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Marechal 50 anos em sala de aula

Professor rondonense dedica meio século de vida à educação

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Joel Weçolovis, de 68 anos, completou, em março deste ano, cinco décadas de histórias diárias, desafiantes e inspiradoras na construção da educação e de toda uma trajetória de conhecimento e dedicação ao ensino público e particular de Marechal Rondon (Foto: O Presente)

 

Fevereiro de 1970: o professor segura o lápis na mão do aluno para ajudá-lo a escrever as primeiras letras. Fevereiro de 2019: o aluno chega à escola já usando o tablet com completa naturalidade. As transformações ocorridas nestes 50 anos em sala de aula e no comportamento dos estudantes foram acompanhadas de perto pelo professor Joel Weçolovis.

Em março deste ano, ele completou 50 anos de magistério em Marechal Cândido Rondon. São cinco décadas, meio século. Independente da forma de contar o tempo, o que importa são suas histórias diárias, desafiantes e inspiradoras na construção da educação e de toda uma trajetória de conhecimento e dedicação ao ensino.

Hoje com 68 anos, Joel cultiva acesa na memória a lembrança de quando viu pela primeira vez um quadro e carteiras organizados no ambiente de uma sala de aula. A primeira vez em que entrou nesse local sem ser um aluno, mas, sim, na condição de professor. Em meio às memórias, um sorriso e um olhar emocionado deixam escapar que a saudade existe. Junto a isso, um sentimento de orgulho do jovem que, com 19 anos, começou a seguir sua vocação.

A escolha pelo magistério surgiu em 1967, quando Joel estudava no Colégio Agrícola Estadual Augusto Ribas, de Ponta Grossa, cidade onde morava com os pais Ceslau Weçolovis e Ella Elisa Weçolovis. À época, o jovem Joel, ao invés de aproveitar seus dias de folga, resolveu fazer um curso de Didática para professores do Ensino Agrícola do Estado. Ali começava sua trajetória na educação e a paixão pelo ensino. “Trabalhando com a didática, o professor disse que eu tinha uma sensibilidade para fazer a motivação, ou seja, o início da aula. Nunca começar direto com a matéria, mas antes envolver os alunos com o assunto e, quando eles estiverem atentos, seguir com o conteúdo. Quando o professor disse que eu tinha qualidade para fazer isso, desenvolveu em mim a capacidade e a vontade de começar no magistério”, conta Joel.

Após três anos de estudos, ele conquistou suas primeiras profissões: técnico agrícola e professor de Ensino Básico Agrícola, ambos concluídos em 1969.

Joel veio para Marechal Rondon em 1970, já com proposta de trabalho no Colégio Rui Barbosa. Nessa época começou a estudar Ciências e Matemática na Fundação Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Cascavel (Fecivel), precursora da hoje conhecida como Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), e seguiu por um ano e meio quando então desistiu motivado pela difícil locomoção no trajeto e falta de estradas.

Na sequência, surgiu oportunidade para estudar em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e continuar o mesmo curso, onde se formou. Ainda em Curitiba, realizou um concurso para Técnicos Agrícolas com atuação em Escolas Agrícolas do Paraná.

Mais tarde, porém, retornou a Marechal Rondon com nova proposta de trabalho novamente no Colégio Rui Barbosa. Quando recebeu o resultado da aprovação no concurso, Joel procurou entendimentos junto ao Estado para viabilizar um convênio a fim de poder lecionar no colégio rondonense, pois o mesmo dispunha de área e máquinas agrícolas. Desta forma, o professor lecionou Ciências e Práticas Agrícolas, incluindo manejo de trator e cultivo da terra.

Como à época a maioridade era atingida com 21 anos, o pai de Joel precisou assinar uma autorização em que ele se responsabilizava pelos atos e condutas do jovem filho professor em sala de aula.

Já em março de 1971, Joel ingressou no serviço público estadual e passou a lecionar no Colégio Estadual Eron Domingues. Ao longo de sua trajetória também passou por outros educandários, como o Colégio David Carneiro, Cristo Rei e Martin Luther, além do extinto Ginásio Padre Montoya, de Quatro Pontes.

Somente os colégios particulares do município somaram 35 anos de trabalho na vida docente do professor.

 

Professor Joel preparando aulas no Laboratório de Ciências do Colégio Rui Barbosa no ano de 1970 (Foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

 

SALA DE AULA

Joel conta que no início da docência lecionava apenas para turmas do Ensino Fundamental, naquele tempo de 5ª a 8ª série, e depois passou a atuar no Ensino Científico. Mais tarde lecionou apenas para o Ensino Médio, sendo também cotado para lecionar no Ensino Superior pela Unipar em Guaíra, mas recusou.

Em sala, a figura de Joel era rígida, exigente, séria e competente. “Eu estudava muito e uma coisa que eu sempre buscava fazer era trazer conteúdos da vida prática para dentro da sala de aula. Isso fez com que eu ganhasse disciplina, atenção e respeito. Eu falava coisas que os alunos entendiam, não era teoria desligada da vida real”, destaca.

Para ele, é motivo de orgulho ter lecionado para mais de dez mil alunos no decorrer dos 50 anos de magistério. “Cinco prefeitos de Marechal Rondon foram meus alunos, além de deputados, médicos e outros que estão aqui até hoje. Tenho vários professores que foram meus alunos e que hoje já estão aposentados”, expõe. “O que fica desse período é a gratidão de ter desenvolvido para eles, para as famílias e para a sociedade cidadãos melhores, com uma qualidade de vida melhor para todos”, frisa.

O sentimento, afirma Joel, é de dever cumprido. “Quando vou em algum lugar público e reencontro ex-alunos, pessoas de mais idade, com filhos e netos estudando, vejo que sou parte dessa história”, salienta. “Muitos ainda dizem que sentem pelo fato de não terem tido mais professores com exigência e qualidade para atuarem nas salas de aula como era no passado”, completa.

Apesar de ser uma profissão desafiadora, provida de uma missão que exige preparação, conhecimento, dedicação e coragem, Joel considera que o seu trabalho desenvolvido com os alunos sempre foi fácil. “Nunca levei um aluno para ser advertido. Sempre tratei a indisciplina dentro de sala de aula. Os alunos me tratavam bem pela forma com que eu trabalhava com eles”, ressalta, acrescentando: “A dificuldade que encontrei era sempre na questão de concorrer ao número de aulas que eu desejava, porque no passado não tinha regulamento para ser professor e conseguir certo número de aulas”. Além disso, ele considera que no passado era muito mais fácil ser professor devido à aceitação. “O professor tinha autoridade, era muito mais respeitado, e esse respeito fazia com que os alunos da época aceitassem. Não tinha palavrão em sala de aula. Comparando nesse sentido, hoje é um sofrimento lecionar”, afirma.

 

APOSENTADORIA

Se antes Joel era um professor rígido e exigente, hoje ele se define como uma pessoa grata a Deus por tudo que recebeu. Mesmo após se aposentar, em 2006, com 37 anos de docência, seu fascínio pelo ensino não o permitiu ficar fora das salas de aula.

Três anos antes, em 2003, ele fez um novo concurso e passou em 1º lugar para continuar lecionando no Colégio Estadual Eron Domingues. Sua saída oficial da docência aconteceu somente em 2010. Desde então, ele continua ligado ao ambiente escolar, sendo responsável, entre outras, por atividades no âmbito administrativo.

Contudo, agora, o objetivo de Joel é desacelerar a rotina e, em suas próprias palavras, viver um pouco mais. “Quero curtir meus netos, minha casa, quintal, família, viajar e conversar com as pessoas”, comenta.

O professor é casado desde 1975 com Ledi Krummenauer e tem dois filhos, Marcelo Weçolovis e Rosângela Weçolovis, além de quatro netos. Um fato que chama atenção é que Ledi, Marcelo e Rosângela foram alunos de Joel.

 

Primeira turma do Colégio Rui Barbosa a ter disciplinas Agropecuárias em seus currículos (Foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

 

SEDE DE CONHECIMENTO

A vida de Joel sempre foi marcada pela dedicação aos estudos e ao ensino. Além da formação em Técnico Agrícola, Didática e Ciências e Matemática, ele traz em seu currículo os diplomas em Biologia pela Fundação Universidade Cornélio Procópio, Agronomia pela Unioeste de Marechal Rondon e Direito pela Universidade Paranaense (Unipar) de Toledo. É pós-graduado em Educação Ambiental pela Unicamp (SP) e Unicentro (PR), mestre na mesma área e doutor em Educação pela Universidade Politécnica e Artística de Assunção.

“Minha intenção era trabalhar com auditorias ambientais, mas comecei a observar o mercado e vi que o profissional da área não era reconhecido, então resolvi permanecer no magistério, que já me encantava e pelo qual tinha paixão. Mas esses cursos enriqueceram as minhas aulas e a minha formação enquanto professor”, evidencia.

Os novos cursos e graduações foram feitos em paralelo com as atividades docentes de Joel, que, para ele, é uma forma constante de estudos. “Comecei a estudar com sete anos e parei aos 54 (anos)”, diz.

 

Momentos mais marcantes da vida de Joel, mais do que nas lembranças, estão registrados em álbuns, que, hoje, já compõem mais de dez volumes (Foto: O Presente)

 

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

Diante de uma trajetória densa e memorável, relembrar a história é ver um filme passar em sua cabeça. Os momentos mais marcantes da vida de Joel, mais do que nas lembranças, estão registrados em álbuns, que, hoje, já compõem mais de dez volumes. É através deles que o professor olha para o seu passado e relembra o caminho percorrido até os dias atuais. São imagens, documentos, diplomas, pedaços singelos de papéis. Todos de grande valor sentimental. “São os meus momentos. Rondon tinha somente duas quadras de asfalto quando eu cheguei aqui. Então eu vi o município crescer no sentido econômico e social. As famílias na época tinham um tripé na sociedade: igreja, escola e família”, conta.

Protagonista do crescimento do município, Joel também vivenciou a evolução e, em sua opinião, também o retrocesso da educação. “Principalmente na questão de disciplina, ordem e busca. No passado os alunos estudavam porque queriam, não eram obrigados por lei. Hoje o aluno é obrigado por lei a ir para a escola. Ou seja, havia interesse, busca de formação e conhecimento nos alunos, pais e professores. Isso hoje não existe mais com intensidade. São alguns alunos que buscam esse objetivo de se formar e ter uma qualidade de vida melhor”, lamenta o professor.

Sobre a formação atual de professores, Joel reconhece uma situação de crise. “Se for procurar professores nas áreas de Química, Matemática, Biologia, não tem candidatos. As pessoas não querem, quer seja pela dificuldade da disciplina ou pela dificuldade em se formar para lecionar”, considera.

Ele ainda chama atenção para o fato de que os novos professores precisam se formar com novas didáticas e possibilidades de desenvolver os conteúdos. “E as faculdades estão com problemas nesse quesito. Não estão ofertando didática atual para o professor trabalhar. Esse é um dos grandes problemas que temos para quem vai iniciar o magistério e trabalhar nessas áreas”, finaliza.

 

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