Fale com a gente

Marechal O solo na escola

Projeto da Unioeste convida crianças a descobrirem o que acontece sob os nossos pés

Iniciativa do curso de Licenciatura em Geografia apresenta de forma lúdica o recurso finito e fundamental para a vida

Publicado

em

(Foto: Divulgação)

“Eu achava que o solo simplesmente tinha aparecido aqui”, exclama Davi, um garoto de 12 anos. Parece mágica, Davi, mas não é bem assim: a natureza tem seu próprio tempo. A ansiedade que cultivamos atualmente não está muito acostumada com isso, mas há processos que não podem ser mudados. 10 centímetros de solo, por exemplo, levam mais de 2 mil anos para serem formados – são dois séculos de um trabalho silencioso, meticuloso e fundamental para que a vida no planeta Terra seja possível. Apesar de estarmos sobre ele o tempo todo, há pouca preocupação com esse recurso finito.

“Eu achava que o solo simplesmente tinha aparecido aqui”

Davi é aluno do 7º ano do Colégio Estadual Monteiro Lobato, de Marechal Cândido Rondon. A percepção dele sobre o solo, agora, já é outra. “Eu entendi que ele é fruto da decomposição das rochas, com ajuda do clima e de outros fatores”, detalha. O aprendizado levado para a vida veio de um projeto de extensão “O solo na escola”, desenvolvido pelo curso de licenciatura em Geografia da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) no campus de Marechal.

O projeto iniciou as suas atividades, com o caráter permanente, no ano de 2017. Nele são realizadas tutorias de apoio teórico-metodológico e prático para a comunidade escolar, tendo como objetivo destacar a importância socioambiental do solo, no campo e na cidade.

Nós e o solo, uma relação conturbada

“O solo na escola” é coordenado pelos professores Vanda Moreira Martins e Mateus Marchesan Pires. Ambos são geógrafos, mas com linhas de atuação bem diferentes: Vanda é doutora em Solos e Nutrição de Plantas pela USP, com um viés mais prático; enquanto Mateus é mestre (Unioeste) e doutor (UFG) em Geografia, com ênfase no ensino da disciplina. Foi o casamento perfeito entre a experiência da pesquisa sobre solos com a didática adequada para que o conhecimento pudesse ser absorvido por professores e alunos.

“Estamos pisando no solo o tempo todo, fazemos as nossas atividades sobre ele, os nossos alimentos vêm dele”, destaca o professor Mateus, explicando a motivação para levar esse aprofundamento à sala de aula. É também uma tentativa de aproximação de uma geração que não tem pisado muito na terra. “Em um dos nossos encontros, um aluno chegou a me dizer que não tinha solo na cidade”, comenta Vanda, mostrando a distância entre as crianças e o tema. Aqui ela também já desmistifica uma questão: “terra não suja, pigmenta”.

A relevância do assunto se contrapõe à falta de cuidado com o recurso: são milhares de anos para a formação de uma pequena porção de terra, mas a degradação é ligeira. É uma conta que, em algum momento, pode não fechar. “Há o uso do solo como se fosse algo que não acaba, mas ele é um recurso finito assim como a água. A mecanização da agricultura e o uso de agrotóxicos de forma desmedida estão acelerando esse processo”, relata Vanda.

Como se ensina sobre o solo na escola?

O projeto tem dois públicos: os alunos e os professores. A ideia é que com a ajuda de materiais didáticos diversos, elaborados pela equipe do projeto, o processo de ensino e aprendizagem se torne mais significativo e lúdico, assim a compreensão do tema fica muito mais fácil. Há duas formas de atendimento: itinerante, com o deslocamento do grupo e os materiais até as escolas, e no laboratório do curso na Unioeste.

As mãos das crianças penetram, com curiosidade, nos recipientes levados para as aulas. Os diferentes tipos de solos, rochas e minerais são apalpados e ali um mundo de descobertas se abre. “O quartzo, por exemplo, que tem uma forma reta, parece que foi cortado à mão, mas na verdade foi a própria natureza que fez esse trabalho”, revela Davi, cheio de entusiasmo pelo aprendizado adquirido.

A exploração também acontece pela fauna edáfica. O nome é esquisito, mas com certeza você já viu os seus integrantes por aí: a formiga, o cupim, o besouro rolador, o tatu bolinha, as aranhas e as minhocas – pequenos animais que têm como principal função a decomposição da matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes presentes no solo. “Os próprios acadêmicos do projeto reproduziram a fauna do solo com feltro. Assim, fica mais simples de explicar e mais fácil de encantar os alunos”, descreve Mateus.

Na região dos “pés vermelhos”, a oficina não poderia escapar de explicar a tonalidade das terras da região Oeste. “A nossa terra é vermelha por conta da formação por rochas magmáticas/vulcânicas, que são rochas escuras, pretas. Os minerais presentes nas rochas são ricos em ferro. Quando o ferro oxida, ele fica vermelho, daí a origem do solo da região”, explica Vanda.

