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Mudanças na educação reacendem atenção à individualidade dos alunos

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(Foto: Hedeson Alves/AEN)

Com alunos nas salas de aula e um sistema educacional caminhando em direção a um novo normal de ensino presencial, ainda não é possível diagnosticar totalmente os efeitos que o período remoto e on-line geraram nos estudantes. A análise é complexa, pois, conforme especialistas, deve-se considerar a individualidade de cada estudante entremeio a um ambiente coletivo. A tarefa não é fácil para educandos, educadores, comunidade escolar ou famílias, mas o cenário melhora e a educação avança em passos pequenos, que merecem ser comemorados.

Seja na modalidade remota ou presencial, cada estudante é único e, consequentemente, reage a seu modo, enfatiza ao O Presente a psicopedagoga da rede municipal de educação, Mara Regina Weimer Mallmann. “A maioria dos alunos não via a hora de retornar para a sala de aula. Quando isso ocorreu, as crianças viram que a escola também mudou nesse período, que quase tudo estava diferente. O espaço antes destinado a aprender, encontrar amigos, brincar e compartilhar conversas, lanches e brincadeiras divertidas, agora havia se tornado um lugar um pouco mais restrito, sem aproximação e com um certo ‘ritual’ de higienização”, compara, mencionando que não apenas as crianças, mas todos os que ali convivem se viram diante dessas mudanças.

Apesar da mudança, a profissional destaca que os estudantes surpreenderam no quesito adaptação. “Facilmente compreenderam os novos hábitos que se incorporaram ao ambiente escolar”, expõe.

 

DE VOLTA À ROTINA

Amparada pelos protocolos de biossegurança, a mudança do ambiente de estudos, de acordo com a coordenadora pedagógica do Colégio Luterano Rui Barbosa, Patrícia Quinot Gundt, deve ser estimulada. “Desde o início percebemos que se não há obrigatoriedade de estar na sala de aula fica muito liberado e quando se tem o aluno em sala de aula é tudo diferente, desde comunicação, expressão e entendimento do conteúdo. Nossos alunos já estão familiarizados com o presencial, a carga horária de 45 minutos e as atividades no contraturno. Claro, temos algumas exceções de estudantes que ainda estão no remoto”, comenta, informando que a instituição trabalha com 90% dos alunos em regime presencial.

Na avaliação da psicopedagoga, os estudantes da rede municipal também se readaptaram às suas rotinas.

 

DIAGNÓSTICOS

Em meio a adaptações de todos os lados e de todos os envolvidos, há também necessidade de diagnosticar aquilo que acontece, ou não, no meio educacional. “Além de um cuidado com o lado emocional do aluno e preocupação com o desenvolvimento cognitivo, retomamos as atividades realizando provas diagnósticas. A avaliação individual é importante, tanto quanto o diagnóstico da turma”, pontua a coordenadora pedagógica do Colégio Rui Barbosa.

Coordenadora pedagógica do Colégio Luterano Rui Barbosa, Patrícia Quinot Gundt: “Tivemos crianças que passaram pelo processo com muita tranquilidade, tanto no presencial quanto no remoto. Contudo, tivemos, sim, impactos na absorção da informação” (Foto: Divulgação)

 

LACUNAS NO DESENVOLVIMENTO

Algumas lacunas são percebidas depois de tantas idas e voltas da educação, afirma Mara. Ela reconhece que famílias se esforçaram para propiciar em casa um ambiente de aprendizagem acadêmica, do mesmo modo que educadores se empenharam e se ampararam nas tecnologias para efetivar o ensino remoto, porém, esta modalidade, na opinião da psicopedagoga, carrega problemas. “Nada substitui o trabalho feito na escola, por maior que seja o empenho, pois não se trata somente de conteúdos acadêmicos, mas, sim, de convívio e crescimento social”, enaltece.

Esses espaços vazios, muitas vezes, ocupam lugares de conhecimentos paralelos, mas que caminham juntos com aprendizados mais populares, como leitura e escrita. “Alguns conteúdos que antecedem a alfabetização, ensinados na Educação Infantil, são preditores importantes para que esse processo da leitura e da escrita ocorram, mas podem ter ficado para trás. A alfabetização é vista como o foco, pois quando a criança não lê e não escreve não consegue evoluir satisfatoriamente nos demais conteúdos”, observa Mara.

O momento de retomada é o tempo para identificar essas questões e saná-las. “A assessoria pedagógica da prefeitura fez com professores e coordenadores uma reorganização dos conteúdos prioritários e dos conteúdos escolares por série para retomar as lacunas que ficaram”, relata a psicopedagoga, que faz parte da equipe multidisciplinar da Secretaria de Educação.

O caráter individualista de cada estudante faz com que, mesmo mais autônomo diante das tecnologias, nem todos prefiram o ambiente virtual. “Há crianças que preferem, e preferiram, desenvolver o conhecimento on-line, outros preferem presencial. Tivemos crianças que passaram pelo processo com muita tranquilidade, tanto no presencial quanto no remoto. Contudo, tivemos, sim, impactos na absorção da informação, em alunos que não estavam muito preocupados no on-line e tiveram o emocional afetado. Como o Rui Barbosa trabalha com a escola da inteligência, temos uma atenção sobre emoções, disciplina e regras. Então, estamos retomando essa fala para que o aluno seja protagonista da sua história”, enaltece a coordenadora pedagógica do colégio.

 

NATIVOS DIGITAIS

Mara diz que não há uma faixa etária que tenha sido mais afetada nestes tempos de ensino durante a pandemia, pois, segundo ela, em todas as idades há casos pontuais de alunos com dificuldades que, a quatro meses de encerrar o ano letivo, já foram superados. “Tudo foi muito mais tranquilo do que o previsto”, ressalta, lembrando que há crianças que retornaram à escola praticamente sem prejuízos.

Patrícia comenta que, na sua percepção, turmas do Fundamental 2 e Ensino Médio têm alguns problemas com a adaptação na escola devido, ironicamente, à sua maior autonomia. “Precisamos de uma equipe intensa para ajudar e conscientizar do protocolo para a própria segurança deles. Precisamos trabalhar mais com essa faixa etária nessas questões, diferente dos menores, que nos surpreenderam. Tem dado certo, eles são mais obedientes, disciplinados que o Fundamental 2 para seguir as normas de biossegurança”, compara.

A coordenadora pedagógica enaltece que a geração atual tem mais facilidade com a tecnologia do que gerações anteriores, o que contribuiu para uma transição digital mais tranquila. “Essa geração vai estar mais preparada para resolver os desafios do que nós, que fomos pegos de surpresa”, considera.

A educação saiu de uma realidade 2.0 para quase 5.0 em virtude das tecnologias e ferramentas incrementadas no ensino, opina Patrícia. “Os alunos não terão grandes dificuldades”, entende.

 

FRACASSO EDUCACIONAL?

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontam que, durante a pandemia, todos os indicadores que medem o desenvolvimento infantil regrediram. Mesmo que índices valham menos que a efetiva assimilação de conhecimento, o Unicef ressalta que esse período pode impor um estigma de fracasso educacional na geração que estudou nesse período.

Mara credita os dados da entidade e afirma que as turbulências sofridas na educação em decorrência da Covid-19 foram apenas novos abalos numa estrutura já frágil. “Os índices da educação brasileira já não se encontravam muito bem antes da pandemia; o que ocorreu foi o agravamento da situação educacional. Diversos são os fatores que interferem nesse índice, desde os investimentos até os recursos humanos”, evidencia.

Psicopedagoga da rede municipal de educação, Mara Mallmann: “A assessoria pedagógica da prefeitura fez com professores e coordenadores uma reorganização dos conteúdos por série para retomar as lacunas que ficaram” (Foto: Divulgação)

 

MENOS NOTAS, MAIS EDUCAÇÃO

A educação, na avaliação de Patrícia, passa mais por um momento de adaptação mútua de tudo e todos do que pelo fracasso. “É um marco, uma situação mundial. Eu não digo que seria um fracasso educacional. Dentro das escolas, os professores, especialistas das disciplinas, fazem o possível e até um pouco mais para que esse aluno possa absorver. Hoje a nossa realidade social é muito de perceber em notas. Precisamos observar o quanto esse aluno tem de assimilação de conteúdo. O que preocupa é a questão emocional. Como essa família está trabalhando a situação emocional dessa criança? Aqui trabalhamos o emocional, mas, às vezes, isso não acontece em casa”, lamenta.

De acordo com a coordenadora pedagógica do Rui Barbosa, o momento é de olhar para cada criança ou adolescente como ser individual. “O grupo pode ter ‘x’ dificuldade, mas qual é a dificuldade pontual daquele aluno? O processo é lento, trabalhoso, mas o indivíduo é mais importante do que a nota”, ressalta.

 

PROCESSO LENTO E TRABALHOSO

Para Patrícia, um dos meios para auxiliar esse aluno a lidar com os impactos dos novos tempos é estar atento aos sinais e, nas palavras da educadora, “olhar mais para o indivíduo do que antes”. “Os pais deixam os seus maiores tesouros na mão da escola. Ela precisa lapidar e ajustar para que ele viva o presente da melhor forma. Mas isso não é só papel da escola, é familiar e exige mais conversas, trocas, entendimentos e observação, porque essas crianças estão sinalizando algo. Precisa haver uma comunicação muito aberta entre escola e família, as quais devem estar alinhadas para compartilhar das dificuldades. É trabalhoso, mas será um trabalho de solução futura, do emocional, do cognitivo desse aluno”, finaliza.

 

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