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Municípios Subcomandante do 19º BPM

“O fanatismo e a idolatria estão fazendo mal para a sociedade”, diz major Souza

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Subcomandante do 19º Batalhão da Polícia Militar, major Valmir de Souza: “Para termos uma segurança pública de qualidade o comportamento comunitário tem que ser um comportamento pensando no outro, mas o que vemos é que cada um pensa em si mesmo” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

A especialização em mestrados, doutorados e pós-doutorados tem feito a Polícia Militar (PM) evoluir para a pesquisa em segurança pública com mais consistência. Quem garante é o subcomandante do 19º Batalhão da Polícia Militar, major Valmir de Souza, que, após um ano de estudos, concluiu no mês passado pós-doutorado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), tendo como tema de pesquisa “A participação dos militares estaduais do Paraná no desastre ambiental de Brumadinho”.

Souza, que já havia concluído o doutorado em Ambiente e Desenvolvimento pela Univates, em Lajeado (RS), tem se especializado cada vez mais, desenvolvendo estudos científicos em diversos campos do conhecimento, na busca de novos horizontes no âmbito acadêmico.

Em entrevista ao O Presente, segunda-feira (27), ele, que já foi comandante da 2ª Companhia da PM de Marechal Cândido Rondon, falou sobre como concilia a carreira militar com o magistério acadêmico, permitindo que uma atividade se some a outra. Ele também abordou os desafios da área de segurança pública e o que espera da era pós-pandemia. Confira.

 

O Presente (OP): O campo de pesquisa na área de segurança pública da Polícia Militar é uma realidade mais “madura” atualmente?

Valmir de Souza (VS): Eu acredito que estamos evoluindo. Temos um corpo de oficiais se graduando ou se especializando através de mestrado ou doutorado em diversas áreas, e isso faz com que a Polícia Militar evolua para a pesquisa em segurança pública com mais consistência. Mas acredito que precisamos caminhar um pouco mais para que possamos consolidar a pesquisa efetivamente na área de segurança pública. A pesquisa na área de segurança pública é importante porque podemos entender de forma mais efetiva e concreta os anseios da comunidade. Com os trabalhos científicos nós saímos de um empirismo, daquelas experiências muitas vezes malsucedidas e sem fundamento teórico e partimos para um campo em que a certeza do sucesso está muito mais próxima. Ou seja, conseguimos contornar todo o empirismo que por vezes acontece na área de segurança pública. A aplicação de modelos de policiamento que deram certo em determinados lugares necessariamente não dão certo em outros. Aliar a experiência e o trabalho científico já se mostra uma realidade. Nós precisamos adequar nossa vivência cotidiana aos estudos que são feitos na área de segurança pública, e as pesquisas estão aí para isso, para ajudar os gestores públicos a melhorar o sistema de segurança pública e consequentemente o atendimento à comunidade.

 

OP: Como conciliar a carreira militar com o meio acadêmico? Como uma atividade soma a outra?

VS: A vivência acadêmica lecionando fora da instituição nos traz grande experiência no campo da vivência comunitária. Nós conseguimos ter uma outra visão da sociedade, e não só a visão de policial. Na docência nós permeamos a comunidade e várias informações que não conseguimos captar, colher no meio policial, conseguimos enxergar no campo acadêmico. Isso nos ajuda muito a desenvolver metodologia e planejamento para segurança pública na nossa área de atuação. Há uma somatória de conhecimentos da seara policial militar com o mundo acadêmico. Não estão desassociados porque a polícia também tem seu campo acadêmico dentro da própria instituição.

 

OP: O senhor acredita que o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro vai aceitar assumir a supersecretaria que o governador Ratinho Junior já anunciou que pretende oferecer a ele, reunindo Justiça, Trabalho e Segurança Pública?

VS: O ex-ministro Sérgio Moro angariou um grande respeito na área de segurança pública, por outro lado, angaria vários desafetos do público em geral, o que faz parte da vivência pública. Nós, como comandantes, muitas vezes temos algumas pessoas que nos admiram e outras que nos odeiam. O ex-ministro Sérgio Moro veio por esse caminho e quando era juiz também já era assim, tinha muitos admiradores, mas também muitas pessoas que não simpatizavam com ele. Nós esperamos que o governador Ratinho Junior tenha nesse momento discernimento para buscar os melhores quadros. O doutor Sérgio Moro é uma pessoa com muita sabedoria e que pode colaborar com o trabalho no Estado do Paraná. Agora nós passamos por uma turbulência política, e é normal que isso aconteça até que tudo se assente e se esclareça. Enquanto uns fazem torcida por um lado, há outros que torcem pelo outro. Espero que se o doutor Sérgio Moro aceitar esse cargo que ele possa desempenhar um excelente trabalho porque todos nós torcemos para o bem do Paraná e para o bem do Brasil.

 

OP: Se Moro assumir de fato uma secretaria estadual, isso seria positivo para o Paraná? Mudaria de alguma maneira a forma de trabalho que vem sendo desenvolvido na Justiça, Trabalho e Segurança Pública do Estado?

VS: Não posso garantir que mudaria a forma de trabalho, não sei nem que tipo de supersecretaria seria essa, mas o nosso governador é o chefe maior, e as linhas mestras do trabalho são direcionadas por ele. Nós, que somos subordinados a ele, seguimos as políticas determinadas pelo Governo do Estado. Acredito que qualquer pessoa que venha para dentro do governo tem a intenção de somar os esforços para melhorar o trabalho de todos, dos policiais que fazem parte da segurança pública, mas também melhorar a qualidade de vida dos paranaenses. Se realmente o doutor Sérgio Moro vier, acredito que será para somar esforços, alinhado ao trabalho que o governador já vem realizando, trazendo uma nova linha de pensamento, provavelmente, porque cada um que vem, tem uma linha de raciocínio um pouco diferente e pode alterar uma ou outra coisa dentro da segurança pública.

 

OP: Em períodos de crise a criminalidade costuma aumentar em todos os níveis. Diante do cenário econômico atual, gerado pela pandemia de Covid-19, que trouxe dificuldades financeiras generalizadas, podemos esperar que a criminalidade cresça num futuro breve?

VS: É difícil prever isso. Mas olha só que interessante, nesse momento inicial de crise instalada pelo novo coronavírus, tivemos a diminuição do índice de criminalidade. Eu e os professores Pery Francisco Assis Shikida e Cleverson Reolon fizemos um trabalho científico em 2004, quando houve a mudança do tráfego de veículos no trecho da BR-163 entre Marechal Cândido Rondon e Toledo. Grande parte das pessoas acreditavam que Quatro Pontes, Nova Santa Rosa e o distrito de Novo Sarandi (Toledo) acabariam porque o trânsito não passaria mais ali. E nós fizemos uma pesquisa científica, um senso, com o objetivo de saber se isso era verdade. Comprovamos que isso não era uma realidade sentida pelas pessoas que moravam no local. Foi visto que 1% ou 2% do comércio dependia da estrada e as pessoas diziam que até melhoraria porque acabaria o tráfego intenso de caminhões, e foi isso que aconteceu ao longo do tempo. Então, a nossa pesquisa científica mostrava uma realidade e algumas pessoas desdenham do conhecimento científico. Quando essa pergunta surge, ela talvez caia no senso comum. ‘Nas grandes crises a criminalidade aumenta’, ora, mas que tipo de criminalidade, de quais crimes estamos falando? Qual crime deixa de acontecer e qual acontece mais? Então, depende de uma conjuntura que muitas vezes não temos domínio, e aí os modelos matemáticos servem para ajudar, mas não podemos ser categóricos nesse sentido. O trabalho que os policiais militares têm que fazer é de análise de dados técnicos, olhar a literatura que já existe para fazerem um estudo sobre aquilo. E o que temos observado é que isso não acontece. Usa-se muito do senso comum, que se fala no dia a dia é colocado em prática sem se fazer estudos mais avançados. Nós não temos condições de dizer que daqui a pouco a criminalidade vai estourar. Como mais pessoas estão em casa, temos menos acidentes de trânsito, menos furto, porque o furtador não vai entrar em casa que tem gente, menos roubo porque tem menos pessoas nas ruas. Vamos ter talvez um aumento nos crimes virtuais, pois as pessoas estão mais tempo no computador e há mais criminosos tentando aplicar golpes. Veja que de um lado diminui e de outro aumenta, então, logo após, se as pessoas todas saírem para as ruas, toda essa criminalidade que era cotidiana voltará. Até tem uma frase interessante que é: ‘Não quero que volte tudo ao normal, como era antes, quero que tudo seja melhor’. Ou seja, sem tantos acidentes de trânsito, sem tantos roubos, sem tantos furtos, sem tantos homicídios. Que possamos entender que muitos custos do Estado não são necessários e quem é o verdadeiro herói hoje, claro, além dos profissionais de saúde que estão trabalhando de uma forma hercúlea, são os empresários e os trabalhadores, pois são eles que geram riqueza. Não é o Estado ou as pessoas que estão no Estado que geram riqueza, e sim o empresário, e o Estado tem que dar condições para isso acontecer.

 

Major Valmir de Souza: “Há vida além da idolatria, há vida além dessa ideia de que eu tenho que destruir o outro. É importante que a comunidade perceba isso de forma diferente. A união de esforços para um país melhor compete a todos, mas precisamos estar unidos” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

OP: O senhor acredita que será possível ter municípios, Estados e um país melhor no pós-Covid?

VS: Na minha concepção, temos que diminuir a carga de impostos relacionada ao consumo, principalmente nos itens básicos. A gente tem que mudar a estrutura econômica e política brasileira como um todo para que se possa tem um país melhor. Eu quero que quando essa pandemia acabar, se é que ela acabará de forma definitiva, que possamos ter um novo país, e sair disso renovados. Que diante disso, tenhamos menos criminalidade e um país muito melhor do que quando entramos nessa crise, mas para isso, nós precisamos mudar. Eu espero não ser mal interpretado, mas acredito que pagaremos um valor muito alto à determinada categoria profissional. Se eu citar essas categorias ficaria complicado, mas, por exemplo, os artistas e jogadores de futebol merecem ganhar bem? Talvez mereçam, mas e os pesquisadores que descobrirão a vacina, que provavelmente irão descobrir um antídoto para o coronavírus? Quanto esses profissionais merecem ser valorizados financeiramente, ou com condições e trabalho? Ou os professores? Muitos pais hoje estão com os filhos em casa? Entre aspas podemos colocar, com o ônus, natural claro, de ser mãe e pai, com os filhos em casa e muitas vezes sem saber como lidar com os filhos. Como será que deveriam ser valorizados os profissionais da educação?

Os gastos com a manutenção do Estado, por exemplo, com o Congresso Nacional. Ele pode hoje funcionar a distância? Talvez não seria mais barato para todos nós? Se hoje consegue fazer votações a distância, então, mostrou-se que pode ser feito. Talvez não precise ter casa para deputado, gastos com combustível, transporte aéreo e outras despesas se os nossos representantes podem fazer isso a distância.

Será que conseguiremos mudar isso lá na frente, mudar nosso comportamento? Tomara que sim. Na minha opinião, essa mudança seria positiva.

 

OP: O senhor avalia que haverá diferença de cenário do antes e pós-pandemia? Como serão as coisas daqui para a frente, no cotidiano, na segurança pública?

VS: O que eu espero é que haja uma mudança para melhor, diminuição de impostos, para que o empreendedor, aquela pessoa que gera riqueza para o país, tenha condições para que isso aconteça de forma mais tranquila. Que o Estado não seja tão pesado em cima dessas pessoas, mas que também não haja um desvirtuamento daquilo que em tese é um direito, um benefício. Que não haja sonegação de impostos, que as pessoas não queiram passar as outras para trás, que não haja desonestidade e da mesma forma que o Estado seja melhor, as pessoas também possam melhorar. Então, na minha opinião, o que a gente precisa é que o Estado seja menor e que as pessoas consigam se organizar e fazer o país avançar para uma melhor qualidade de vida e maior garantia de direitos.

 

OP: Na área de segurança pública especificamente o senhor acredita vai mudar algo pós-Covid-19? É possível traçar um cenário melhor ou pior?

VS: O que precisamos é de uma união maior de todos aqueles que atuam no planejamento da sociedade. Talvez o que nós tenhamos visto nessa crise provocada pela Covid-19 é a falta de articulação dos governantes como um todo, no âmbito brasileiro e estadual, de eles estarem mais próximos uns dos outros. Fazer uma união de esforços, esquecer as particularidades e pensar num todo. E a falta disso dificulta muito o trabalho e a própria vivência do povo brasileiro. Esperamos para a segurança pública, de modo geral, novos meios de lidar com o assunto. A Polícia Militar não deixou de atender nenhuma ocorrência, não deixou de atender 24 horas por dia, nem fechou suas portas ou encaminhou o cidadão paranaense para outro órgão atender, ela atendeu todas as suas demandas, todavia, na parte administrativa nós tivemos algumas novidades que podem ser implementadas, e isso pode trazer algumas mudanças nas diretrizes ou maneiras de trabalho que possam ser inovadoras. Mas, de forma geral, não percebi algo tão novo na área de segurança pública que possa haver uma revolução por conta da pandemia, isso não aconteceu.