Com muita dedicação, a barreira que existia entre os alunos e o tema vai sendo desmontada e eles vão encontrando conexão com o solo e o seu dia a dia. “Meu avô planta e meu pai e padrinho o ajudam. Eu gosto de ajudar também, estar por perto. Antes da tutoria, eu não sabia o que era solo compactado, agora eu sei que é um solo onde já passou muita coisa em cima, já está mais duro”, declara Victor, aluno do 7º ano do Colégio Estadual Marechal Rondon.

Uma lacuna preenchida

O projeto pode atender alunos de diferentes segmentos, mas em 2022 tem um foco. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Marechal Rondon, o projeto atenderá todas as turmas do 3º ano do Ensino Fundamental – anos iniciais do município e dos distritos. Serão quase mil alunos até agosto deste ano.

A escolha pelo 3º ano do Ensino Fundamental tem uma explicação: a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que define os conteúdos na educação básica, tem como um dos temas o ensino dos solos exatamente para esse público. Porém, há um descompasso entre o que é a exigência e o que é possível ofertar em sala de aula. “Os professores que atuam com esse público têm formações diversas e têm que trabalhar esse conteúdo, mesmo com a formação em outra área de licenciatura. Fomos ao encontro da necessidade dos professores, também tirando as dúvidas deles”, declara Mateus.

No caso do Ensino Fundamental Anos Finais, quando as ações também são aplicadas, a formação específica dos professores existe, mas o suporte oferecido pela formação paralela é um ganho a mais de conhecimento oferecido aos alunos. “Projetos como este, em parceria com instituições que disponibilizam apoio profissional sobre um determinado tema, enriquecem o conteúdo que é oferecido aos alunos no ensino básico, tornando-o mais significativo. Ademais, para além da aula, os estudantes têm a oportunidade de receber este conteúdo através de outras formas de mediação, facilitando a apreensão do conhecimento. Outro fator importante é a aproximação do ensino básico com o ensino superior, podendo despertar ainda mais o interesse de alguns alunos pela continuação dos estudos, de ter uma formação acadêmica, de almejar algo construtivo para o seu futuro”, elogia a professora de Ciências, Lilian Bortoluzzi.

Os futuros professores de Geografia

Nessa relação ganha-ganha, faltou citar mais um grupo beneficiado com a iniciativa: os acadêmicos de Geografia. Eles são os braços direitos dos professores na condução do projeto, colaborando na elaboração dos materiais e na apresentação nas escolas.

Arthur Vinícius da Rocha Soares é acadêmico do 4º período e foi arrebatado pelo projeto antes mesmo da faculdade. “Participei de um atendimento do projeto no meu colégio em Santa Helena, no ano de 2019. Até então, nunca tinha tido contato direto com o conteúdo de solos e fiquei encantado com tudo o que foi apresentado. Após ter ingressado na universidade, recebi um convite feito por um de meus veteranos na época para participar do projeto e quando descobri que era o mesmo projeto no qual eu tinha participado como aluno, prontamente aceitei”, conta.

Ketlyn Dickel, estudante do 4º período do curso, se considera uma “menina de apartamento”. Nunca teve muito contato com a terra e tem visto no projeto uma oportunidade de se conectar com esse recurso tão precioso. “Aprendi muito e sei que ainda vou aprender muito mais, sobre como lidar com os alunos, como eles aprendem e com isso perceber as diferentes formas de ensinar. Não precisa ser apenas pelo método tradicional, às vezes, ao ‘colocar a mão solo’ eles aprendem muito mais”, destaca.

“Os atendimentos estão sendo muito satisfatórios, pois, primeiramente há interesse, curiosidade, entusiasmo e até um sentimento de surpresa por parte dos alunos em relação aos conhecimentos, experimentos e as atividades sobre o solo e a sua importância para as nossas vidas. Um momento muito marcante para mim foi quando um aluno escreveu na folha da atividade de pintura com tinta feita de terra: ‘eu <3 o solo’”, pontua Gustavo Strapassoni de Souza, aluno do 4º período de Geografia da Unioeste.

Atendimentos

As instituições que desejam receber o projeto na própria escola ou realizar a visita na Universidade podem entrar em contato através do telefone (45) 99951-2751, ou pelo e-mail solonaescolaunioestemcr@gmail.com. Também podem acessar a página do Instagram @solo.naescola, onde são compartilhados conteúdos e materiais educativos.

“O solo está sempre enterrado, embaixo do concreto, do asfalto, e as pessoas não percebem isso. Não cuidamos do solo direito. Conhecer o solo e respeitá-lo é exercer a cidadania”, finaliza a professora Vanda.

Produzido por: Colabore-se Sicredi

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente