querem ser médicos, então nós temos essa oportunidade aqui, do nosso lado, e não podemos deixar passar”, resume Paulo.

 

Precisa de ajuda?

Quem tem interesse em conhecer mais sobre cursar Medicina no Paraguai, quais os documentos necessários, como retirar o permiso (visto) provisório e definitivo, revalidação do diploma, apoio para a inscrição, entre outras informações, pode entrar em contato pelo e-mail medicinasaltodelguaira@hotmail.com.

 

 

Com exceção do valor da mensalidade e da língua em que a aula é ministrada, o curso de Medicina no Paraguai é o mesmo do Brasil, com aulas teóricas em sala de aula e práticas feitas em laboratório

 

Em Salto del Guairá, fronteira com Guaíra, Universidad Sudamericana, que conta com 95% de alunos brasileiros, fica a uma quadra de um dos shoppings mais conhecidos da cidade

 

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