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Marechal Pescaria trágica

“Nasci de novo”, afirma rondonense salvo por pescadores

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Marlon Júnior Froehlich: “Estou em choque até hoje. Não consigo mais dormir, fecho os olhos e às 03 horas eu acordo. Mas, a sensação de encontrar meu pai, minha mãe, minha namorada e o pessoal que convive comigo é indescritível, só quem passa por isso para saber” (Foto: Joni Lang/OP)

Aos 24 anos, Marlon Júnior Fröhlich passou há duas semanas por uma experiência impactante, que, com toda certeza, deixou marcas para o resto de sua vida. Ele e seu irmão Marcos Eugênio Fröhlich, de 42 anos, ambos moradores do distrito de Novo Horizonte, Marechal Cândido Rondon, saíram próximo das 09 horas do dia 26 de julho para fazer aquilo que mais gostavam: pescar no Lago de Itaipu. No entanto, quisera o destino ou por força de circunstâncias que o dia agendado para ser de momentos felizes terminasse marcado por uma fatalidade.

Marcos, o irmão mais velho, estava de folga no trabalho, enquanto Marlon curtia dias de férias. Resolveram, então, inventar uma programação. Separaram pães, alimentos e latas de cerveja e água e partiram de Novo Horizonte em direção ao Arroio Guaçu, interior de Mercedes. “O dia que era para relaxar a cabeça e fazer o que nós dois gostávamos, pescar, contar piada e dar risada, terminou em uma tragédia”, relatou Marlon à reportagem de O Presente, referindo-se ao acidente ocorrido por volta das 16h30 do último dia 26. Enquanto Marlon foi resgatado são e salvo por pescadores após permanecer cerca de 24 horas agarrado a um tronco de árvore, por uma infelicidade o acidente que virou o barco resultou no falecimento de Marcos.

 

EXPERIÊNCIA

O jovem rondonense define tal experiência como a sua principal lição de vida. “Uma lição de vida foi o que eu passei naquele dia. A pior sensação que existe é imaginar que talvez você nunca mais vai voltar para casa, nunca mais verá seu pai, sua mãe e sua família. Foi simplesmente uma lição de vida, pois sei o que devo fazer diferente agora que estou de volta”, declarou, emocionado.

Marlon conta que até três anos atrás nem peixe comia, porém tomou gosto por pescaria incentivado pelo irmão, que a vida inteira foi fã da atividade. “Meu irmão conseguiu comprar um barco e me chamava para pescar, até que fui junto e peguei gosto pela coisa. Gostei tanto que de algum tempo para cá eu vinha pensando em comprar um barco. A gente gosta demais por ser um lazer que só estando em cima da água para saber a maravilha que é, pois você desestressa, a mente fica livre, enfim, é algo muito bom”, descreve.

Ele diz que em algumas ocasiões ele e seu irmão pescavam acompanhados de amigos, que seguiam em outros barcos, mas, na maioria das vezes, eram somente os dois parceiros de pesca. “Eu só ia no barco com o meu irmão e a gente pescava em Porto Mendes, no Guaçu, em Mercedes, e em outros locais no lado paraguaio do lago”, expõe.

O local do incidente que ceifou a vida de Marcos foi ponto de pesca dos irmãos entre 50 e 60 vezes. “Esse é um dos principais locais de pesca, dos preferidos do meu irmão, por ser próximo da cidade. Tranquilo, sem bagunça ou incômodo, onde dá bastante peixe, ou seja, é um lugar muito bom. De casa até o local dá uns 16 quilômetros”, comenta.

 

FATOS

Em relação à ordem cronológica dos fatos, Marlon detalha: “Nós saímos por volta das 09 horas do dia 16, uma quinta-feira, para pescar. Tinha muita neblina e um pouco de vento, mas fomos para a água. Quando entramos no lago era umas 09h30. Depois chegamos ao Bico da Pedra, onde pescamos até por volta de 13 horas, então meu irmão pediu se eu queria ir na Marca Zero, ponto que, segundo ele, poderia sair alguma coisa. Atravessamos com tranquilidade, pescamos e quando era umas 16h30 eu comentei com ele para retornar para casa, jantar, assistir ao jogo do Grêmio e ir à festa do município no show do Fernando e Sorocaba”, relata.

Mesmo com o dia gelado, os irmãos pescaram de dez a 12 corvinas e peixe barba-chata de 60 centímetros ou mais, os quais, limpos, dariam perto de três quilos. “A gente pescava por prazer e quando juntava bastante peixe chamava os conhecidos do meu irmão, reunia todos e preparava tudo de uma só vez”, menciona.

Marlon acrescenta que eles fotografaram os exemplares pescados, até que viram algo vermelho na margem paraguaia. “Chegando, vimos a boia que marca o rio, a corrente havia quebrado pois estava solta e imagino que a maré tenha levado a boia até a margem. Lá eu questionei se meu irmão queria levar a boia embora, então olhei para ele e vi que algo aconteceu, pois não respondia, de repente soltou o colete, daí soltou a chave do barco que estava no pulso, alcançou o colete para mim e disse: ‘não vou pilotar com o colete porque é muito ruim’. Nessa hora eu olhei para o ‘canalão’ e tinha bastante onda, e algo que ele sempre falava era de não atravessar quando tem onda, pois no meio forma onda de metro”, explica.

O jovem diz ter perguntado ao irmão sobre o perigo das ondas, quando Marcos citou que em alguns dias é mais tranquilo. “Quando saímos da barranca e fomos atravessar para retornar ao Brasil eu vi que ele acelerou o motor tudo o que podia, daí olhei para trás, mas não questionei. A manobra a ser feita é de quebrar a onda com o bico do barco, e eu vi que ele não começou a fazer essa manobra, então na primeira onda que pegou o barco passou por cima, mas a segunda onda virou o barco, então eu cai para um lado e ele para o outro”, relembra, acrescentando que foi tudo muito rápido. “Foram cerca de 30 segundos entre a retirada do colete e o acidente. Meu irmão retirou o colete e a gente saiu quando tinha bastante vento e estava nublado, mas não tinha neblina (serração)”.

 

ACIDENTE

Marlon relata que em torno de um mês e meio atrás, Marcos bateu a caminhonete em uma rotatória na sede rondonense. “Na época ele disse que dormiu e não se lembrava de nada, depois quando acordou a caminhonete estava batida e ele dentro”, relembra, emendando: “já no dia do acidente com o barco, quando a gente caiu na água, o rosto dele era de espanto. Eu questionava, mas ele não conseguia responder. O barco só jogou nós na água e voltou na posição, meu irmão caiu no lado direito e eu à esquerda do barco. Com as ondas descendo devido ao vento Sul, o barco deu a volta, então falei de pegar o barco e buscá-lo, mas ele gritou para eu abandonar o barco porque a gente deveria se salvar”, revela.

O jovem conta que abandonou o barco e se esforçou na tentativa de salvar seu irmão. “Ele estava sem colete, então cheguei perto, retirei as calças, sapatos e o casaco, mas ele não tinha forças e não conseguia nadar. Tentei salvá-lo, contudo, como só eu usava colete, nós dois afundávamos. Alguma coisa aconteceu porque a vida inteira ele (Marcos) conhecia a água como a palma da mão e nadava muito bem. Acredito em algo como um mal súbito. Aí seguiu até que uma hora ele afundou e eu não consegui segurar”, lamenta.

Para tentar se salvar, Marlon, que não sabe nadar, passou a bater os braços e as pernas, enquanto isso a maré o ajudava empurrando-o à margem paraguaia. “Do local onde o barco virou até o tronco onde me segurei e passei noite, madrugada e o dia todo dava uns 500 metros. Fiquei agarrado no primeiro tronco que enxerguei”, conta.

O rondonense lembra que retirou toda sua roupa, permanecendo apenas de cueca, camisa e colete, sendo que a água batia na altura da cintura nas cerca de 24 horas em que permaneceu agarrado ao tronco na água gelada do lago. “A certeza que eu tinha era de que se eu largasse o tronco nós dois iríamos morrer. Eu vi ele (meu irmão) afundar, então durante a madrugada rezei muito, e de madrugada vinha uma esperança de que ele pudesse se salvar, então eu gritava, chamava, mas ninguém respondia”, relata.

 

ESPERANÇA

Apesar de já ter pescado inúmeras vezes nesse e outros pontos do lago, Marlon, que não possui a experiência do irmão, considerado por ele como veterano na pesca, expõe que no momento desesperador em que ficou agarrado ao tronco e passando frio, não passou pela sua cabeça a possibilidade de desistir. “Tanto que fui achado às 16h30, mas eu não tinha noção do que acontecia em terra, se estavam procurando a gente. Talvez alguém poderia ter achado o barco e as coisas que estavam nele e levado embora, então quem chegasse poderia não ver nossas coisas. Eu não tinha ideia do que acontecia, a única coisa que eu não podia fazer era largar aquele toco, porque daí eu não sabia aonde ia parar”, revela. “Não pensei em desistir, mas uma hora pensei em nadar do toco onde estava até a margem paraguaia para chegar em terra firme, no entanto não tinha forças para isso. Devia dar quase um quilômetro do tronco até a terra firme na margem paraguaia e uns dois quilômetros até o Arroio Guaçu, o que era muito perigoso pelo desgaste”, amplia.

O jovem afirma que durante todo o tempo esteve convicto de seu resgate, entretanto receava que pudesse levar mais tempo do que de fato levou. “Eu não tinha noção de tempo. Por exemplo, quando os pescadores me acharam, eu pensava que era 10, 11 horas, então eu não tinha noção de tempo porque nublava, daí o sol aparecia, depois tinha neblina. Foi muito complicado, meu Deus do céu. Eu sabia que iriam me achar, mas não tinha ideia de quando”, declara, lembrando que em dado momento se preocupou em talvez não ser localizado vivo. “Um pouco antes de ser encontrado eu achei que talvez não fosse sair vivo, pois via os barcos me procurando, porém eu não tinha forças para gritar. Os barcos passavam perto, mas não me viam”, salienta.

Em relação a presenciar o episódio fatídico do irmão, Marlon disse que se lembrava de todas as pessoas que conhece. “Simplesmente passou um filme na minha cabeça. Com aquilo que passei em cima da água eu aprendi que não se pode fazer mal a ninguém e nem reclamar de nada. Posso dizer que tomei uma lição de vida, porque foi muito complicado. Só quem passa o que eu passei pode entender”, reafirma.

 

RENASCIMENTO

Acerca do sentimento vivenciado ao enxergar os pescadores vindo em sua direção para lhe salvar, Marlon enaltece que sente ter nascido de novo. “Foi muito difícil. Além de fome, tinha horas em que o sol era muito forte, então dava dor de cabeça e ânsia de vômito, eu não conseguia ficar com o olho aberto e só escutava. Uma hora quando o vento acalmou eu ouvi alguém dizer do meu lado direito: ‘ali tem alguma coisa’. Aí eu gritei e um cara falou o seguinte: ‘não se mexe que a gente está te vendo’. A hora que eles chegaram, quando eu subi no barco e soube que iria voltar para casa, aquela sensação foi ótima e eu dei graças a Deus. Daí mostrei para eles onde aconteceu o acidente, onde o barco virou, falei do meu irmão e eles disseram que encontraram o barco cinco quilômetros para cima, no trajeto de Mercedes a Guaíra, ainda em Mercedes”, conta.

“Eu nasci de novo, porque a sensação de abraçar a pessoa que você ama, também a sensação de saber que nunca mais verá o irmão… Acho que estou em choque até hoje. Não consigo mais dormir, fecho os olhos e às 03 horas eu acordo. Mas a sensação de encontrar meu pai, minha mãe, minha namorada e o pessoal que convive comigo é indescritível, só quem passa por isso para saber”, descreve.

Registro de Marcos Eugênio Fröhlich. Segundo Marlon, esta imagem foi registrada no dia 26 de julho, data do acidente que vitimou fatalmente Marcos: última lembrança dele (Foto: Divulgação)

 

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