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Urbano Mertz

Viajando pelo Egito IV: o rio Nilo e impressões sobre o Egito moderno

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Entre montanhas áridas, onde não é possível identificar um único arbusto, e onde a areia, as pedras e o calor escaldante parecem sufocar as pessoas, sobreviveu uma civilização muito avançada por mais de três mil anos.

O segredo foi o vale do rio Nilo, que, com suas cheias periódicas fertilizava (atualmente as cheias são contidas pela represa de Assuam) as várzeas ao longo de cada margem do rio, garantindo comida abundante à toda a população.

Do alto do rio Nilo, junto à fronteira com o Sudão, ao delta onde o Nilo desemboca no mar Mediterrâneo, são cerca de 1,2 mil quilômetros de rio atravessando o Egito. As margens férteis variam de algumas dezenas de metros até a alguns quilômetros. Estas “várzeas” e o delta representam em torno de 4% do território do país, mas é quase tudo o que o país possui em área fértil e verde.

Nestas terras o povo do antigo Egito já cultivava tâmaras, trigo, arroz, cevada, linho, algodão, legumes, frutas e papiro. Atualmente, cultiva principalmente cana-de-açúcar, batata, algodão, arroz e frutas, sendo um grande exportador de cítricos.

Com irrigação e emprego de tecnologias mais avançadas, a agricultura sustenta uma população de mais de 100 milhões de habitantes. Mas, obviamente, tem pouca produção de proteína animal, que exigiria produção extensiva em área ou intensiva em ração animal. Por isso, o Brasil é um dos grandes exportadores de frango para Egito.

Nosso guia soube identificar os principais frigoríficos e descrever a qualidade do frango de cada um. Hoje, a economia egípcia é baseada principalmente no turismo, seguido pela exportação de petróleo e gás, e, em terceiro lugar, as taxas alfandegárias do canal de Suez.

O que nos chamou atenção ao chegar a este país foi o fortíssimo aparato de segurança. No aeroporto, os turistas passam por pelo menos três portas de detecção de metais, raio X nas bagagens e revistas individuais. Guardas fortemente armados, tanto dentro do saguão do aeroporto como em barricadas no lado externo, dão uma sensação de estado de guerra.

Em todos os locais de visitação, e inclusive em restaurantes e nos hotéis, o turista passa por portas detectoras de metal e a bagagem passa por raio X. Estes cuidados serviriam para evitar algum atentado terrorista que pudesse prejudicar o turismo.

Em Cairo visitamos o fantástico Museu do Cairo, antigas mesquitas e a Igreja copta de São Sérgio, ou da Sagrada Família, onde Maria e José, após sua fuga da Palestina, teriam se escondido em uma gruta por alguns meses. Cairo mantém muitas igrejas cristãs históricas, pois, após a conversão de Roma, o cristianismo foi a principal religião do Egito no período de dominação romana. Mas hoje a religião muçulmana é a religião oficial do Estado e é praticada por 90% da população, sendo que 9% seguem a religião cristã ortodoxa copta.

Atualmente, o Egito é governado por um governo militar. Em 2011, a chamada “primavera árabe” no Egito mobilizou através das redes sociais milhares de jovens e, após algumas semanas de protestos, logrou a renúncia de Osni Mubarak, que estava no poder desde 1981. Na sequência houve uma eleição direta inédita no país, e o candidato ligado à Irmandade Islâmica venceu as eleições. Mas seu governo durou até 2013, quando os militares tomaram o poder e desde então não houve mais eleições livres.

Os protestos e mobilizações que seguiram à queda de Mubarak instabilizaram o governo eleito e desembocaram no golpe militar, provocando forte reação das forças de segurança.

De acordo com diferentes fontes, a repressão às manifestações teria provocado a morte entre algumas dezenas até 850 pessoas. O forte controle da segurança interna é motivado pelo risco de atentados planejados por opositores ao atual governo.

A cidade de Cairo tem mais de 22 milhões de habitantes. Quase um terço da população do Egito vive abaixo da linha da pobreza. Cairo é uma cidade quente, com muita poluição e onde casebres antigos e prédios abandonados são usados para moradia, embora seja bastante segura.

A disposição do povo para enfrentar as dificuldades do seu dia a dia parece ser fortalecida com a religiosidade, pois milhares de mesquitas chamam o povo às orações cinco vezes ao dia através de alto-falantes.

Observa-se que o atual governo investe muito em infraestrutura, principalmente em metrôs, rodovias e na construção de uma nova Capital, iniciada em 2015, a 45 quilômetros de Cairo, no meio do deserto. A nova Capital terá apartamentos para até 6,5 milhões de pessoas, moradias acessíveis somente a famílias de classe média e alta. Os investimentos, conforme algumas fontes, já teriam ultrapassado os 40 bilhões de dólares. General Al-Sisi, o presidente no poder desde 2014, pretende construir ali o prédio mais alto do mundo, em forma de obelisco.

Tal como o Faraó Akhenaton, 14 séculos antes de Cristo, que abandonou Thebas (atual Luxor) e construiu uma nova Capital, o atual governo parece pretender também ficar na história pelas grandes obras. O governo de Akhenaton durou pouco, pois teve a heresia de abolir cerca de dois mil deuses e instituir um deus único e abstrato, o que ocasionou a rebelião dos sacerdotes.

O presidente Al-Sisi projeta construir dentro da nova Capital 1.250 igrejas cristãs e mesquitas, garantindo assim a pluralidade religiosa, o que afasta a possibilidade de um futuro governo fundamentalista islâmico. No entanto, críticas da população ao governo e à sua política, feitas em público ou pelas redes sociais, são de alto risco. Parece que cinco mil anos de história ensinam muitas lições, mas nem todos os governos gostam de aprender com a sua história.

(Viagem ao Egito organizada pela MVM Turismo de Curitiba, em outubro de 2022)

Perdeu os três primeiros artigos da série? Clique aqui e confira o primeiro, aqui o segundo e aqui o terceiro.

Por Urbano Mertz. Ele é engenheiro agrônomo, vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Agropecuário e vice-presidente do Conselho do Meio Ambiente, ambos de Marechal Cândido Rondon

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