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“Um amor e uma vida por Marechal Cândido Rondon” – por Vili Boeck

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(Fotos: Divulgação)

Nesta semana um rondonense comemora 80 anos de idade com muito amor e vida numa terra que com muita coragem e determinação enfrentou como desafio no ano de 1962 e adentrou às matas (da densa Mata Atlântica) do município de Marechal Cândido Rondon, recém-oficializado em 02 de dezembro de 1961 pelo então governador do Estado do Paraná, o excelentíssimo Ney Braga, para aqui fincar suas raízes, criar sua família recém-iniciada no Rio Grande do Sul e fazer deste município o seu verdadeiro “porto seguro”, às margens do Rio Paraná, para nunca mais desatracar.

As fotos que podemos ver estampadas aqui, em preto e branco e já amareladas pelo tempo (por serem de uma época em que uma câmera digital era inimaginável), foram tiradas em 1965 (pelo meu tio Levino Boeck, in memoriam), na região de Vista Alegre, hoje município de Entre Rios do Oeste, bem do ladinho do Lago de Itaipu, lago este inimaginável que o ser humano fosse capaz de trazer a água de um rio de altas barrancas para transbordarem e banharem muitas áreas cultiváveis da região em nome do progresso de um país.

O menino nos braços do pai em uma das fotos sou eu, quem lhes escreve este relato, baseado nos “causos” que o pai nos contava. Podemos ver que a mudança acabara de ser realizada com um caminhão Ford, e que os poucos móveis foram deixados em um “barraco”, com tábuas encostadas umas nas outras, e o fogão ainda no “pátio”, mas já aceso, para fazer um chimarrão para os ajudantes da mudança: meu avô (Willy Bledow), meu tio mais velho (Ilmo Bledow) e o dono do caminhão (Edmundo Kaul – vizinho do meu avô no Arroio Fundo). Tudo improvisado pelo pai numa clareira no meio da mata que era rodeada por diversos animais silvestres que habitavam as matas naqueles tempos, até por perigosas onças.

Papai caçava muito, e nos alimentava com caça e pesca. Os vizinhos, que naquela época eram muito unidos, precisavam da ajuda uns dos outros. Reuniam-se e saíam para caçar com seus cachorros sedentos para receber o sinal “vai!” para perseguir um animal que eles estavam pretendendo abater. Eram animais grandes, como pacas, que eram transportados nos ombros por dois homens, e cujo animal abatido era pendurado a um troco de madeira e assim transportado por várias horas. Essas incursões eram realizadas adentrando-se quilômetros mata adentro, passando com os equipamentos e a caça por rios que banhavam a região, e que muitas vezes eram profundos e cujas águas “batiam” no pescoço.

Era uma vida muito, mas muito simples. Eu era muito pequeno para saber de detalhes e saber o que era sofrimento. Moramos neste local registrado nas fotos até os meus cinco anos, mas tenho “flashes de memória” que me fazem lembrar de algumas brincadeiras e até de um gato que passou por mim correndo, desesperado, após o pai ter dado um tiro de espingarda nele para matá-lo (sim, eram comportamentos humanos diferentes dos de hoje em dia – tipo Velho Oeste!). Lembro-me que mamãe lavava as roupas num riacho que passava no “potreiro” e em cujo local eu também tomava banho. O preenchimento dos travesseiros era de pena de patos e o colchão era de palha de milho que a mãe afofava todas as noites antes de irmos dormir. Ela colocava a mão dentro de um “buraco” que ficava no meio do colchão e sacudia. Recordo do barulho da palha até hoje, e olha que já se passaram 50 anos. Sobre as penas dos patos e obviamente das patas, não sei como eles conseguiam essa proeza, eles faziam uma espécie de “milagre da multiplicação”, porque em pouco tempo tinha patos, galinhas e porcos por todo lado.

Nosso pai abriu três locais no meio da mata para dar de comer à família que ele estava formando. Derrubava toda essa mata no machado e na serra manual para abrir a área para o plantio. Naquela época não existia motosserra, nem trator de esteira fácil na região… então, um jovem de 24 anos de idade teve que fazer “tudo no braço”. Ele conta que ficou tão habilidoso que quando cortava as árvores, passava o machado de uma mão para a outra e não perdia o ritmo. Tinha a mesma eficiência nas duas mãos, tudo, e incansável, para terminar e preparar aquela terra com urgência, porque tinha pequenas barrigas para alimentar.

