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“Em muitos casos as Câmaras de Vereadores estão sendo ineficientes”

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em

Maria Cristina Kunzler
Presidente do TCE-PR, conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães, com os professores da Unioeste: Juarez Bortolanza, Dione Olesczuk Soutes, José Ângelo Nicácio, Roberto Kalil Nassar e Claudio Schultz

 

Opresidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães, esteve ontem (21) em Marechal Cândido Rondon para proferir palestra no 6º Encontro Científico de Ciências Sociais Aplicadas, promovido pelo campus rondonense da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Na oportunidade, a autoridade estadual falou sobre improbidade administrativa.
O conselheiro aproveitou sua estada no município para visitar o Jornal O Presente, ocasião em que concedeu entrevista exclusiva à reportagem deste diário. Ele esteve acompanhado do diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Unioeste de Rondon, Juarez Bortolanza, coordenadora do colegiado de Ciências Contábeis, Dione Olesczuk Soutes, coordenador do curso de Administração, José Ângelo Nicácio, coordenador do curso de Direito, Roberto Kalil Nassar, e o professor do curso de Ciências Contábeis e auditor-chefe, Claudio Schultz.

 

 

O Presente (OP): Em sua palestra na Unioeste, o senhor falou sobre improbidade administrativa. Tem sido frequente nos últimos anos políticos serem impedidos de concorrer às eleições porque têm problemas com prestação de contas no período em que ocupavam cargos públicos. Como o senhor analisa esta questão?
Fernando Augusto Mello Guimarães (FAMG): A sociedade precisa entender que existem vários tipos de sanções para o gestor, como dano ao erário público, ilegalidade simples e formal, dentre outros. O juízo da inelegibilidade quem faz é o Tribunal Regional Eleitoral, ainda mais agora com a Ficha Limpa. O Tribunal de Contas gera a informação, seja desaprovação de contas, seja um parecer prévio que depois é encaminhado para a Câmara de Vereadores e ao Tribunal Regional Eleitoral. Na improbidade administrativa é a mesma situação: geramos a informação, aplicamos algumas multas e comunicamos ao Ministério Público do Estado, que é quem tem a competência de ingressar com ação de improbidade. A improbidade pode gerar a suspensão de direitos políticos, o que não é inelegibilidade, pois são ações diferentes e inclusive podem ter julgadores diferentes. A sociedade precisa entender que a Câmara de Vereadores tem a palavra definitiva no julgamento das contas. Quem julga as contas do Poder Executivo é a Câmara Municipal com base no nosso parecer. Este julgamento é que gera inelegibilidade, e não o do Tribunal. Mais de 80% dos nossos pareceres prévios que recomendam a desaprovação são rejeitados pelas Câmaras. A sociedade precisa entender este papel da Câmara até para cobrar do legislador mais motivação no julgamento dos nossos pareceres.

OP: O senhor considera então que o Legislativo é conivente em muitos casos?
FAMG: Eu prefiro a palavra ineficiente.

OP: O senhor é a favor da profissionalização dos agentes políticos?
FAMG: Depende a função. Acredito que o secretário municipal, por exemplo, precisa ter o mínimo de conteúdo profissional na pasta que vier a assumir. Quanto ao servidor público, este deve de fato cada vez mais ser profissionalizado. Os cargos de comissão, que são de livre escolha do chefe do Poder Executivo ou Legislativo, devem sem dúvida alguma obedecer critérios de profissionalização. Infelizmente esta não é uma prática recorrente, não só no Paraná como no Brasil inteiro. Eu chamo de corrupção política: não é a corrupção criminal, mas gera grandes desperdícios por falta de profissionalização. Isto porque o agente público precisa colocar no cargo de comissão um companheiro político da aliança e isso está desassociado de critérios técnicos. O gestor pode ter suas alianças políticas, mas elegendo no seu universo pessoas mais capacitadas. Vou dar um exemplo: na Secretaria de Saúde o ideal seria um gestor da área da saúde; na Secretaria dos Transportes um engenheiro civil ou mecânico. Enfim, alguns profissionais que tenham especialização em áreas sensíveis à administração pública.

OP: No último ano o Tribunal de Contas registrou uma redução considerável de aplicação de multas, na ordem de 41%. O TCE atribui isso ao melhoramento da gestão pública?
FAMG: Sem dúvida alguma. Isso parte de uma reformulação de consciência administrativa e também uma atuação mais preventiva do Tribunal de Contas no treinamento dos servidores públicos na formação das prestações de contas de gestão ou de transferências voluntárias, bem como de procedimentos licitatórios. Os erros formais diminuíram e muito. Não avalio o meu índice de produtividade pela quantidade de desaprovações ou casos de improbidade descobertos. Utopicamente o meu indicador de gestão seria diminuir em muito o índice de desaprovação. Esta é a função do Tribunal.

