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Geral ELEIÇÕES 2018

WhatsApp e mídias sociais revolucionam marketing eleitoral

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Aplicativo de troca de mensagens e internet sobrepujam meios tradicionais em 2018 (Foto: Divulgação)

As eleições de 2018 foram marcadas por uma guinada radical nas estratégias de marketing político, com a internet, as mídias sociais, e principalmente, os mecanismos de troca de mensagens assumindo o protagonismo na disputa eleitoral, em detrimento nas mídias tradicionais: rádio e televisão. A expressiva votação do candidato do PSL à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) e de seus apoiadores é a faceta mais visível deste fenômeno, que desafiou prognósticos de marqueteiros e cientistas políticos. Mesmo integrando um partido até então nanico, com representação mínima no Congresso, quase sem nenhum tempo no horário eleitoral, a legenda agora formará a segunda maior bancada na Câmara Federal, além de ter eleito bancadas representativas em todos os Estados.

No Paraná, os dois mais votados para as casas legislativas neste ano – Fernando Francischini (PSL) deputado estadual e Sargento Fahur (PSD) deputado federal – são fenômenos de engajamento nas mídias sociais. Nenhum dos dois investiu significativamente em campanha nas ruas ou no horário eleitoral. Em comum, eles tinham ainda “onda Bolsonaro” e a internet a seu favor.

Francischini superdimensionou sua popularidade através de sua página no Facebook. É o político paranaense com maior número de seguidores (1,6 milhão) na rede social. Fahur, por outro lado, surgiu após declarações excêntricas a emissoras de TV locais de Maringá, Noroeste do Paraná, onde costumava xingar bandidos e complementar a audiência de programas policiais. Suas declarações ganharam o Estado e o País após edições das reportagens serem publicadas no Youtube, Facebook e Instagram, onde milhões de pessoas puderam ter acesso e amplificar ainda mais o nome do político.

 

Lacração

Para além de suas páginas oficiais e paralelas nas mídias, ambos têm algo ainda mais poderoso em termos de alcance. Seus vídeos viralizam no WhatsApp, com declarações “lacradoras”, em que expõem suas conclusões absolutas, muitas vezes acompanhadas de chacota ou relação com outros assuntos. O que importa é que aquela mídia está ali, “lacrando”.

“O WhatsApp é a ferramenta do ano. As candidaturas alinhadas ao ‘case Bolsonaro’ ganharam o espaço. E, claro, um exército de multiplicadores. Em muitos anos, como jornalista e profissional da área, em não vi uma onda tão forte como essa”, afirma Marcelo Cattani, que trabalha há 30 anos com campanhas políticas no Paraná.

 

Audiência

Pesquisa mais recente realizada pelo Instituto Ipsos em 2016 estimou que 70% dos brasileiros tinham acesso à internet. Desse total, 69% afirmou que usava o celular como principal forma de navegar. Além disso, mais de 90% dos entrevistados declarou, na pesquisa, que acessar as mídias sociais é seu principal intuito quando entram na internet. O WhatsApp tem 120 milhões no Brasil em 2018, em um país que tem 147,3 milhões de eleitores. Praticamente todos os usuários do WhatsApp estão em ao menos um grupo que pode chegar a 225 pessoas.

“Uma pessoa que soube aproveitar a onda da internet chama-se Francischini. Ele foi o único, junto com os apoiadores dele, Sargento Fahur, que souberam pegar carona na onda Bolsonaro. Antes da campanha (marqueteiros) diziam ‘vamos pegar o publico de internet e resolve fácil’. Não resolve. O resultado está aí”, relatou um publicitário que trabalhou em campanha no Paraná, mas pediu para não ser identificado.

 

EM BAIXA

Audiência de rádio e TV tem queda recorde

Entre os candidatos ao governo do Estado não é possível dizer que a internet teve influência direta no resultado que deu a vitória a Ratinho Junior (PSD). Pelo contrário, o potencial de reverter a liderança do candidato ao longo da campanha é que foi inócuo, avaliam publicitários ouvidos pela reportagem. Coordenador de comunicação da campanha de Cida Borghetti (PP) à reeleição, Marcelo Cattani reconhece que não só ele próprio, mas as campanhas dos adversários não compreenderam como agregar resultado às plataformas disponíveis. “A gente apostou muito no impulsionamento. Mas neste ano nada teve impacto, nem emocional, nem racional. A gente tem que ter humildade de reconhecer”, admite.
Outro fenômeno observado foi a baixa influência do programa eleitoral. “Tivemos os índices mais baixos de audiência nos programas de rádio e TV. Todos os trackings (monitoramento) apontaram nada (de resultado)”, afirma Cattani.

