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Municípios Araucária imperial

O que tem a dizer o pinheiro centenário de 30 metros que caiu no Zoo de Cascavel com as águas de março?

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Fotos: Divulgação

 

Nove de março de 2019. O temporal na noite escura do Parque Ecológico Paulo Gorski crispava a superfície do Lago Municipal. Um estrondo na mata acorda o notório macaco Ceará. As águas de março, somadas a lufadas de vento, acabam de derrubar um pinheiro no Zoológico de Cascavel.

Seria apenas mais uma árvore que um temporal derrubou em uma cidade do planeta, notícia trivial que não mereceria nem rodapé de jornal. Só que não. Abnegados estudiosos, entre eles a bióloga Vanilse Pereira de Oliveira e o doutor Carlos Brocardo, se debruçaram sobre a “falecida”.

A araucária tinha 30 metros de altura e 2,98 metros de diâmetro. Sua envergadura fez interditar o Zoo. Estava ali, na horizontal, diante dos biólogos, algo muito precioso, oportunidade rara de datar uma árvore centenária.

Cientificamente orientada, a dupla extraiu uma amostra. A técnica de datação consiste em contar os anéis do caule. O número surpreende, embora Vanilse faça uma ressalva: “difícil precisar, pois os anéis estão muito irregulares, mas chegamos a um número: 134 anos”.

Ou seja, talvez uma gralha tenha enterrado um pinhão ali em 1.885, ano que inventaram o carro e a bicicleta no velho mundo. Nem o folclórico “independência ou morte” havia sido gritado por aqui ainda, pois vivíamos sob a colonial monarquia portuguesa.

E o pinheiro que só iria tombar em 2019 brotava no solo argiloso da floresta Cascavel. Certamente a conífera já tinha estatura suficiente para “enxergar” os primeiros homens que pisaram aqui, no início do século XX. Viu seus primos e irmãos espinhudos tombarem um a um no ciclo da madeira.

 

Canetada

O pinheiro do Zoo só obteve uma vida secular para testemunhar a transformação de uma floresta em “Capital do Oeste” porque em 1977 o então prefeito Jacy Scanagatta deu-lhe uma canetada e criou ali uma área de preservação, a maior reserva ecológica urbana do Sul do Brasil, com quase dois milhões de metros quadrados (incluindo a área aos cuidados do Exército).

Segundo o Instituto de Estudos Florestais da USP, as florestas de araucária “escureceram” o espigão de Cascavel por 200 milhões de anos, “desde que continentes americanos e africano eram unidos”. Olhando assim, 134 anos são um piscar de olhos na sorte incerta dos tempos.

Mais velozes ainda foram as serras e ambições. Em pouco mais de duas décadas, a partir de 1947, mais meio milhão de pinheiros estava no chão em Cascavel e suas franjas. Sob esse olhar, sim, o pinheirão do Zoo era um sobrevivente.

 

Veja o pinheiro do Zoo em pé e deitado: 134 anos e muita história para contar

 

(Fotos: Divulgação)

 

DEPOIMENTO

E agora?

Em 1948 meu pai, Florêncio, estimou que havia entre 500 mil e 600 mil pinheiros na área, a maior quantidade em Cascavel. Mas já em 1965 o pinho começou a escassear. A conversa foi parar dentro da Associação Comercial (Acic). Acabou a grande riqueza da cidade, a madeira, e agora?

 

Primeiro galho

Havia muito pinheiro aqui, troncos de até dois metros de envergadura e 40 metros de altura. Retornando da serraria do Tesouro, meu pai exclamava: nunca tinha visto tamanha quantidade e dimensão de pinheiros. Do chão até o primeiro galho tinha mais valor comercial.

 

Moldura

Meu pai queria deixar os pinheiros às margens da rodovia, dentro da faixa de domínio, para emoldurar e mostrar o que foi a floresta, mas o DNER (hoje Dnit) não permitiu. Não existia serra fita no Rio Grande, ele veio a conhecer aqui. Se ele não tirasse os pinheiros, outros tirariam.

 

Tarde demais

A gralha azul aqui era diferente da gralha do Rio Grande. Lá, era toda azul com faixa preta. Aqui, azul com faixa amarela. Tudo que tinha aí foi a gralha que semeou. Quando surgiu o IBDF (hoje Ibama) para preservar já era tarde. (Nota da redação: a ave diferente daqui que o pioneiro reporta é a gralha-picaça).

 

Gafanhotos?

Havia três fábricas de palmito dentro de Cascavel, mas a cidade não produzia palmitos. Era tudo assaltado do Parque Nacional do Iguaçu, de onde também roubaram as araucárias que estavam na reserva no então distrito de Santa Tereza. Chegamos a ter 600 mil gaúchos aqui na região. Acabou a madeira, eles subiram para o Mato Grosso.

 

Por Dercio Galafassi – filho do diretor e sócio minoritário da Industrial Madeireira do Paraná, Florêncio Galafassi.

 

(Foto: Divulgação)

 

Por O Pitoco

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