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Política Entrevista ao O Presente

“O setor agropecuário não é o vilão da Previdência”, afirma Sérgio Souza

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Deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA): “O vilão da Previdência são as más gestões vindas do passado, o saque do dinheiro do fundo para investir em outras coisas, e são as fraudes” (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

 

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) iniciou o governo focado em aprovar a reforma da Previdência. O objetivo é conseguir uma economia de ao menos R$ 1 trilhão ao longo de dez anos. O projeto já foi enviado à Câmara dos Deputados, mas as discussões devem se intensificar apenas depois do Carnaval.

Contudo, parlamentares inclusive da base do governo já admitem que ao menos dois pontos podem causar divergências e até dificuldades na aprovação da matéria se não houver mudanças no texto original: o Benefício da Prestação Continuada (BPC) pago aos idosos e a aposentadoria rural.

A proposta encaminhada pelo governo prevê a desvinculação do BPC do salário-mínimo. O pagamento do benefício pode ser dar conforme a idade da pessoa em condição de miserabilidade. Aos 60 anos, o valor proposto é R$ 400; aos 70, um salário-mínimo. Atualmente, o idoso em condição de miserabilidade recebe um salário-mínimo a partir dos 65 anos.

Já para os segurados especiais do campo, o texto amplia de 15 para 20 anos o tempo mínimo de contribuição. Aumenta a idade mínima de mulheres para 60, assim como os homens. E a remuneração segue a regra geral de 60% da média dos salários com 20 anos de contribuição, aumenta a cada ano e chega a 100% com 40 anos de contribuição.

O deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), tem acompanhado os debates da reforma, em especial sobre a aposentadoria rural. Em entrevista ao Jornal O Presente, ele adiantou que não existe consenso, mas a maioria no Congresso é a favor de haver mudanças na Previdência. “Não dá para estimar os números, mas diria que a maioria quer aprovar a PEC (proposta de emenda à Constituição). Existe uma opinião sensata de que se não fizer algo o Brasil terá uma dificuldade muito grande. No entanto, há divergências”, expõe.

De acordo com ele, o setor previdenciário brasileiro possui atualmente uma série de falhas que levam a uma desigualdade muito grande. “Aqueles que recebem os melhores salários se aposentam mais cedo e vivem melhor. Isso é fato”, afirma.

Ele menciona que há categorias no serviço público que, com 25 anos de atividades, conseguem se aposentar por volta dos 45 anos, no auge da capacidade intelectual e física. “E essas pessoas vão viver até os 90 anos”, exemplifica. “Há um buraco na Previdência muito grande, dado o tratamento desigual. O Estado brasileiro não suporta isso. E há outras categorias em que é possível se aposentar com 50, 55 anos. Quando falo do serviço público não é só o Executivo federal, mas temos que abranger todos, como o Legislativo e o Judiciário. Essa igualdade tem que ser provida”, frisa.

 

Militares

O deputado adianta que outro entrave envolve os militares. Conforme o parlamentar, o Congresso Nacional tem sinalizado que não aceita votar a reforma previdenciária sem incluir a categoria. “O governo precisará enviar esse texto o mais rápido possível. Uma coisa é o militar ostensivo, que está no trecho, na favela, na fronteira, está em campo. Esse tem uma periculosidade, desempenha atividade de risco e possui uma expectativa média de vida menor. Outra coisa é o militar que faz serviço administrativo dentro do quartel. Então é um tratamento diferente. Sabemos que tem formação de contingente, existe a questão da segurança nacional e de estratégias de polícia, mas temos que entender que aposentadoria tem o cálculo atuarial, que diz qual é a expectativa de vida média, qual é a sua contribuição necessária, de acordo com o seu vencimento, e com quanto o empregador tem que contribuir. Esses três fatores têm que somar uma média que seja o suficiente para garantir sua aposentadoria”, argumenta.

Segundo Sérgio Souza, os sistemas de financiamento da aposentadoria e pagamento de impostos não cobrem o déficit previdenciário. “Não suportam”, afirma.

 

Dívida previdenciária

O deputado chama atenção que a partir de 2030 a dívida da Previdência alcançará R$ 500 bilhões de déficit por ano, se nada mudar. Ano passado, esse déficit fechou em aproximadamente R$ 170 bilhões.

Ele comenta que hoje o governo brasileiro não tem um fundo para pagar a aposentadoria. Diante disso, a União arrecada o dinheiro do trabalhador atual e paga a aposentadoria daquele que está na inatividade. “Por isso gera esse déficit. A ideia do governo é criar um fundo daqui para frente, para quem entrar no mercado, e começar a resolver e criar uma extinção do que ficou para trás. Acho que isso é plausível. No entanto, temos que ser justos e o Congresso Nacional vai ser justo. Dentro da bancada do MDB tenho falado isso e na última reunião expus que o partido terá responsabilidade de apontar soluções para imprimirmos justiça na Previdência. Não temos (MDB) nenhum vínculo com governo A ou B, não temos nenhuma posição de direita ou esquerda, somos um partido centralizado e que está preocupado. Temos que demonstrar a preocupação com nosso Estado brasileiro”, declara.

 

Aposentadoria rural

Outro ponto polêmico da proposta do governo enviada à Câmara diz respeito à aposentadoria rural. O deputado cita que uma pessoa que atua na atividade rural, debaixo de chuva ou sol, não tem a mesma expectativa de vida e nem a mesma jornada de trabalho, que no campo começa muitas vezes antes do amanhecer, sem feriado e fim de semana, do que alguém que atua no mercado de trabalho comum na zona urbana. “É justo? Não é justo. Previdência tem que ser justa”, destaca.

Recentemente, a FPA recebeu o secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, para um debate envolvendo a reforma. “Ele expôs que o déficit da Previdência em 2018 foi de R$ 170 bilhões e só na aposentadoria rural foi de R$ 100 bilhões, ou seja, arrecada R$ 10 bilhões e paga R$ 110 bilhões. Eu disse a ele que estamos falando de passado. Se no passado o governo não cobrou, se no passado o sistema era outro, se no passado contribuiu com um salário-mínimo que não pagava nem uma cesta básica, se no passado as pessoas moravam em um percentual maior que 50% no campo, se elas migraram para a cidade e se contaram esse tempo para a aposentadoria, se vale a média dos últimos dez anos para se aposentar, já paramos para analisar tudo isso? Será que este déficit é realmente rural? E se os governos do passado pegaram o dinheiro para construir rodovias no Brasil, para construir Brasília, será que este déficit é do produtor rural? Disse ao Rogério Marinho para não trazer conta para quem não é dono”, expôs.

 

Maior contribuinte

No entendimento do deputado paranaense, não existe nenhum contribuinte que paga mais Previdência do que o produtor rural. “Eu vim da roça e comecei a trabalhar com sete anos. Mas vamos levar em consideração a nossa legislação, que diz que a idade mínima é de 16 anos. Se esse adolescente está ajudando na produção do núcleo familiar e na renda bruta da propriedade, então ele está contribuindo. Não pagamos o Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), que é um percentual sobre o valor bruto da venda? Sim. Logo, esse jovem está contribuindo desde os 16 anos. Se ele se aposentar com 60 anos, serão 44 anos de contribuição. Só que quando se aposentar esse produtor vai ficar inativo? Não, pois vai continuar produzindo. Na hora que entregar a produção vai pagar o Funrural. Quando morrer aos 80 anos, em média, vai ter contribuído durante 64 anos. Qual outra categoria contribui tanto? E para quê? Para ganhar um salário-mínimo”, desabafa.

 

Estudo

Sérgio Souza adianta que em meio à discussão da reforma será promovido um estudo para demonstrar qual o Valor Bruto da Produção (VBP) da agropecuária brasileira, que alcança R$ 600 bilhões. “Multiplica isso por 1.3, que é o valor da contribuição. Estamos falando algo em torno de R$ 10 bilhões, que é arrecadação hoje da Previdência rural. Quantas pessoas são ligadas ao campo hoje? Apenas 5% da população, sendo que muitos são empregadores e alguns são empregados. Não acreditamos que há déficit”, supõe o parlamentar.

Ele relembra que na década de 1960, 1970 e até meados de 1980, a maior parte da classe trabalhadora estava no campo. Contudo, na década de 60 o Brasil era importador de alimentos. “Com 90 milhões de habitantes na década de 70, o país não produzia alimentos em quantidade suficiente. Hoje, temos 210 milhões de habitantes e somos o segundo maior exportador de alimentos do planeta. Lógico que a contribuição previdenciária da década de 70 não era suficiente, porque produzíamos pouco e havia muita gente no campo, mas hoje produzimos muito e têm poucas pessoas no campo. Você acha que esse percentual que contribuímos não é suficiente? É e dá superávit. Esses números vamos colocar na mesa nos próximos dias para o governo e nas negociações que vamos promover. O setor agropecuário não é o vilão da Previdência. O vilão da Previdência são as más gestões vindas do passado, o saque do dinheiro do fundo para investir em outras coisas, e são as fraudes”, enfatiza.

 

Cenário político

Na avaliação de Sérgio Souza, o pior cenário hoje visando à aprovação da reforma da Previdência envolve as relações políticas entre o governo federal e o Congresso Nacional. “Essas relações não estão boas. Aliás, muito ruins. Se prestar atenção, os líderes que o governo tem indicado no Congresso, Câmara e Senado não demonstram ter capacidade de interação e interlocução. Eu conheço razoavelmente o Congresso e o Planalto em quase dez anos em Brasília e essas relações precisam ser melhoradas”, aponta.

 

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