 

Estudo de caso

As campanhas vêm uma derrota da campanha tradicional. Faltaria apenas que a teoria fosse adequada. “Com certeza muita gente vai fazer estudos técnicos e vai produzir literatura sobre isso. O próprio WhatsApp vai ter que se posicionar, mostrar os dados de tráfego, direcionamento. O TSE vai cobrar isso, até para poder entender como agir. As bancas jurídicas ficaram sem sabem como agir muitas vezes por falta de referência técnica”, avalia Cattani.

Em 2014, ano em que também houve uma atenção especial à internet nas campanhas, as mídias sociais tinham seu potencial reconhecido, mas em relação ao desgaste da imagem e não ao potencial de convencimento. “Fosse assim uma campanha poderosa como a de Alckmin conseguiria desconstruir alguma coisa. Aqui, João Arruda (MDB) (candidato ao governo) atacou muito e caiu. Não adiantou nada”, aponta. Outra constatação é de que o trabalho na internet não começa na campanha. Deve ser autêntico. “Agora, não adianta um candidato quadrado do nada querer ser o engajado na internet. Não é para qualquer um. Tem ainda os candidatos das causas. O Goura (PDT) (deputado estadual eleito) fez uma bela campanha nesse sentido. Flavio Arns (REDE) (senador eleito) é um bom exemplo também”, afirma.

 

VIRADA

“Case Bolsonaro” é nova “bancada da Latinha”

A “culpa” da substituição da mídia tradicional pela internet na campanha política não é apenas dos formatos de marketing, na avaliação dos profissionais da área. Segundo eles, há um sentimento de mudança na população brasileira responsável por parte da “teimosia” de ignorar os apelos publicitários tradicionais.“Foi uma eleição pedagógica. O país vive um momento de esgotamento com a classe política. Nada adianta”, avalia o jornalista Marcelo Cattani, coordenador de comunicação da campanha da governadora Cida Borghetti (PP).

A mídia não é apenas espontânea. Há indícios de políticos em ascensão que contrataram verdadeiros quarteis generais de produção de memes, vídeos editados, e, há quem diga, fake news. O próprio deputado federal Fernando Francischini (PSL) tem relação com uma empresa apontada por produzir esse tipo de material. Em maio, o portal UOL publicou que o político contratou a empresa Novo Brasil Empreendimentos Digitais, que administra as páginas no Facebook como MCC – Movimento Contra Corrupção (a maior delas, com mais de 3,6 milhões de seguidores), Juventude contra Corrupção, Juiz Sergio Moro – O Brasil Está com Você, Apoio ao Moro e Movimento Democracia Participativa, além do perfil oficial do ator Alexandre Frota na rede social e do canal Ficha Social, no YouTube, entre outros. “Me mostre uma fake news deles. São páginas que todos nós compartilhamos na direita”, desafia Francischini.

 

Paralelos

Para o cientista político Emerson Cervi é possível traçar paralelos na história. “Não podemos misturar meio com conteúdo e emissor”, afirma. Ele lembra que em outras oportunidades, quando a elite política tradicional estava desgastada, perfis pouco comuns na política ganharam espaço. “Nos anos 1980 e 1990 era comum radialistas e apresentadores se elegerem em grande número e com maiores votações. Era a chamada bancada da latinha. Passaram-se 20 anos e uma parte deles conseguiu se instituir como parte da elite política tradicional e outra perdeu espaço”, afirma.

Segundo Cervi, o novo momento de desgaste da política tradicional se adaptou aos meios disponíveis. “O que mudou é que esse perfil migrou em parte dos meios tradicionais para a internet. Assim, figuras desconhecidas na internet poucos anos atrás, como o Fahur, que ficou na suplência para deputado em 2014, depois que descobriu o youtube, se tornou mais conhecido e transformou isso em capital eleitoral. Na direção contrária, (Geraldo) Alckmin e (Henrique) Meirelles, identificados com a elite política tradicional, usaram todos os meios disponíveis, mas não tinham o que dizer para o eleitor. Não se trata de dizer que os meios tradicionais deixaram de ter importância. Trata-se de considerar que os meios não são maiores que os conteúdos e que quem os veicula”, pondera.

 

Com Bem Paraná

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