Hoje quando não encontramos comida na geladeira reclamamos, mesmo que o supermercado fique na esquina de casa, mas naquela época eles comiam o básico, pois o comércio mais próximo ficava a dezenas de quilômetros de casa. Comia-se feijão, arroz, legumes e verduras colhidas na própria propriedade, ovos e carne de caça, e como não tinha energia elétrica, a carne era frita com antecedência e guardada em latas de banha.

O primeiro local que ele preparou foi onde eu (Vilibaldo) nasci em 15 de novembro de 1964, em Marechal Rondon, próximo onde hoje é o aeroporto. O segundo local, esse das fotos, onde nasceria minha irmã (a Clair), em 10 de abril de 1968, e o terceiro já mais próximo da sede do município, no distrito de Margarida, onde nasceria meu irmão (Arivaldo), em 19 de julho de 1969, dia exato em que a Apollo 11 entrou na órbita lunar com as primeiras pessoas (astronautas) a pisarem na Lua no dia seguinte. O homem deu um grande passo para a humanidade, e meu irmão mais novo, o “Néne”, entrou na órbita terrestre.

Nesta última chácara em Margarida eu passei o meu primeiro grande susto, apesar de ter apenas cinco anos. Nosso pai tinha acabado de construir a casinha, já estávamos morando nela e meu irmão tinha acabado de nascer, em casa, claro, e o pai pôs fogo nas árvores que ele derrubou para aumentar a área útil da chácara. Apesar da minha pouca idade, eu vi aquelas labaredas enormes vindo na direção da casa e pensei: “O fogo já vai queimar a nossa casa nova!”. Mas não queimou, aquele “cara” agora com 29 anos sabia se virar muito bem.

Ficamos nesta última chácara até o ano de 1978, e então mudamos para “a cidade”, como se dizia na época, e viemos morar na Rua Santa Catarina, no Loteamento von Borstel, e é claro, rua sem asfalto na época e era “lá longe”, que alguns comentavam. Ficamos muito tristes em deixar nossas coisinhas lá na chácara, pois tínhamos o nosso “campinho de futebol privativo” no meio do “potreiro” – “Éramos ricos e não sabíamos”. Mas tanto o pai quanto a mãe diziam: “É para o futuro dos nossos filhos. Na cidade eles terão mais oportunidades”. Por muito tempo nós não vimos isso, mas somos muito gratos aos nossos pais por terem feito isso por nós. Hoje cada um dos irmãos já tem muitas conquistas na vida, e aposto que nenhuma delas precisou ser tão “suada” como as coisas que nossos pais passaram nos primeiros anos no meio de derrubadas, queimadas e plantações de milho, feijão e soja, tudo com a máquina de plantar manual, a tão conhecida “matraca”.

Meu pai, apesar de “rude” e com pouco estudo, nos “castigava” bastante, mas nos deu amor do jeito dele, ao qual eu preciso confessar que fui muito ingrato nesses anos todos. Ele (Waldino) faz 80 anos nesta quarta-feira, 11 de março. Está velhinho nosso pai. Perdemos a mãe (Dona Silita) no dia 28 de abril do ano passado, mas sabemos que onde ela está, com certeza está feliz em ver que um guerreiro atingiu 80 anos, uma idade que poucos vencem na luta pela vida!

Os filhos, os parentes, os amigos e os rondonenses amam o senhor, seu Waldino Boeck. Obrigado por ter enfrentado bichos, cobras, jagunços, desavenças e tantas outras dificuldades para dar vida e educação a seus filhos. Como rondonense, os cidadãos desta cidade também lhe agradecem por ter colaborado e ajudado a formar o município, que hoje conta com mais de 51 mil e tem sua economia apoiada no agronegócio, mas também baseada no setor de serviços, com destaque para a indústria de alimentos, tecnológica, mecânica, têxtil, produtos minerais não metálicos, pela comercialização de aves de corte e a criação de suínos, além de ser uma das melhores cidades para para se viver no Brasil. Tudo isso só tem um motivo: graças a pessoas como o Seu Waldino, que vieram colonizar esse município.

Por Vili Boeck

vaboeck@yahoo.com.br

 

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