OP: Se fala muito sobre transparência na gestão pública, a partir da qual se pressupõe diversas atividades de fiscalização. Além do Tribunal de Contas e da Câmara de Vereadores, existem órgãos da sociedade organizada. Como o senhor avalia esta participação cada vez maior destas entidades?
FAMG: Primeiro precisamos fazer uma avaliação de que está melhorando o índice de transparência. Não basta colocar um número disponível na internet, tem que dar canais de acesso à sociedade para que possa buscar o número, facilitar o cruzamento das informações, traduzir a gestão numa linguagem mais simples e não num arquivo disponível a um público restrito. Quanto mais dificuldade menos transparência se tem, embora esteja formalmente cumprindo a obrigação de dar transparência. Graças a essa evolução institucional, as gestões estão melhorando as ferramentas e os órgãos de controle estão se voltando para fora, ou seja, as suas informações estão sendo levadas para consumo externo. Isso incentiva a sociedade. Tem muito a percorrer e o caminho é longo, mas a sociedade está mais consciente da sua cidadania, graças às ferramentas de transparência que estão sendo disponibilizadas.

OP: Muitos prefeitos reclamam das dificuldades que representam as parcerias com os governos estadual e federal: o prefeito promove uma licitação, inicia uma obra, garante a contrapartida da prefeitura, mas com a troca de governantes nas esferas superiores o programa é modificado e a licitação fica pela metade. Como o Tribunal de Contas analisa esta questão? Há necessidade de uma regulamentação?
FAMG: Provavelmente amanhã (hoje) deve ser votada uma nova instrução de análise das transferências voluntárias, em que estamos focando principalmente o controle de quem repassa o recurso e não somente de quem recebe, tanto da área estadual como municipal. Normalmente são penalizados os que recebem o recurso, seja o município ou entidade privada. Neste mecanismo novo de controle vamos verificar também o repasse do recurso, motivação até para eventuais interrupções. Isso não deixa de ser um ato que gera desperdício e danos ao erário público.

OP: Na nossa região especificamente existem municípios que recebem royalties da Itaipu Binacional, cuja receita é muito maior da chamada receita líquida. Há um conflito permanente entre os prefeitos e possivelmente existem demandas junto ao Tribunal de Contas com relação ao que fazer quando acabar os royalties, se os concursados podem ser demitidos…
FAMG: Este é um problema crônico e o Tribunal de Contas foi por um tempo complacente com o desvio da aplicação deste recurso. Os royalties eram para gerar investimentos para compensar, em tese, a perda do potencial produtivo com o alagamento das terras em função da construção da Itaipu. Os municípios aplicaram os royalties em despesas de custeio e não em despesas de investimento, sendo que algumas obras de investimento foram mal dimensionadas. Quando o Tribunal despertou para essa necessidade, fizemos um trabalho de conscientização e ajuste progressivo para que os royalties deixassem de ser aplicados em despesa pessoal. Mudamos recentemente o entendimento e incluímos os royalties no cálculo de receita corrente líquida até para colaborar na gestão. Evidentemente que se os royalties não forem renovados têm um tempo de duração e os gestores devem prever gastos com pessoal e gastos com investimentos dentro deste período. Os gestores não podem gastar os royalties com pessoal, mas este recurso entra como receita líquida até para aumentar margens. Estamos preocupados e fizemos várias coisas boas para que os prefeitos não tivessem mais essa dificuldade.

OP: Nos últimos meses está havendo grande discussão sobre aumento no número de vereadores em alguns municípios. Como o Tribunal de Contas avalia isso e existe, afinal de contas, um número correto de vagas no Legislativo?
FAMG: Neste ponto o Tribunal não pode fazer muita coisa. O que podemos controlar são os limites de gastos das Câmaras de Vereadores, seja na Constituição ou na Lei de Responsabilidade Fiscal. Dentro destes limites e dentro de uma decisão soberana da Câmara, levando-se em consideração que os riscos são políticos em relação a seus eleitores, eles têm a possibilidade de ampliar as vagas. Se você me perguntar como cidadão, eu particularmente sou contra. Para fazer o que está sendo feito não precisa aumentar nada.

OP: A partir de outubro entramos em um ano eleitoral. Nesta época é evidente que os governos melhoram muito, se tornando mais eficientes e preocupados com os problemas de suas comunidades. Contudo, a reeleição especificamente tem sido muito questionada sob a ótica de quem deseja fazer uma eleição limpa. A reeleição, na sua opinião, é um cancro para as eleições democráticas?
FAMG: Como cidadão, acredito que a reeleição é extremamente essencial. Vou dar um exemplo no meu caso: o meu mandato é de dois anos e não há possibilidade de reeleição, pois é um período muito curto para fazer todos os projetos. Para um município também acho pouco quatro anos de mandato, desde que os resultados da gestão justifiquem a reeleição e, neste caso, a cidadania precisa ter a consciência quando for votar. A ideia de reeleição é para que o cidadão julgue a gestão e para que o gestor que for bom continue seus projetos. Por outro lado, existem regras eleitorais e o Tribunal gera informações para o Ministério Público Eleitoral como, por exemplo, sobre o gasto com publicidade e gasto com pessoal no período. Essas regras independem de reeleição, pois é preciso cumprir com ou sem reeleição.

