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Marechal Rondon é o 13º do Paraná em consumo de agrotóxicos

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Marechal Cândido Rondon ocupa a 13ª colocação entre os 399 municípios do Paraná que mais consomem herbicidas, inseticidas, fungicidas, entre outros agrotóxicos utilizados nas lavouras para controlar insetos, doenças ou plantas daninhas que causam danos às plantações.

Com base nos dados do Sistema de Controle do Comércio e Uso de Agrotóxicos no Estado do Paraná (Siagro), levantados pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) a partir da declaração das vendas destes insumos para os produtores paranaenses, em 2015 – última informação disponível – foram utilizados nos campos rondonenses 1.110,2 tonelada de produtos.

Junto ao fato de Marechal Rondon estar próximo ao “top 10” no uso de defensivos agrícolas, outra informação preocupa: a “Capital” do agrotóxico paranaense está há somente 80 quilômetros de distância do município. Cascavel, com pouco mais de dois mil quilômetros quadrados de extensão, utiliza uma média de quatro mil toneladas de defensivos agrícolas na lavoura por ano – fato que está sendo relacionado à ocorrência de malformações congênitas devido à utilização dessas substâncias.

Uma pesquisa elaborada pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) junto à Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca expôs que a região de Cascavel, entre todas as do Paraná, possui alta incidência de malformações congênitas pelo uso de agrotóxicos. O estudo teve como base o período de 2004 a 2014 e foi divulgado em julho deste ano em artigo científico publicado na Revista Saúde e Debate.

“Por serem municípios próximos e pelas características de produção serem similares, apesar de não termos estudos deste tipo em Marechal Cândido Rondon, podemos extrapolar os resultados deste estudo para o nosso município, o que certamente é uma preocupação”, aponta a coordenadora do curso de Agronomia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Edleusa Pereira Seidel.

Pesquisa

De acordo com o estudo desenvolvido pelos pesquisadores Lidiane Silva Dutra e Aldo Pacheco Ferreira, que elaboraram a pesquisa, nos últimos dez anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, sendo que o mercado brasileiro teve um crescimento de 190%, e dentre os Estados brasileiros com maior consumo de agrotóxicos, destaca-se o Paraná, representando 14,3% desse quantitativo. “Estudos denotam que vários agrotóxicos podem afetar o sistema reprodutivo masculino de animais e também o desenvolvimento embriofetal após exposição intrauterina, dentre as quais se destacam as malformações congênitas”, diz a pesquisa.

Junto ao aumento da área semeada para a produção de grãos no Paraná, que entre 2000 e 2014 passou de 5,9 mil hectares para 8,2 mil hectares, o consumo de agrotóxicos também cresceu, passando de 27,6 toneladas para 57,8 toneladas, conforme dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que enquanto a área para produção de grãos aumentou 39%, o uso de defensivos agrícolas subiu 111%, o que fortalece a hipótese de que a exposição ambiental sofrida pela população tem aumentado ao longo do tempo.

A pesquisa destaca que os dados referentes ao Estado demonstram que, apesar de as regiões agrárias variarem, a contaminação da população aumenta como um todo, demonstrando que as fronteiras agrícolas e os desdobramentos referentes a ela estão cada vez mais próximos de centros urbanos. “Além disso, a contaminação do ar também pode ser vista como fonte de exposição. Outra fonte de exposição é a água consumida pela população”, destacam os pesquisadores.

Questão de saúde

O estudo encontrou uma taxa maior de malformação congênita para o município com maior uso de agrotóxico, ou seja, Cascavel, e também para o Estado no período com maior uso de agrotóxicos (2004-2014).

Com base nos dados coletados pelos pesquisadores, a maior associação entre o uso de defensivos agrícolas e malformação está relacionada ao problema conhecido como “testículo não descido”. Segundo o estudo, “por serem disruptores endócrinos, muitos agrotóxicos são suspeitos de influenciar a diferenciação sexual do feto e outros desfechos dependentes de hormônios sexuais”.

A segunda maior associação encontrada para o Estado do Paraná foi referente às “malformações congênitas do aparelho circulatório” e a terceira maior está relacionada à “fenda labial e fenda palatina”, porém, a pesquisa também menciona os óbitos fetais e os abortos espontâneos relacionados à exposição às substâncias.

Estruturas de saúde, como o Hospital do Câncer de Cascavel (Uopeccan), apontam que o uso dessas substâncias também está altamente associado à incidência de doenças como câncer, que em Marechal Rondon, em cinco anos, fez 369 vítimas de acordo com o Sistema de Informação Sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. “A sociedade perdeu a noção de dependência. É como se não fossemos conectados: o que é para controle de insetos é para os insetos, o que é para doença das vacas é das vacas, mas nós somos interligados. O que age no animal recai sobre mim, da mesma forma o que é usado nos vegetais chega até nós. Essa ideia de que nós não temos mais essa conexão com o meio ambiente é como se víssemos o leite só na prateleira do mercado e isso faz com que a gente perca a noção de cobrar as medidas e fazer acontecer”, observa a professora da Unioeste.

Substâncias não autorizadas

Um dos agravantes para o uso de defensivos, especialmente no Oeste do Estado, é a entrada de substâncias contrabandeadas do Paraguai. Conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cerca de 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados pelos defensivos e destes 28% contêm substâncias não autorizadas – a maioria oriunda do país vizinho. 

As lojas paraguaias chegam a vender a mercadoria ilícita para outros Estados brasileiros, realizando entregas até de caminhão, em grandes quantidades e não somente de produtos para a lavoura, mas também se pode comprar medicamentos veterinários, como avermectinas de alta dosagem, proibidas no Brasil. “Pela quantidade de agrotóxicos que utilizamos, os produtos clandestinos ainda são uma porção muito pequena para colocarmos a culpa apenas neles ao associarmos com doenças”, avalia Edleusa. “Podemos associar ao uso dos agrotóxicos como um todo, mas pior ainda utilizar os contrabandeados, porque não se tem a garantia de ingrediente ativo”, alerta.

A especialista explica que o produtor que utiliza um produto contrabandeado pode estar colocando um ingrediente ativo muito maior que o estabelecido no campo ou, algumas vezes, com ingrediente ativo menor, que faz com que plantas daninhas e pragas ganhem resistência a determinados produtos. “O perigo não é só extrapolar, são as duas situações de proporção, mas, especialmente, não saber o que está sendo colocado na lavoura, sem o crivo dos órgãos fiscalizadores”, enfatiza.

Para ser liberado no Brasil, um agroquímico passa pela análise de três órgãos do governo federal: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que analisa os aspectos agronômicos, a eficiência dos produtos; a Anvisa, que verifica a toxicologia humana, ou seja, os efeitos na saúde; e o Ibama, que pesquisa os efeitos no ambiente.

O agroquímico mais utilizado em todo o Estado é o glifosato, herbicida usado para matar ervas daninhas, especialmente folhosas perenes e gramíneas que competem com as culturas. De acordo com dados do Siagro, apesar de continuar no topo do ranking dos agroquímicos mais utilizados, o herbicida vem perdendo porcentagem de uso nas lavouras paranaenses, caindo de 16,27% em 2013 para 8,88% em 2015.

Dos agrotóxicos proibidos no Brasil, pelo menos um, o endosulfan, banido em 2013 que é prejudicial aos sistemas reprodutivo e endócrino, aparece em 44% de 62 amostras de leite materno analisadas por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) no município de Lucas do Rio Verde. Lá se despeja em média 136 litros de defensivo por habitante. “Os principais alimentos contaminados hoje são as olerícolas (hortaliças) e as frutas”, pontua Edleusa.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (27).

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