 

OP: Que aprendizado e que legado essa pandemia vai deixar na área da segurança pública?

VS: Que algumas políticas de segurança pública que são adotadas em alguns países têm resultado positivo e poderiam ser implementadas no Brasil se o nosso comportamento social assim desejasse. O fechamento de bares e casas noturnas, por exemplo, à meia-noite contribuiria de uma certa maneira, mas é claro que precisaria de uma avaliação profunda, para a diminuição da criminalidade. Determinados tipos de concentrações de pessoas desordenadamente, há exemplos que temos em vários lugares de determinadas situações, inclusive em Marechal, reunião de pessoas sem o mínimo planejamento. A gente vê muitas vezes bailes e festas que são realizados sem a mínima organização sobre segurança pública, e nós sabemos que isso é importante. É claro que quando proíbe tudo, cai a criminalidade, mas se houvesse um planejamento pensado para a segurança pública a qualidade seria melhor. O problema é a nossa cultura. As pessoas tendem a desgostar da organização, tendem a desgostar do planejamento, tendem a desgostar de respeitar as normas. E se a comunidade mudasse esse comportamento isso nos ajudaria muito, porém, é uma cultura brasileira e por isso somos brasileiros. Faz parte da nossa cultura, talvez, desrespeitar algumas normas repassadas pelas autoridades, não gostar de planejar, pois muitas vezes fazemos as coisas de momento, e isso contribui para uma segurança pública ruim.

Nós precisamos, nessa pandemia, verificando o que temos de diminuição de criminalidade, apontar quais caminhos nós poderemos adotar para melhorar nessa área. Ou seja, buscar os exemplos que tivemos durante a pandemia, o que reduz criminalidade e mostrar que a partir desse momento reduziram os crimes. Mas acredito que é quase uma utopia, penso que depois da pandemia voltaremos à normalidade ruim, ou seja, criminalidade e acidentes, infelizmente. Que bom seria se pudéssemos mudar esse cenário. Não é o Estado que diz para a sociedade como ela deve viver, é a sociedade que diz para o Estado como ela quer viver. E muitas vezes a comunidade diz como ela quer que seja feito, mas ela não age daquela forma, e isso gera um conflito grande e a segurança pública acaba não sendo efetiva. Precisamos entrar nesse consenso em que a comunidade diz para o Estado ou para a polícia como ela deve ser fiscalizada, e a partir daí ela tem que cumprir com isso também. Para termos uma segurança pública de qualidade o comportamento comunitário tem que ser um comportamento pensando no outro, mas o que vemos é que cada um pensa em si mesmo. É uma questão de comportamento social, e a gente vê as pessoas dizendo: ‘somos a favor da legalidade’, mas no momento que é para cumprir o que é legal, não cumprem. Precisamos ter o cumprimento da legalidade de uma forma mais efetiva, mais solidária e comunitária. Hoje há uma grande polarização e existem movimentos de ambos os lados, quase que fanáticos, e isso me assusta muito. Percebemos fanatismo e idolatrias a personagens da história recente e vejo muitas pessoas dizendo que se você não for a favor de um dos lados, você é contra tudo. Se você não gosta disso, você é a favor da morte das pessoas, da falência das pessoas ou e a favor da corrupção. Não vejo isso assim. Discordar de uma pessoa ou um grupo político não te torna do mal, contra Deus, não. Questionamentos estão aí. A imprensa livre eu acho o básico para uma sociedade democrática. A imprensa não pode ser censurada de forma alguma, seja ela falando uma verdade ou falando uma mentira, e quando for mentira ela pode ser assinada dentro da democracia. E dizer que determinados órgãos da imprensa não prestam é fácil porque assim é possível manipular a opinião das pessoas. Não pode existir essa idolatria. Isso está fazendo mal para a sociedade. Todos nós somos brasileiros e todos nós queremos o melhor para o Brasil, mas com visões diferentes. Então é importante para a comunidade que tenhamos uma união de esforços. Eu posso não gostar de um lado ou do outro, ou posso não gostar de nenhum desses lados da polarização, posso estar numa terceira via. Há vida além da idolatria, há vida além dessa ideia de que eu tenho que destruir o outro. É importante que a comunidade perceba isso de forma diferente. A união de esforços para um país melhor compete a todos, mas precisamos estar unidos.

 

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