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Tarcísio Vanderlinde

Sob a voz de muitas águas

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Depois de 20 anos voltei a ver e ouvir as Cataratas do Iguaçu. As últimas imagens que havia feito foram ainda com uma câmera tradicional. Está no museu agora. A revolução eletrônica foi brutal neste período. As câmeras se sofisticaram e se popularizaram.

A cada poucos passos na senda que margeia as quedas uma nova pintura viva. Ao caminhar por ela lembrei que interesses utilitaristas sepultaram um outro conjunto de cataratas no Oeste do Paraná muito admirado por visitantes até o ano de 1982. Trata-se das Sete Quedas, que ficava no Rio Paraná próximo à cidade de Guaíra. À época, havia um projeto de aproveitamento da capacidade energética do rio preservando as quedas. Mas quem ainda se importa com isso?

O Rio Iguaçu, que na sua apoteose enfeita o cenário das cataratas, nasce muito próximo ao mar, a Leste da cidade de Curitiba e atravessa o Estado do Paraná em direção ao Oeste. Nos seus 910 quilômetros rompe duas escarpas. Quem viaja pela BR-277 também as atravessa, uma próxima a Curitiba, outra próxima a Guarapuava.

O cenário sobre o qual se derramam as águas lembra um anfiteatro. Os degraus remetem a derrames basálticos ocorridos na região em tempos geológicos pretéritos. As águas continuam gastando o basalto e provocando um lento recuo das águas, coisa imperceptível durante uma existência humana. Se os dados do Mineropar estiverem corretos, neste tempo que deixei de visitar as Cataratas, elas recuaram uns 40 centímetros.

Há 500 anos, quando a equipe do explorador espanhol Cabeza de Vaca, a caminho de Asunción, topou com as quedas, deve ter visto um cenário muito parecido com o que ainda apreciamos hoje, mas elas estariam uns dez metros adiante. Embora este personagem conste nos livros como o descobridor das cataratas, é certo que o cenário era conhecido por humanos alguns milênios antes do explorador.

Os indígenas que viviam na região tinham inclusive uma narrativa para explicar o surgimento das cataratas. A lenda chegou aos nossos dias e continua sendo contada aos visitantes. Trata-se de uma história de amor entre o índio Tarobá e a índia Naipí numa época em que ainda não existiam as quedas.

Conta-se que Naipí, filha do cacique Ignobi, era muito linda e fora consagrada ao deus M’Boy que habitava o rio em forma de serpente. No dia da consagração Naipí fugiu com Tarobá de canoa pelo rio. Indignado, M’Boy provocou desmoronamentos no rio formando as cataratas.

Tragados pelas águas, Tarobá e Naipí caíram de grande altura. Tarobá foi transformado numa palmeira à beira do abismo e Naipí numa pedra açoitada constantemente pela grande cachoeira. Vigiados por M’Boy permanecem ali. Tarobá condenado a comtemplar eternamente sua amada sem poder tocá-la.

Neste estressado início de século, cada visitante vai tendo sua experiência pessoal ao se deparar com o cenário ímpar das Cataratas do Iguaçu: imagens e rugir impactante das águas. Em Ezequiel e Apocalipse aparecem fragmentos que comparam a voz de Deus à “voz de muitas águas”. Fui alcançado por estas metáforas nesta última visita.

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