Fale com a gente

Marechal 2ª Cia da PM

“Anjos” que salvam vidas: soldados falam sobre experiência de socorrer vítimas que tentam se suicidar

Publicado

em

Soldados Diego Rodrigues de Cristo e Thais Campos Lambert: “A gente tira forças de onde nem sabe que tem e consegue salvar a pessoa. É um sentimento bom, de alívio, mas cercado de tristeza por ver alguém tentando tirar o bem mais valioso de todos, a vida” (Foto: O Presente)

Suicídio. O assunto é tabu. Tão complexo que se evita falar a respeito. A mídia por medo de aumentar os números; as pessoas por medo do tema em si. Com isso, corta-se o diálogo, o que nem sempre é a melhor decisão, pois um problema dessa magnitude não pode ser negligenciado, até porque ele pode ser prevenido.

Por sinal, 90% dos casos de suicídios podem ser evitados, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

“ANJOS” QUE SALVAM VIDAS

Dentre os “anjos” que salvam vidas estão os policiais.

Há cerca de um mês, o que poderia ser mais um caso de fim à própria vida teve um final diferente devido à destreza de profissionais da 2ª Companhia do 19º Batalhão da Polícia Militar.

Era madrugada quando a situação foi repassada à Central de Operações Policiais Militares (Copom) de Marechal Cândido Rondon. No telefone, o rádio operador em plantão no momento, soldado Pedro Henrique Golin, recebeu as informações sobre uma vítima de suicídio. Ao solicitar mais detalhes, o agente questionou se o solicitante conhecia o indivíduo que havia se suicidado e ele respondeu: “Sim, eu mesmo”, desligando em seguida.

Na sequência, o soldado acionou a equipe policial que estava na rua, formada pelos soldados Diego Rodrigues de Cristo e Thais Campos Lambert. “Rapidamente nos deslocamos até o local informado e, chegando lá, localizamos uma pessoa na varanda, não sabendo precisar o que acontecia. Agimos com cautela, porque poderia ser alguma outra coisa, mas, ao iluminar o ambiente, vimos alguém já pendurado por uma corda, girando. De pronto, pulamos o portão da frente, o muro e tivemos acesso à varanda ao lado de fora da residência”, conta à reportagem de O Presente o soldado Diego, policial militar há sete anos e há seis em atuação em Marechal Rondon.

Uma vez próxima à vítima, a dupla realizou manobras para tentar livrar o sujeito da corda que estava envolta em seu pescoço. “Estava meio apagado, mas vivo. Conseguimos livrá-lo dos laços, já estava com sinais vermelhos no pescoço e com dificuldade em respirar”, menciona o policial, lembrando que o Corpo de Bombeiros chegou em seguida para prestar os primeiros atendimentos.

 

RÁPIDA TOMADA DE DECISÃO

Policial militar há seis anos e há três atuando em Marechal Rondon, a soldado Thais diz que normalmente trabalha na Patrulha Escolar e a ocorrência daquela madrugada foi impactante para ela. “Com a pandemia e as escolas fechadas, estou trabalhando na Rádio Patrulha (RPA). Antes eu fazia palestras, orientava e atendia ocorrências dentro das escolas, agora atuo em ocorrências em geral. Esse atendimento em específico foi uma experiência que eu nunca imaginei viver. Salvar uma vida e ainda mais sendo um jovem foi muito impactante”, enaltece, emocionada.

Diego e Thais destacam que a ação da equipe foi pontual e certeira, considerando que qualquer tempo a mais poderia ser tarde demais. “Se tivéssemos demorado, chegaríamos lá tarde demais. Depois que teve a vida salva, o jovem relatou que ligou à Polícia Militar para não ficar a noite inteira lá, pendurado. Ele queria que o encontrássemos logo para ele não ser encontrado por uma pessoa desconhecida”, menciona a soldado Thais.

O soldado Diego comenta que o esperado era dar encaminhamento a um atendimento com morte. “Nesta situação em específico, não recebemos muitas informações como em outros casos para que, durante o deslocamento, planejássemos o modo de ação. Não sabíamos como a tentativa aconteceria, mas, por fim, encontramos alguém quase sem vida, mas com vida. Foi uma tomada de decisões muito rápida”, ressalta.

O policial expõe que trabalha há mais tempo em RPA e afirma que situações como essa são sempre complicadas. “Trata-se de um atentado ao bem mais valioso de todos, a vida. A gente tira forças de onde nem sabe que tem e consegue salvar a pessoa. É um sentimento bom, de alívio, mas cercado de tristeza por ver um jovem nessa tentativa”, pondera.

 

MAIOR INCIDÊNCIA

De acordo com a soldado Thais, Marechal Rondon apresenta maior incidência de casos de suicídio entre idosos. “Geralmente de 60 a 70 anos, a pessoa não trabalha mais e não tem muito contato com a família. Acaba sofrendo, entra em depressão e comete suicídio”, aponta.

Todavia, segundo ela, também são recorrentes casos envolvendo jovens. “São pessoas com um futuro a ser construído, com muitos sonhos e uma vida toda pela frente. Mesmo assim, encontram dificuldades. Muitos jovens se mudam ao município rondonense, vivem sozinhos e não têm com quem se ‘abrir’, sofrem com a falta de emprego e oportunidades. A insatisfação, a solidão e a tristeza fazem com que a pessoa não tenha forças de viver”, analisa.