OP: O senhor acredita que o cidadão consegue diferenciar o prefeito do candidato?
FAMG: Acredito que não tem essa consciência e acaba confundindo. Quando vota não avalia os resultados da gestão ou a vida pregressa do candidato, no bom sentido, em relação a realizações. Infelizmente o cidadão não avalia o que foi feito nos quatro anos. Vamos supor que um empreendedor se candidate. O eleitor deveria buscar informações de como esta pessoa trata seus funcionários, as políticas que investe, enfim, para conseguir avaliar a capacidade produtiva dele.

OP: O senhor considera que o fato de termos eleições indeterminadas para o Legislativo seja uma parte ruim do processo democrático?
FAMG: Na teoria não, na prática sim. Quem se recorda para quem votou para vereador na última eleição? São poucas as pessoas da sociedade como um todo que lembram. Então constatamos que existem eleitores que não têm preocupação em buscar o que o parlamentar produziu no seu mandato: se produziu somente projeto de utilidade pública, se fiscalizou, se teve atuações mais marcantes. É questão de evolução da cidadania.

OP: O senhor avalia que os municípios estão em processo de melhoramento ou já atingiram estágio confiável na questão de administração pública?
FAMG: Estão em estágio de melhoramento. Isso não inclui somente os municípios, mas o Estado também. Existe muita coisa para evoluir ainda.

OP: A fiscalização do TCE consegue ser feita na mesma intensidade em um município pequeno e em um grande?
FAMG: Sim. Hoje os nossos sistemas geram as mesmas informações tanto para um município como para outro. O que estamos desenvolvendo são ferramentas para cruzar as informações.

OP: O tempo que demora para a condenação de quem pratica improbidade administrativa é um estímulo para a prática?
FAMG: Sem dúvida alguma. A crença na impunidade é o grande problema hoje dos países que apresentam alto índice de corrupção. E só existe alto índice de corrupção porque a repressão demora a chegar.

OP: E o que pode ser feito e precisa ser feito para que isso mude?
FAMG: Primeiro os órgãos de controle precisam atuar mais em conjunto e formar redes de controle. Os Tribunais de Contas, Legislativos, Corregedorias, Ministério Público, enfim, devem formar uma grande base de controle e gerar informação para eventuais repressões. Segundo, reforma do processo judicial e para acabar com a quantidade de recursos que existem hoje. Essa demora tem incentivado e muito (a prática da improbidade). Até brinco que o bom advogado consegue empurrar o processo. E o bom advogado custa caro. Se custa caro, torna-se um privilégio para poucos.

Marechal Rondon tem dois projetos aprovados no PAF Social
Com o objetivo de envolver a sociedade na atuação do controle social, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) criou o Programa Anual de Fiscalização Social (PAF Social), que visa aproveitar o potencial das regiões universitárias do Paraná e formalizar parcerias com as instituições de ensino. A informação é do presidente do órgão estadual, conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães.
A iniciativa não é voltada para apontar e apurar irregularidades, mas avaliar como estão sendo administradas as verbas públicas nos municípios e no governo estadual. “As universidades já elegeram áreas de atuação neste projeto-piloto de 2011, sendo elas na aquisição de medicamentos, transporte escolar, indicadores municipais e gestão de resíduos sólidos. O estudante não vai fiscalizar a prefeitura ou o Estado, mas vai coletar informações, vai a campo interagir com a sociedade e ver os resultados das ações públicas até para poder direcionar e discutir em audiências públicas o seu orçamento. Em 2012 vamos monitorar os resultados destas auditorias e estabelecer a continuidade deste projeto para que a sociedade eleja as áreas sensíveis que almeja que o Tribunal de Contas e os universitários trabalhem com os vários ramos do conhecimento na avaliação das gestões públicas”, esclarece o presidente do TCE-PR.
De Marechal Cândido Rondon houve dois projetos aprovados e selecionados. Um trata sobre indicadores de gestão pública e o outro vai trabalhar na questão de controle de medicamentos. “Cada projeto é acompanhado por três professores e os mesmos contam com um conjunto de acadêmicos que estão distribuídos na área de Ciências Sociais Aplicadas, nos cursos de Administração, Ciências Contábeis e Direito”, menciona o diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) do campus rondonense da Unioeste, Juarez Bortolanza.

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