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Marechal Número alarmante

PM rondonense registra 1,8 mil casos de violência à mulher em dez anos

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Comandante da 2ª Cia de Polícia Militar, capitão Valmir de Souza: “A percepção do que é violência está fazendo com que as mulheres possam acessar cada vez mais as autoridades policiais e judiciárias para a defesa dos seus direitos e integridade física” (Foto: O Presente)

 

A construção de comportamentos legitimados socialmente para homens e mulheres cria e perpetua espaços para que as violências aconteçam sempre que uma pessoa não se encaixa nos padrões esperados. Diferenças assim são transformadas em desigualdades e não em pluralidade. “Infelizmente, a violência é algo presente na nossa cultura e se tornou algo que acontece rotineiramente. Não é hoje a grande maioria, mas acontece todos os dias. Além disso, a percepção do que é violência está mudando para as mulheres, fazendo com que elas possam acessar cada vez mais as autoridades policiais e judiciárias para a defesa dos seus direitos e integridade física”, afirma o comandante da 2ª Companhia de Polícia Militar (PM), capitão Valmir de Souza.

Com 198 ocorrências de violência doméstica registradas pela PM em 2017 e 142 de janeiro a novembro deste ano, Souza comenta que as situações de agressão englobam as mais diversas circunstâncias. “Temos desde briga de pessoas que estão embriagadas, tanto homem quanto a mulher, situações de violência em que o homem está enciumado e situações em que o homem tem o sentimento de possessão em relação à mulher, então e uma gama de situações”, destaca.

Apesar das causas e circunstâncias em que a violência acontece serem muito amplas e variadas, ele menciona que na grande maioria dos casos atendidos pela PM há a presença do álcool na relação homem x mulher. “O álcool não é um desencadeador, mas, sim, um potencializador da violência. Ele corrobora para um nível maior de violência, tendo em vista que libera os freios morais, principalmente dos homens em relação ao seu potencial poder físico diante da mulher”, pontua o comandante.

Souza avalia os dados obtidos no ano passado e neste ano e diz que os índices se mantiveram estáveis, não apresentando diminuição acentuada, nem mesmo um aumento diferenciado. “Podemos analisar que a questão da violência doméstica precisa ser trabalhada no âmbito cultural. As pessoas possam entender tanto o lado feminino como o masculino, e que essa percepção de que a violência é uma medida para a resolução de problemas não é o adequado. As discussões orais são presentes em um relacionamento, mas é importante mudar a concepção de que violência é um remédio para a solução dos problemas”, expõe.

Na comparação com anos anteriores, o comandante da PM reconhece que hoje as mulheres estão denunciando com maior ênfase as situações de violência. “Mas, por outro lado, teria que ser feita uma análise mais profunda, vendo se elas estão realmente denunciando ou não denunciam por conta de entenderem que o resultado da denúncia não será favorável a elas e que não traz um resultado prático para a resolução do problema”, salienta.

Na visão de Souza, também é importante verificar em muitas situações qual o problema que a mulher passa naquele momento por conta da violência doméstica. “Falta de dinheiro, por exemplo, uma relação em que há a falta de alguns bens que ela possa necessitar; falta de afeto, ciúmes por parte do companheiro. Enfim, se questionar quais são os problemas que levam a essa violência?”, propõe.

Por conta disso, o comandante reitera que cada uma das situações atendidas pela PM carece de uma análise muitas vezes particular para se entender todo o quadro. “Claro que uma análise global dos dados nos dá uma dimensão do que vem acontecendo para que possamos atuar, mas uma resposta pronta para cada caso é difícil. As situações que temos no dia a dia não podem ser pontuadas como sendo oriundas de um único problema e que, logo, tem uma única resolução”, diz.

 

Concepção de violência

Sob diversas formas e intensidades, a violência contra as mulheres é recorrente e presente no mundo todo, motivando crimes hediondos e graves violações de direitos humanos. Mesmo assim, frases como “o que você fez para ele te bater?”, “Por que você não denunciou da primeira vez que ele te bateu?” ou “Ela provocou” são amplamente repetidas, responsabilizando a mulher pela violência sofrida e minimizando a gravidade da questão.

“Há que se entender o que é violência doméstica para cada pessoa. Um empurrão ou falar alto é violência? Muitas vezes segurar de uma maneira mais forte pode ser violência e para a mulher pode não ser. Um tapa ela também pode entender como não sendo violência, em que pese seja”, aponta Souza.

O argumento do comandante vai de encontro aos constantes questionamentos do porquê uma mulher às vezes demora vários anos para denunciar a violência sofrida. “Ficar muitos anos na situação pode ser pelo fato de que muitas mulheres não perceberem a violência em si e acha que é um ato normal, muitas vezes motivado pelo fato de já ter sofrido essa violência quando era criança, e hoje também trata assim os seus filhos, por exemplo. Para a mulher talvez seja um ato normal, mas para quem vê de fora entende que é um ato de violência”, salienta. “Fazemos essa análise dos outros por nós mesmos, sendo que muitas vezes também estamos em relações doentias, mas aceitamos e mascaramos a realidade”, complementa.

Ele ainda ressalta que para compreender os motivos de uma mulher passar tanto tempo por isso é preciso entender como ela percebe tudo o que acontece com ela e a sua volta. “Ela pode sofrer por anos, mas chega num determinado momento em que ela percebe que não é certo e que precisa ser denunciado. Quando sofre violência pela primeira vez, a vítima costumar pensar que foi apenas aquele momentoe que o companheiro vai mudar, mas isso não acontece e ela percebe que precisa denunciar antes que algo mais grave aconteça”, comenta.

 

Faixa etária

A faixa etária mais suscetível a sofrer violência ou agressão em Marechal Rondon vai dos 35 aos 45 anos, de acordo com um estudo realizado entre 2007 e 2017. No decorrer desses dez anos, mulheres dessa faixa etária somaram 789 dos casos registrados, seguido dos 18 aos 24 anos, com 559 casos, e 46 a 60 anos, com 477 casos. “E a faixa etária dos agressores é em média de 28 anos. A maioria dos agressores nesses dez anos de pesquisa tinha essa idade”, destaca Souza.

 

Preparo policial

É imprescindível que os agentes de segurança que trabalham com a temática da violência doméstica entendam no que consiste a violência de gênero, tendo como foco as desigualdades enfrentadas. “O policial precisa ouvir muito, compor a relação que está presente na ocorrência. Assim como há situações em que violência doméstica existe e a pessoa não percebe, também há situações em que não há e a pessoa imagina que existiu. Claro que em um volume menor, mas acontece”, diz Souza, acrescentando: “O policial militar precisa ter essa percepção grande, entender a fragilidade das pessoas envolvidas, principalmente da mulher e quando há crianças envolvidas, e agir de forma isenta para não prejudicar o acusado ou a vítima”.

 

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