 

CASOS DENTRO DA POLÍCIA

Até mesmo dentro do ambiente militar são comuns os casos de suicídio entre policiais ou ex-policiais. “Temos frequentemente palestras, porque trabalhamos com muitas ocorrências ‘pesadas’, com uma grande carga emocional envolvida que pode sobrecarregar o agente”, lamenta a soldado Thais.

O soldado Diego enfatiza a importância de se buscar ajuda psicológica para enfrentar obstáculos e seguir a vida.

 

CRISE EMOCIONAL PODE LEVAR À IDEAÇÃO E TENTATIVAS DE SUICÍDIO

O suicídio está relacionado ao aumento do número de transtornos mentais na sociedade, tais como a depressão, o alcoolismo, o transtorno bipolar, o transtorno borderline, os transtornos de ansiedade, entre outros.

Outro fator que contribui para o crescimento do suicídio é que na sociedade moderna há pouco espaço para o sofrimento e para o acolhimento de quem sofre.

O comportamento suicida é um fenômeno complexo e multifatorial. Fatores pessoais, sociais, psicológicos, culturais, biológicos, ambientais compõem a questão.

As pessoas que pensam ou tentam tirar a própria vida estão passando por um grande sofrimento e a dor emocional se torna tão grande que o desejo de interrompê-la é maior do que qualquer dor física que uma tentativa de suicídio possa causar.

Na maioria dos casos elas já procuraram ajuda anteriormente.

Psicólogo João Paulo Brunelo Miguel, integrante da equipe multidisciplinar do CAPs I: “Essas situações requerem uma abordagem de acolhimento e isso tem que ser feito com cuidado. É importante que quem vai abordar tenha a concepção de que está diante de uma pessoa em situação drástica de fragilidade” (Foto: Divulgação)

 

CRISE EMOCIONAL

De acordo com o psicólogo João Paulo Brunelo Miguel, integrante da equipe multidisciplinar do Centro de Atenção Psicossocial (Caps I) de Marechal Rondon, as pessoas com ideação suicida geralmente estão em situações de crise emocional. “O que é a ideação de suicídio? Trata-se de um pensamento de morte, a visualização de métodos para se matar. Então, a pessoa tem o elemento de planejamento, de premeditação, que é uma situação de alto risco”, explica. “Há uma fragilidade diante de determinados acontecimentos, sejam recentes ou não. São situações de estresse, de violência, de opressões, entre outras, que podemos apontar como fatores de risco à integridade da pessoa, seja ela física, mental, emocional, moral e todos os aspectos que dizem respeito a uma pessoa”, amplia.

 

ABORDAGEM

Segundo ele, o primeiro pensamento diante de uma pessoa nessas condições deve ser o acolhimento. “Essas situações requerem uma abordagem de acolhimento e isso tem que ser feito com cuidado na maneira de se comunicar, dirigir a palavra; deve haver uma ponderação ao se dirigir à pessoa”, destaca, observando que o indivíduo está em sofrimento e, não raro, sente-se desesperado. “É importante que quem vai abordar tenha a concepção de que está diante de uma pessoa em situação drástica de fragilidade. Esse é o ponto de partida”, orienta.

A partir desse primeiro contato, Miguel diz que é preciso direcionar a pessoa aos pontos de atenção de saúde mental. “Na saúde mental, a ideação de suicídio é considerada um caso de urgência e geralmente tem prioridade de atendimento. Agora, as tentativas de suicídio, a iminência ao ato suicida, são emergências e devem ser atendidas com a máxima prontidão”, salienta.

 

INTERVENÇÃO

Em casos de urgência e emergência, a orientação é se dirigir à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), expõe o psicólogo. “Essas situações requerem intervenção, uma conduta médica. É preciso ter algum nível de sedação, seja em medicação ou algum tipo de contenção”, pontua.

Ele ressalta que uma das estratégias é a contenção física. “Uma pessoa que está agitada deve ser amarrada como forma de contenção para proteção ou pode ser feita a contenção química com o uso de uma medicação ou de um conjunto de medicações para ter uma sedação e estabilizar o quadro de saúde mental”, exemplifica.

 

TRATAMENTO

Uma vez atendido pelos serviços de saúde, Miguel comenta que em Marechal Rondon os casos são direcionados ao CAPs, um setor especializado em saúde mental. “Analisamos o caso e estabelecemos um plano terapêutico junto com a pessoa e seus familiares. Há uma série de orientações sobre autocuidados, além de um elo de compromissos e responsabilidades de tratamento com a pessoa em tratamento e sua família, a qual acompanha e tem poder de monitoramento”, destaca.

Segundo ele, o contexto em que a pessoa teve a crise é analisado e, a partir daí, trabalha-se o senso de autocuidado. “Procuramos o restabelecimento da integridade da pessoa, mostramos como lidar com as situações problemas que ela está passando, tentamos resgatar quais são os seus projetos de vida pessoal ou profissional e, por fim, analisamos como é a dinâmica de vínculos de modo geral”, detalha, acrescentando: “Procuramos restabelecer a saúde mental dessa pessoa, suas formas mais amplas de autonomia e independência”.

 

O Presente

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente