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Havan “balança” frente à confirmação de lojas francas na região

Com a possibilidade de desnacionalizar produtos e vendê-los sem a carga tributária brasileira, empresários brasileiros, paraguaios e a rede de megalojas que projetava instalação em Marechal Rondon preocupam-se com os possíveis impactos no comércio regional

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Foto: Arquivo/OP

Ao passo em que o Poder Público de Guaíra projeta crescimento para a economia local, desenvolvimento do turismo e melhorias na infraestrutura do município para receber turistas e investidores brasileiros e paraguaios, comerciantes locais, regionais, autoridades políticas e de associações ligadas ao comércio, além da rede de megalojas que projetava instalação em Marechal Cândido Rondon, têm se preocupado com os impactos negativos que as lojas francas podem trazer para o Oeste.

Para o vice-presidente dos Núcleos Setoriais da Associação Comercial e Empresarial de Marechal Cândido Rondon (Acimacar), Roberto Afonso Thomé (Beto), um dos principais aspectos negativos da instalação das lojas francas está no enfraquecimento do comércio local na qual as empresas no regime duty-free shop passam a atuar. “Se pegarmos como exemplo uma loja de cama, mesa e banho que vende produtos brasileiros, ela não vão conseguir competir com lojas francas. A loja franca pode comprar esse produto produzido no Brasil e se a indústria fizer a exportação ficta, que é só no papel, o produto entra na loja franca como importado, livre de carga tributária”, explica.

A exportação ficta citada por ele é uma operação de venda de produtos nacionais sem que ocorra a saída da mercadoria do território brasileiro, a chamada “desnacionalização”. “À medida em que as lojas francas trazem benefícios para a cidade, também trazem muitos malefícios ao pequeno comerciante, que não conseguirá concorrer com este tipo de empresa”, opina.

Vice-presidente de Núcleos Setoriais da Acimacar, Roberto Afonso Thomé (Beto): “Na medida em que as lojas francas trazem benefícios para a cidade, ela também traz muitos malefícios ao pequeno comerciante, que não conseguirá concorrer com este tipo de empresa” (Foto: Mirely Weirich/OP)

 

Quanto aos produtos importados, Beto avalia que o novo regime pode ser benéfico, tendo em vista que o comércio brasileiro já trava uma batalha direta com o Paraguai. “Mas teremos uma competição forte com os produtos desnacionalizados. Um vinho, por exemplo, que tem cerca de 60% de impostos, ou perfumes importados, que chegam a 259%, nas lojas francas não serão taxados”, analisa.

Beto também pontua que os grandes investidores paraguaios já contam com o know how de importação, por isso, podem abrir uma loja franca no Brasil e trazer seus produtos para cá de forma consignada. “Eles não precisam comprar os produtos porque já têm na loja paraguaia, então durante os dois anos se os produtos não for vendidos, ela vai repatriá-los para o Paraguai”, diz. “Acredito que muitas lojas fortes do Paraguai devem vir para Foz e Guaíra”, assinala, relembrando os apontamentos feitos pelo superintendente regional da 9ª região fiscal da Receita Federal, Luiz Bernardi, e pelo delegado da Receita Federal, Rafael Rodrigues Dolzan, durante evento realizado neste mês em Foz do Iguaçu sobre os impactos das lojas francas. “Essas megalojas já têm conhecimento de importação, estrutura financeira e a importação no Paraguai é mais rápida e com menores taxas do que no Brasil”, comenta.

 

Pé atrás

Há mais de seis meses negociando a instalação em Marechal Cândido Rondon, a regulamentação das lojas francas em Guaíra “balançou” a decisão da Havan em abrir as portas no município. De acordo com o vice-presidente dos Núcleos Setoriais da Acimacar, apesar de o contrato da área em que a megaloja iria se instalar no município estar pronto para ser assinado, o setor financeiro da empresa “pisou no freio”. “Não é uma questão da Havan não se instalar em Marechal Rondon e ir para Guaíra, o grande problema é se a empresa não vir para cá”, avalia Beto.

Pela proximidade do município com a cidade-gêmea de Salto Del Guairá, a Havan teria dificuldades em competir com as lojas francas. “A Havan tem muitos produtos importados, então trabalhar com importação não é um problema. A grande questão está na desnacionalização de itens, algo que ela não pode fazer porque não é loja franca”, diz. “O mesmo produto que vendem, produzido no Brasil, eles estimam que, na loja franca, terá em torno de 40% de diferença e isso impacta bastante”, complementa.

Beto pontua, no entanto, que a Havan ainda não se posicionou negativamente quanto à instalação em

Marechal Rondon e que acredita na vinda da empresa para o município. Por outro lado, a megaloja ainda avalia o impacto das lojas francas para a região. “Por isso é importante que os demais municípios, empresários e lojistas estejam preparados porque ainda não sabemos quando essas lojas francas começarão a atuar e quanto impactarão no comércio”, conclui.

 

Concorrente do comércio

O presidente da Associação Comercial e Empresarial de Entre Rios do Oeste (Acier), Alexandre Stein, avalia que para a microrregião Oeste as lojas francas também devem trazer impactos significativos. “Já temos no Paraguai um grande concorrente do comércio, então Guaíra será uma nova possibilidade para os clientes adquirem seus produtos com preços mais atrativos. Além disso, eles passarão a oferecer algo que em municípios menores nem sempre há, que são mais opções de lazer e turismo”, salienta.

Na visão de Stein, os empresários deverão sair da zona de conforto e se reinventar para manter seus clientes. “A criatividade fará a diferença, especialmente em uma época em que as lojas já estão dentro de casa, com o e-commerce. O que vai prevalecer quando as lojas francas entrarem em atividade é a criatividade para que o comércio tradicional não perca”, entende.

 

Carga tributária

Para a presidente do Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu e prefeita de Mercedes, Cleci Loffi, a instalação de lojas francas em cidades-gêmeas é um grande salto para o desenvolvimento econômico de Guaíra, por outro lado, ela opina que haverá um impacto para o comércio regional, que precisará se adaptar à nova realidade. “A loja franca favorecerá o desenvolvimento do lado brasileiro porque movimentará significativamente a economia das cidades que aderirem a este novo modelo, por outro lado, temos que pensar que quanto mais cidades no Brasil adotarem esse sistema, menor será a arrecadação de impostos, o que pode impactar na economia nacional”, pontua.

A gestora cita que hoje são apenas quatro municípios no Paraná e 32 em todo o Brasil, entretanto, se o número aumentar significativamente, serão muitos tributos a menos gerados pelas empresas e, consequentemente, diminuirá a arrecadação de impostos, reduzindo a geração das receitas nacionais. “Tem o bônus e o ônus, porém, ainda assim, vejo como positiva a instalação das lojas francas. Haverá a vantagem na geração de mais empregos, no movimento do turismo de compras e no desenvolvimento econômico dessas regiões”, enaltece Cleci.

 

Chance única

O prefeito de Guaíra, Heraldo Trento, destaca que o receio em relação a uma possível “concorrência desleal” é, na verdade, uma oportunidade regional para tornar o Oeste um polo de negócios. “Guaíra tem uma história negativa. Nós perdemos nossa identidade, nosso potencial de turismo e agora estamos tendo a oportunidade de resgatar tudo isso”, evidencia.

Ele diz que na década de 1950 o município fronteiriço contava com ferrovia, hidrovia e aeroporto com linhas regulares, que acabaram após o fechamento das comportas do canal de desvio de Itaipu para a construção da Usina de Itaipu, em 1982. “Essa perda não foi compensada, nem com a promessa de se estabelecer aqui a tão falada Usina Hidrelétrica de Ilha Grande”, lamenta. “A distribuição dos royalties foi extremamente penosa”, complementa.

Prefeito de Guaíra, Heraldo Trento: “Não deixo de considerar as preocupações de gestores e empresários, mas se deixarmos essa oportunidade passar, se nada acontecesse com Guaíra, iríamos continuar assistindo um crescimento vertiginoso do outro lado do lago pagando o preço disso” (Foto: Mirely Weirich/OP)

 

Trento ressalta que cabe ao município buscar os caminhos para fomentar o turismo de compras e tentar resgatar tudo o que Guaíra perdeu com o fim das Sete Quedas. “Por termos um Porto Internacional, podemos receber produtos do Paraguai vindos do Chile, Uruguai, Argentina, entre outros países asiáticos e estamos apostando que é possível fazer isso acontecer”, considera. “Não deixo de considerar as preocupações de gestores e empresários da região, mas se deixarmos essa oportunidade passar, se nada acontecesse com Guaíra, iríamos continuar assistindo um crescimento vertiginoso do outro lado do lago pagando o preço disso”, salienta Trento.

 

Morte do comércio

Caminhando ao lado da gestão municipal para regulamentar as lojas francas, a Associação Comercial e Empresarial de Guaíra (Aciag) analisa essa nova forma de comércio como uma possibilidade de expansão de novos investimentos oriundos de grandes empresas.

O presidente da entidade, Walter Fabiano dos Santos, comenta que o comércio guairense já trava uma batalha com o turista que apenas passa por Guaíra para ir até o Paraguai e assinala que não vê as lojas francas como um novo “massacre” ao comércio local, mesmo do pequeno e médio empresário. “Com a necessidade de declaração de patrimônio de R$ 2 milhões, um valor bastante expressivo, o pequeno empresário poderá ingressar neste sistema em formas de associações ou grupos, para que se some o capital das empresas e eles possam também atuar nessa modalidade. Isso ainda é algo que precisamos entender melhor as ferramentas para acontecer, mas vamos trazer especialistas para que todos sejam beneficiados”, declara.

O presidente da Aciag relata que o desenvolvimento econômico para Guaíra é fundamental e, por meio das lojas francas, não somente os empresários vão ganhar, mas também o município, através do fomento ao turismo de compras, turismo ecológico e de pesca. “Poucas cidades dentre as 32 contempladas pela legislação terão todos esses benefícios”, avalia.

Por outro lado, Santos comenta que ainda há necessidade da Aciag, em parceria ao Poder Público, buscar mais conhecimento da legislação e trazer ao município capacitações para contadores, que serão fundamentais às empresas, empresários e pessoas do setor jurídico. “Dependemos de demandas da Receita Federal, mas no município já temos pessoas, inclusive da região, que têm buscado informações sobre como esse sistema de comércio funcionará para investir, então temos uma grande expectativa para que Guaíra se desenvolva economicamente junto à região Oeste”, menciona Santos.

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