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O perigo a um clique

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Mirely Weirich/OP
O perigo a um clique: desafio da baleia azul e série 13 Reasons Why trazem à tona o tabu sobre falar de suicídio com os jovens e o medo de que o perigo esteja dentro de casa

Assistir a filmes de terror e psicodélicos, cortar o braço com um objeto pontiagudo, desenhar uma baleia azul no braço com uma lâmina, ficar na borda de telhados altos por algum tempo e tirar sua própria vida. Essas situações perigosas fazem parte de uma série de 50 desafios propostos pelo blue whale challenge, o desafio da baleia azul – um jogo de incentivo ao suicídio que teve origem nas redes sociais russas em que adolescentes participam de um desafio de 50 dias, cumprindo tarefas que incluem automutilação, sendo a última delas a morte.

Além de poder ter relação com cerca de 130 casos de suicídio na Rússia nos últimos seis meses, o desafio da baleia azul pode ter feito sua primeira vítima no Brasil: a estudante Maria de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos, que morava em Vila Rica (MT). A jovem foi encontrada morta na semana passada dentro de uma represa. Ela saiu de casa sozinha de madrugada, vestindo apenas a roupa do corpo, enquanto pais e irmãos dormiam. Deixou o celular em cima da cama, não levou dinheiro. Antes de entrar para o mergulho sem volta, deixou os chinelos na beira da represa.

A Polícia Civil da cidade abriu inquérito para investigar se a morte da menina está, de fato, relacionada ao jogo. De acordo com o delegado responsável pela investigação, nenhuma hipótese está descartada, mas há fortes indícios de que a jovem tenha se envolvido nesse jogo: ela deixou duas cartas onde falava sobre as regras e a cronologia das ações a serem cumpridas e também apresentava alguns cortes nos braços e coxas.

 

Números só aumentam

O baleia azul, que tem tirado o sono de pais de adolescentes nas últimas semanas, é apenas o pano de fundo para um cenário de aumento de casos de suicídio entre jovens que se repete há anos. De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, entre 1990 e 2010 – período com dados disponíveis – o número de casos de suicídio no Paraná subiu 20% na faixa etária dos dez aos 19 anos. Conforme a Organização Mundial da Saúde, o suicídio já mata mais jovens que o HIV em todo o mundo, sendo esta a segunda maior causa de óbitos entre pessoas de 15 a 29 anos. Tirar a própria vida perde apenas para os acidentes de trânsito.

 

Chamar a atenção

Pelos curadores – pessoas que dão as ordens aos participantes dos desafios – deixarem claro que a participação no jogo da baleia azul é um caminho sem volta, a psicóloga Katiucia de Oliveira Peres, especializada em atendimento a crianças e adolescentes, avalia que este não é o tipo jogo que atrai todos os jovens, mas especificamente aqueles que já têm um estopim com problemas emocionais e psicológicos. Se isso não for bem tratado ou o jovem ou o adolescente não está seguro de si, ele busca uma atenção e de certa forma ele consegue isso com os curadores do jogo. Ele sabe que todo dia terá uma nova missão, uma nova atenção, e buscando realizar essas tarefas ele acredita que está conseguindo chamar a atenção de alguém, explica. Mas, ao mesmo tempo, ele sabe que no fim ele não vai ser o campeão do jogo, porque ninguém consegue ser o campeão, ter uma honra, uma glória, estando morto. Contudo, ainda assim é uma maneira de chamar a atenção, complementa.

De acordo com a psicóloga, ainda não foi descoberto por especialistas quem está por trás do jogo, mas ela descreve como uma mente muito persuasiva, tendo em vista que não deixa que os jovens desistam de nenhum dos 50 itens da lista. Porque por mais que alguns jovens em meio ao percurso do desafio saibam que é errado e queiram buscar ajuda, eles têm medo. Eu li sobre um caso de uma adolescente que conseguiu pedir ajuda aos pais e eles cancelaram as redes sociais dela, mas mesmo assim ela precisou de um tratamento extremamente sério pelo medo de esse curador vir atrás dela ou de que ele fizesse algo com seus familiares, porque essa ameaça existe dentro do jogo, comenta.

 

Influências

Conforme a especialista, a faixa etária dos 12 aos 18 anos é um momento em que meninos e meninas passam por muitas mudanças, em que eles deparam-se a preocupações e questionamentos. A própria Organização Mundial da Saúde aponta que o maior número de suicídios está na faixa dos 15 aos 20 anos, por isso vejo que esta faixa etária é muito fácil de ser persuadida de forma negativa, menciona.

É justamente pela dificuldade de os adolescentes enfrentarem esse momento que Katiucia salienta a importância da presença da família na orientação dos jovens, de estarem sempre alerta sobre o que os filhos estão vendo na internet, de suas companhias e de quem está frequentando sua casa.

A responsabilidade também não recai apenas sobre o círculo familiar. Todas as outras pessoas envolvidas no cotidiano dos meninos e meninas devem se posicionar sobre o tema. Seja no ambiente escolar, na faculdade, é preciso falar sobre esse assunto porque os pais não querem jamais perder seus filhos, então eles vão falar sobre isso, mas é importante também que os professores, diretores e equipe pedagógica também mostrem esse posicionamento para que os jovens saibam que estão sendo acompanhados de todos os lados, orienta a psicóloga.

 

Como conversar?

Voltando da escola há alguns dias, Caio, de 11 anos, comentou com a mãe sobre o desafio da baleia azul, questionando se ela já havia visto algo sobre o tema. Eu disse que não e ele começou a me falar sobre os 50 desafios, que você não pode desistir, porque se você desistir eles vêm atrás de você e isso tudo foi me assustando. Naquele dia nem consegui almoçar direito e logo depois fui para a internet buscar informações, relembra Fabiane Raquel Sturm.

Na rede, a professora de inglês foi bombardeada por informações sobre o jogo e também sobre a série 13 Reasons Why, baseada no livro Thirteen Reasons Why, de Jay Asher, e adaptado para a Netflix. O enredo trata do suicídio de uma estudante, mas também envolve outros temas polêmicos como bullying e estupro. Não vou dizer que não tive problemas emocionais quando era mais nova, mas a falta da internet me fazia recorrer a minha mãe, a mãe de um amigo, a conversar com pessoas. Hoje, os adolescentes se enconcham e buscam ajuda na internet, onde elas encontram o que não deveriam encontrar, critica. Esse desafio da baleia azul, por exemplo, chega na criança querendo ajudar, escutá-la, entendê-la, tirando informações dela sobre família, endereço e no meio da lista de desafios eles falam em morte, dão o dia da morte e ela não tem mais como sair disso porque os curadores passam a ameaçar a criança, e ela, com medo de a família ser prejudicada, continua no jogo, explica Fabiane.

Na visão da professora, as mídias digitais possuem um vasto conteúdo positivo no âmbito da pesquisa, do aprendizado, a fim de trazer novas informações para os jovens, porém também possuem conteúdos que não são benéficos. Eles passam os dias assistindo youtubers que falam besteira até dizer chega, e cabe ao pai acompanhar e alertar o filho sobre o que é bom assistir e o que é ruim. Não adianta querer tirar a tecnologia deles. Nós precisamos conscientizá-los de que ela tem os dois lados: o bom e o ruim, destaca.

Por ter sido o próprio Caio que levou as informações sobre o desafio da baleia azul para Fabiane, ela chegou à conclusão de que o filho teve contato com o tema no ambiente escolar, junto a outros colegas, tendo em vista que depois de compartilhar em uma rede social o espanto sobre o caso, outras mães também comentaram a preocupação pelos filhos conhecerem o desafio. Na própria série 13 Reasons Why tudo se dá no ambiente escolar, todos os problemas acontecem no ambiente escolar, então também há um papel da escola trabalhar esses temas, diz. O maior trabalho que deve ser feito hoje é de levantar a autoestima das criança. Eu sempre digo ao meu filho: Deus não fez ninguém para não ser bom em nada, se você não for bom no esporte, por exemplo, você vai descobrir uma habilidade em outra área, mas cabe aos pais levantarem a bola dos seus filhos e estarem presentes na vida deles sempre que possível, complementa Fabiane.

 

Quebra de tabu

Apesar de a conversa ter surgido de forma natural entre mãe e filho, em uma simples volta do colégio para casa, não é em todas as famílias que temas como este são abordados. Na visão de Katiucia, há necessidade de se quebrar um tabu sobre o medo de conversas sobre esse tema com os filhos. Muitos pais têm receio de alertar sobre isso ou de fazer perguntas justamente por pensarem em estar induzindo, ou que o filho pense meus pais querem que eu me mate, aponta. Assim como Caio e Fabiane, a especialista alerta que os pais precisam ter um diálogo aberto sobre vários assuntos com os filhos, mostrando o quanto eles querem zelar pela vida dos jovens tratando deste assunto. Algumas formas seriam falar sobre esses casos de jogos que estão aparecendo ou as séries e perguntar o que o filho pensa sobre isso, como seria o posicionamento dele e a partir daí os pais conseguiriam colocar o seu ponto de vista, o quanto os filhos são importantes, orientar, prevenir, para que ninguém tenha uma triste surpresa, salienta.

A própria terapia com psicólogos, por exemplo, ainda é vista com preconceito por algumas pessoas, que acreditam que a necessidade de terapeuta é para pessoas loucas ou com doenças mentais. Há necessidade de dar essa abertura para que o jovem converse com um profissional, que na maioria das vezes é mais fácil dele se abrir do que com os pais, ressalta. Seria importante que as pessoas, em qualquer faixa etária, fossem ao psicólogo como elas vão à academia, porque hoje todo mundo tem algum sofrimento, está com alguma dúvida ou angústia que a deixa ansiosa, observa.

Em alerta

A psicóloga lembra que nem sempre os pais são ausentes na vida dos filhos. O que acontece, muitas vezes, é que a rotina de trabalho faz com que muitos não tenham tempo para ver o que está acontecendo na vida dos filhos, os programas que eles têm assistido e os conteúdos que eles consomem na internet. E isso é extremamente preocupante porque há muitos conteúdos disponíveis na mídia que podem não ter o efeito que os pais gostariam sobre os filhos, alerta Katiucia.

Alteração significativa na personalidade ou nos hábitos; comportamentos ansiosos, deprimidos ou agitados; queda no rendimento escolar; mudança no padrão de sono; tristeza, irritação e raiva de maneira combinada; comentários autodepressivos e desesperançosos em relação ao seu futuro, não ter perspectiva, não ter mais objetivos; e demonstração clara ou velada sobre como colocar um fim na própria vida são sinais nítidos que podem apontar uma propensão para problemas emocionais ou até mesmo um suicídio, que pode ser evitado caso os pais ou familiares busquem apoio. Essas mudanças são fáceis de serem vistas porque os pais sabem como é o comportamento do seu filho, como ele age. É importante também que ele não fique anunciando que está cuidando do filho ou vigiando-o, mas no dia a dia na forma como o filho responde o pai ou a mãe já é possível ajudar a salvar a vida dele, diz.

 

Não seja um porquê

Destaque não só pelo enredo bem elaborado, como também por tocar em assuntos que hoje, embora ainda sejam tabus, merecem ser discutidos, como bullying, estupro, abuso de álcool e drogas por jovens e o suicídio, a série 13 Reasons Why tem dividido opiniões entre especialistas.

Por um lado, há quem condene a forma de abordagem dos temas – que apresenta de forma explícita cenas de abuso sexual e como a protagonista decidiu tirar a própria vida -, com alegações de que a trama poderia incentivar novos casos de suicídio. De outro lado, há quem se encontre em 13 Reasons Why e entenda que é preciso buscar ajuda. No Paraná, por exemplo, apesar de ainda não existir um levantamento oficial sobre o aumento na procura por apoio emocional e atendimentos de prevenção ao suicídio, o Centro de Valorização da Vida (CVV) estima que a demanda por atendimento cresceu em torno de 50% nas duas últimas semanas após a estreia da série, no dia 31 de março.

Na visão de Katiucia, esse tema deveria ser tratado assim como é abordada a violência, o bullying, a depressão, e não ter um foco diferenciado. O suicídio deve ser sempre tratado com teor de prevenção, aponta.

Para a especialista, se a pessoa conseguir ter uma boa leitura, um bom entendimento do que é falado, seja em reportagens ou na própria série, é o melhor caminho para orientar e prevenir – especialmente se aquela pessoa buscar ajuda. Ninguém quer saber depois que o fato já aconteceu, alerta. Se podemos prevenir, também estaremos com a consciência tranquila de que a nossa parte a gente fez, mas se não fizermos nada e esse número só continuar aumentando, olha o tamanho do sofrimento que está causando para muitos pais, opina.

Katiucia aponta que um dos fatores que mais lhe chamou atenção na trama foi o posicionamento dos adolescentes. A maioria deles se preocupava com outros e não com ele mesmo. Eles se preocupavam com o que os seus amigos vão pensar quando verem isso, o que meus amigos vão dizer se eu cometer um suicídio, como vai ficar isso para minha família, diz.

O peso que 13 Reasons Why pode ter para levar a um ato suicida, para a profissional, depende de cada adolescente. Há quem esteja bem psicologicamente e emocionalmente que consegue até ajudar amigos que podem ser influenciados, então para eles aquilo pode ser uma grande besteira. Já outros acham que aquilo é uma ideia, começam a pesquisar mais sobre o assunto, menciona.

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