Fale com a gente

Tarcísio Vanderlinde

O contraditório depura

Publicado

em

Em abril de 1966, um ano antes da “Guerra dos seis dias”, o escritor brasileiro Érico Veríssimo e esposa visitaram Israel para cumprir uma agenda diplomática e acadêmica.
Naquele momento, o acesso ao Muro das Lamentações, controlado por tropas jordanianas, era restrito, para não dizer proibitivo aos visitantes. Visualizar, só de longe com auxílio de binóculos, e ainda tomando cuidado para não ser alvejado por franco atiradores.

Contudo, o casal teve outras experiências impactantes que Veríssimo registrou no seu livro “Israel em Abril”. O livro acabou sendo uma das inspirações que nos motivou a visitar a Terra Santa algumas décadas mais tarde.

Com a sensibilidade que lhe é peculiar ao longo de sua vasta obra literária, Veríssimo observou que as descobertas arqueológicas em curso na Terra Santa mantêm relação dialética com as narrativas bíblicas. As narrativas costumam indicar lugares de ocorrências que acabam sendo confirmados por incursões arqueológicas, sendo que as descobertas, por sua vez, voltavam a confirmar as narrativas.

Mas essa prática nem sempre é pacífica. Em relação ao valor científico das descobertas, ocorre um conflito acadêmico entre grupos de pesquisadores que costumam ser chamados de “maximalistas” e “minimalistas”.

Maximalistas partem do pressuposto de que a Bíblia é um registro bastante confiável da história de Israel. Já os minimalistas são bem mais rigorosos nos processos de elucidação dos achados arqueológicos que se relacionam com algum evento bíblico.

Os minimalistas, por exemplo, defendem a ideia de que os muros da cidade de Jericó não existiram à época das narrativas que constam no livro de Josué. Acreditam que as ruínas de uma muralha encontrada na região são de uma época que não coincide com as lutas pela conquista da Terra Prometida.

Os maximalistas se defendem dizendo que o fato de a muralha não ter sido encontrada não é prova cabal de que ela não tenha existido. Ela poderia ter sido construída numa colina sujeita a forte intemperismo físico que eliminou totalmente seus vestígios.

A favor de suas argumentações, maximalistas costumam citar uma frase do astrofísico Carl Sagan ao discutir a existência de seres extraterrestres: “Ausência de evidência não é evidência de ausência”. É nessa discussão complexa, às vezes recheada de paixão, que a arqueologia bíblica avança.

Seria um equívoco rotular apressadamente minimalistas de ateus e maximalistas de fundamentalistas ingênuos. O contraditório costuma depurar os fatos. É atitude benéfica nos processos de pesquisa. Maximalistas admitem isso. Neste particular, o diálogo entre crença e ciência costuma quase sempre dar bons resultados.

Vestígios arqueológicos da cidade de Corazim, na Galileia. Os vestígios são aceitos como autênticos tanto por minimalistas como por maximalistas (foto do autor)

Por Tarcísio Vanderlinde. Ele é professor sênior da Unioeste

tarcisiovanderlinde@gmail.com

Copyright © 2017 O Presente