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Paraná

Educação atada à violência

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Mirely Weirich/OP
Casos de violência nas escolas, que colocam em risco a vida de crianças e adolescentes, trazem à tona o motivo que leva um estudante a entrar em sala de aula portando uma arma

 

Dia 03 de março: uma estudante de 18 anos é esfaqueada no rosto ao sair do colégio por outras duas jovens. Dia 16 de março: uma criança de oito anos agride a professora com socos em uma escola. Dia 20 de março: um estudante de 15 anos insulta o professor durante a aula. Dia 24 de março: um estudante de 16 anos atinge um aluno de 18 anos com uma facada no tórax em frente ao colégio.

Todos esses casos, registrados no mês passado pela Polícia Militar (PM) em Marechal Cândido Rondon e em Nova Santa Rosa, voltam os olhos da sociedade para a presença da violência entre os estudantes, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior. O conflito nas instituições de ensino não é algo novo, porém casos como estes, que colocam em risco a vida, fazem as pessoas questionarem o motivo que leva um estudante a entrar em sala de aula portando uma faca, marcar uma briga na saída do colégio ou enfrentar a autoridade do professor em sala de aula.

A escola é o primeiro ambiente social que a criança experimenta, já que a socialização primária se restringe à família, igrejas e vizinhos, um circuito bastante limitado. Por isso, é na escola que a criança vai realmente experimentar um ambiente social, aprendendo a conviver com as diferenças. Hoje é visível que as crianças não aceitam o colega, seja por sua classe social, por uma ideologia de gênero, religião, enfim, por algo que aquela criança acredita e que outra não acredita. Elas têm muita dificuldade em aceitar a frustração, avalia o soldado Evandro Spier, policial militar que atua em Marechal Cândido Rondon e em Quatro Pontes como instrutor do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd).

Em muitas escolas vemos déficits em desenvolvimento, crianças com problemas familiares e a rejeição social – que envolve os pré-conceitos que um estudante tem com o outro frente às dificuldades que ele apresenta em sala de aula, complementa.

Spier menciona que essas situações de conflito não podem ser atreladas a um fator específico, como a falta da estrutura familiar, por exemplo, que, apesar de ter uma grande influência, está ligada a uma série de outros fatores, especialmente ao conjunto social. Muitas crianças têm uma base familiar e ainda assim envolvem-se em situações de violência e perigo, tanto com as drogas quanto a violência, diz.

 

Desrespeito

Dentre os casos mais comuns de violência estão as ameaças feitas por alunos a professores. Uma nota abaixo da média nem sempre é entendida como um alerta para que o aluno se esforce mais nos estudos: para muitos estudantes, a nota é compreendida como ofensa pessoal. O caso registrado por um professor em Nova Santa Rosa, por exemplo, traz à tona a violência verbal que existe nas instituições, problemas que atrapalham o andamento das atividades pedagógicas e os relacionamentos dentro dos colégios. Esse aluno já tem um histórico de problemas, ele simplesmente não deixa o professor dar aula. Ele tem um domínio sobre os colegas que é impressionante, especialmente as meninas, relata o professor. No dia da ocorrência ele estava atrapalhando a aula, eu chamei a atenção, o que não adiantou, então o convidei para se retirar da sala de aula. Em um primeiro momento ele não quis, mas depois resolveu sair, passou bem perto de mim me enfrentando e quando saiu da sala chutou a porta, fez gestos obscenos e passou a me insultar, proferir xingamentos e palavrões do lado de fora da sala, relembra.

O professor nova-santa-rosense conta que faltando poucos minutos para o fim da aula, o estudante retornou para a sala e informou ao professor que o tempo dele havia acabado, ordenando que ele se retirasse da sala. Por ainda estar em horário de aula, o professor voltou a chamar a atenção do aluno, que passou novamente a insultá-lo e buscou agressão física, dizendo que os dois deveriam brigar. Ele ainda usou palavras ofensivas como velho caduco e grosso, então eu solicitei a presença do responsável por ele junto à direção da escola, do Conselho Tutelar e da Polícia Militar, mas a instituição não achou necessário envolver a polícia, menciona. Apesar do registro em ata, registrei o boletim de ocorrência por ofensa, especialmente por este ser um aluno complicado, em que até mesmo a mãe não se preocupa em acompanhar as atividades escolares e hoje as tias assumiram este papel, ressalta.

Já o caso registrado pela PM em Marechal Cândido Rondon envolveu uma criança de apenas oito anos. O que me fez buscar apoio para registrar o caso é pelo quadro de revolta, de violência muito grande em uma criança de apenas oito anos que não é de agora, é de anos. Se ela traz tanta violência consigo, alguma coisa em casa está faltando ou algo violento ela está vendo em casa, expõe a professora.

Ela conta que o fato envolveu um aluno que também já apresentava um histórico de violência escolar desde a pré-escola, e que as agressões físicas e verbais a outros colegas e até mesmo funcionários da escola eram diárias. Ele fala muitos palavrões, tem atitudes de revolta, que não condizem com uma criança de oito anos, mas eu vinha sempre contornando essas situações em sala de aula e conversando com ele para tentar mudar essa realidade, relata.

Naquele dia, o estudante aparentava bastante agitação, de acordo com ela, e após a professora recolher um giz que estava na carteira do aluno, o problema piorou. Ele gritou você pegou meu giz!. E eu respondi não, o giz é da professora, quando você precisar pode pedir como todos os colegas. Em seguida, ele começou a brincar com uma moeda no chão e eu tomei o objeto, foi quando ele falou um palavrão e eu não aceitei, achei que aquilo já tinha chego ao limite do desrespeito e levei ele até o diretor, relembra. Foi quando ele saiu correndo e se agarrou nas escadas, eu tentei retira-lo e ele me desferiu socos nos braços dizendo palavrões, complementa.

A professora solicitou a presença da Polícia Militar e do Conselho Tutelar para o registro do fato, com a presença da mãe da criança, pois considerou que ela não poderia se dirigir com tanta violência aos educadores. Não podemos aceitar essa violência tanto verbal quanto física, comenta.

Números assustam

Por não existir nenhuma pesquisa que apresente qual a efetividade do Proerd na formação das crianças, Spier – junto às Secretarias de Educação dos dois municípios e com as escolas em que atua – realizou um levantamento com os alunos que participam do programa. O objetivo é elaborar um levantamento sobre qual o grau de risco em relação às drogas e à violência que as crianças na faixa etária entre nove e dez anos estão expostas. Não só eu como policial, mas cada pai e cada mãe sabem o envolvimento que seu filho tem com as drogas. Eles sabem que ele já tomou aquele golinho de uma bebida alcoólica, que é considerado inofensivo na presença dos pais. O que eles esquecem é que a criança forma a regra na cabeça dela de acordo com seu interesse, então ela escutou que era só um golinho, mas ela esquece que era só na presença dos pais. A permissão faz com que a criança entenda posteriormente que em uma festa ela pode tomar, alerta, ressaltando que há estudos apontando que 90% das pessoas que têm dependência com o álcool tomaram o primeiro gole antes dos dez anos.

Apesar de o levantamento ainda não estar completo, o soldado ressalta que ao menos 50% das crianças ouvidas já tiveram algum tipo de contato com drogas, sejam elas lícitas – como cigarro ou bebidas alcoólicas – ou ilícitas, como a maconha. Esses dados serão apresentados aos pais assim que o levantamento for concluído. Há casos em que os pais têm o pleno conhecimento do filho que experimentou o álcool, mas talvez não do filho que conhece a maconha. Em um encontro com 100 pais, cerca de dez já viram maconha ao vivo, mas quando eu pergunto para as crianças o número é muito maior, aponta Spier.

Tanto o cigarro quanto o fumo de mascar, canetas eletrônicas e até mesmo o narguile são produtos que fazem analogia ao cigarro, por isso, o soldado enfatiza que são enquadrados na mesma lei do cigarro e a criança não pode comprar, fumar ou receber. A dinâmica dessas drogas é simples: a pessoa experimenta a caneta eletrônica, o narguile e o inconsciente vai ter vontade de mais um pouco, que se torna mais um pouco, e uma cadeia viciosa, ressalta. Até mesmo o cigarro eletrônico, considerado inofensivo, entre outras substâncias, possui como base a nicotina, causadora do vício e da dependência, explica.

Mesmo o narguile, aparelho utilizado para fumar tabaco aromatizado, é mais conhecido entre os menores do que entre os pais. Poucos pais sabem o que é. Já viram, mas não sabem qual o risco, aponta o instrutor do Proerd. Há pouco tempo a Universidade de São Paulo publicou uma pesquisa acerca dos riscos que ele traz à saúde e apontou que 50 minutos fumando narguile corresponde a 100 cigarros. É um cigarro a cada 30 segundos. Qual fumante consegue fumar? Um, talvez dois cigarros em 50 minutos, mas quem usa o narguile fica por duas, três, quatro horas sentado fumando, compara.

 

Drogas estão na escola

Spier diz que desde muito cedo as crianças sabem onde a maconha está, onde ela é consumida. Quando eu pergunto a eles onde as pessoas fumam, aparecem respostas que é tal rua, tal esquina, tal praça. E isso não é prejudicial, pelo contrário, os pais devem alertar para que as crianças fiquem longe desses locais, enfatiza.

Em um trabalho de georreferenciamento realizado em Marechal Rondon com o objetivo de detectar qual a escola ou bairro que apresenta maior risco para as crianças em relação às drogas e à violência, o instrutor do Proerd é enfático em afirmar que todas as instituições, tanto do interior quanto da sede e particulares, apresentam problemas. A pesquisa apresentou de forma bem clara que o risco não está na periferia, não está no centro, na escola particular ou pública. Eu encontrei problema em várias escolas, problemas diferentes de evasão escolar, de falar para o pai que vai para a escola e não vai. Tive casos aleatórios nas escolas da periferia, do centro e do interior, comenta.

Na pergunta que faz aos jovens sobre quem já viu maconha pessoalmente, houve um percentual considerável em todas as escolas de crianças que já viram a droga. Questões de violência, da mesma forma: o problema não é de um bairro, não é de uma escola. O problema das drogas e da violência é social. A droga está na porta das escolas, na escola, em todos os ambientes. Mudar meu filho de escola não aumenta ou diminui o grau de risco, o que muda essa realidade é o pai educar, conversar, trazer o máximo de informações para o filho e também coletar informações para criar um laço de confiança entre eles, orienta.

Para a professora agredida em Marechal Rondon, há muita falta de participação dos pais ou responsáveis na vida educacional dos filhos. Falta eles ensinarem valores para as crianças, as famílias têm pouco diálogo, não falam sobre a importância da escola, do professor na vida deles e de como se comportar em sociedade. Os pais precisam estar, nos poucos momentos que têm fora do trabalho, com seus filhos, dar importância para eles, olhar um caderno e não deixar a responsabilidade de educar para os professores. Nós estamos parando de ensinar para poder educar, uma tarefa que o aluno deixa de aprender conteúdo para ensinar a ele respeito e valores que deveriam vir de casa, opina.

 

Tem solução?

O tipo de violência mais comum, entretanto, se dá entre os próprios estudantes e, como visto em Marechal Cândido Rondon, colocando em risco a vida. Se o porte de arma e o consumo de drogas não são considerados causas exclusivas da violência, eles, sem dúvida, estão no rol de elementos potencializadores de situações como essa, que resultaram em dois jovens de 18 anos esfaqueados.

Para o comandante da 2ª Companhia de PM, capitão Valmir de Souza, há um contexto muito vasto pelo que motiva um estudante a levar uma arma para a escola. Pode ser porque ele quer ser o valentão daquele dia, mostrar poder, impressionar os colegas, enfim, depende muito do que motiva cada um e é por isso que se um jovem leva uma faca para dentro da escola para que isso as fortaleça, o caso precisa ser avaliado em particular, detalha.

Na visão de Souza, a escola é um reflexo do que vivemos em sociedade e a violência está presente em todas as áreas da coletividade. Os valores que a sociedade prega é que o que vale hoje é ter poder, ser mais forte, resolver as coisas no grito, na força. A violência não inicia o conflito, ela resolve o conflito, aponta.

Atuando com efetivo específico nas escolas da rede estadual, por meio do Batalhão de Patrulha Escolar, e nas escolas municipais com o efetivo da 2ª Cia, ele destaca que a Polícia Militar realiza a prevenção desses conflitos sem levar a criança ou o jovem a entender o ato como uma repreensão. Contudo, Souza destaca que reverter um histórico de violência escolar requer iniciativas em vários níveis e de diferentes complexidades e que não envolve tão somente a polícia, mas principalmente a família, a escola e a sociedade. A polícia é culpada por uma criança ter contato com drogas e estar sendo violenta, mas se esse contato a torna mais violenta ou mais consumidora de droga, o trabalho da polícia seria para reprimir e não somente prevenir, cita. Há filhos que veem pais usando drogas, e não estou falando de famílias da periferia. Jovens de 15 anos que só frequentam festas que envolvam álcool, e nós (a sociedade) temos conhecimento dessas situações, mas só criminalizamos a atitude do adolescente que estava com a faca, que teve indisciplina com o professor e nem sempre os casos são de polícia, é algo maior. E a solução não passa tão somente pela PM, que pode fazer todo seu trabalho e isso ainda não será resolvido porque não é só da nossa alçada, critica.

 

Prevenção

Diferente da Polícia Militar que atua na intervenção das situações de conflito, o Proerd trabalha exclusivamente com a prevenção, com o objetivo de fazer com que todas as crianças que passam pelo programa entendam que todas as suas atitudes geram uma consequência e que ela, boa ou ruim, deverá ser absorvida por ele. Talvez essas crianças tenham envolvimento com drogas, mas elas entenderão que essa atitude pode causar consequências que não são boas, menciona.

Ao trabalhar a violência com as crianças em sala de aula, Spier diz que tem como foco fazê-las ter o controle da pressão que os colegas e a própria sociedade exercem sobre elas para que aprendam a administrar essas situações e, com isso, controlar a tensão, o nervosismo e a ansiedade. O bullying que tanto se fala hoje pode ser representado por eu não querer fazer um trabalho com aquele colega hoje, não querer que ele faça parte do meu time na Educação Física, e repetir essa ação de não quero hoje, não quero amanhã e não quero sempre. E esse colega amanhã vai ser o meu vizinho, meu colega de serviço, meu patrão ou meu empregado e se eu não tenho essa aceitação lá no início do Ensino Fundamental, essa rejeição vai se agravar, enaltece. A forma que a criança expressa a rejeição quando ela está no 7º ou 8º ano é aparecendo, marcando uma briga, trazendo uma faca, uma arma, resolvendo a situação da sua forma, e o que mais assusta é que a grande maioria desses casos registrados no mês passado teve influência externa de um irmão, um pai ou um amigo, pessoas que deveriam ter a consciência e a responsabilidade de ensinar o caminho contrário, observa.

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