Fale com a gente

Urbano Mertz

O milho

Publicado

em

“Oração do milho” é um dos mais famosos poemas da poetisa goiana Cora Coralina. Em contraposição ao trigo nobre, Cora fala do milho como a fartura generosa dos paióis, o alimento que foi o angu dos escravos, a broa dos sitiantes e a polenta dos imigrantes. Alimento dos rústicos e dos animais, o milho agradece a Deus, por tê-lo feito humilde e necessário.

O milho foi o primeiro grão semeado em nossas terras pioneiras. Milhos rústicos, melhorados de geração em geração. Produziam em média 250 sacos por alqueire e alimentavam os porcos, as vacas, as galinhas e as pessoas. Não pegavam doenças e não sofriam ataques de pragas, a não ser de macacos e papagaios que os comiam na beira dos matos.

Na década de 60 veio a novidade do milho “asteca”, milhos gigantes de grãos brancos enormes. Este milho lembrou a região originária dos milhos na América Central, de onde se espalhou por todo o continente americano, sendo cultivado pelos índios em suas coivaras.

Os milhos híbridos apareceram na década de 70 e foram uma revolução na roça dos colonos. Milhos muito mais produtivos, mas que tinham um problema: não permitiam ser replantados, pois a segunda geração não produzia quase nada. Aí começou a dependência às sementes do mercado e foi o fim da autonomia do agricultor sobre a sua semente de milho.

O melhoramento genético do milho foi dos híbridos simples aos híbridos duplos, e a cada novo plantio novos problemas apareciam: pragas como a lagarta do cartucho, lagarta rosca, lagarta das espigas, pulgões… e as doenças aumentando ano a ano.

Mas a pesquisa foi apresentando as suas armas: tratamento das sementes para proteger as plantas contra as pragas na fase inicial e agrotóxicos contra as pragas e doenças ao longo do ciclo da cultura. Depois veio a revolução dos milhos transgênicos. Primeiro uma modificação genética na semente que fez a planta resistir aos herbicidas. Depois, incluiu-se na semente do milho o gene de um bacilo que mata insetos. Não, não foi preciso disseminar o uso de Bacillus thuringiensis como um bioinseticida eficaz para matar insetos: a semente do milho tornou-se hospedeira do gene mortal às pragas e ainda levou um sobrenome: Milho Bt, e junto com a resistência ao herbicida agora é um milho IPRO, um “evento piramidado”!

O milho também ganhou poderosas armas para ajudar na defesa contra as pragas: enormes pulverizadores autopropelidos e agora os drones para aplicar os agrotóxicos com precisão.

Mas como a natureza é complexa os insetos sempre dão um jeito de se reproduzirem e driblarem as defesas do milho. E eis que surge uma nova praga, que também transmite uma doença – que não tem controle – tudo num combo só: a cigarrinha do milho suga as plantas e transmite uma bactéria que causa a doença do complexo de enfezamento do milho. Uma tragédia!

O custo está na conta do agricultor: sementes caras, adubos caros, mais seis aplicações de agrotóxicos… e rezar para que chova, que não dê geada, que o enfezamento não entre na lavoura e o preço final seja bom. Somente, então, vem o lucro do agricultor, pois o lucro dos setores fora da porteira já está assegurado!

Hoje, Cora Coralina talvez falaria assim do milho: “não sou mais uma planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Hoje estou em todas as terras; dizem que meu nome é milho, mas já não tenho tanta certeza!”.

 

Urbano Mertz é engenheiro agrônomo, vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Agropecuário de Marechal Cândido Rondon e inspetor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR)

urbanomertz2019@gmail.com

Continue Lendo

Copyright © 2017 O Presente