Fale com a gente

Marechal "Vício" diário

Cuia sai da roda, mas chimarrão sobrevive aos novos tempos; rondonenses falam sobre mudança de hábitos

Publicado

em

Potencial transmissor do coronavírus, chimarrão se adapta em plena pandemia. Mesmo com empresas suspendendo o compartilhamento de cuias e pessoas deixando o hábito um pouco de lado, supermercados de Marechal Rondon registram crescimento nas vendas de erva-mate e de itens relacionados à bebida (Foto: O Presente)

Ainda cedinho, antes do sol subir e começar a esquentar a terra paranaense, chia uma chaleira com a água no ponto para preparar um chimarrão em milhares de lares. Em muitas regiões do Estado, o hábito é recorrente, inclusive preferido antes mesmo que o café. É fato que a erva-mate faz parte da identidade estadual, integrando até mesmo a bandeira do Paraná, atualmente o maior produtor nacional da matéria-prima para o chimarrão.

O hábito de consumir a bebida guarda em si um traço que se tornou preocupante com a pandemia do coronavírus: o compartilhamento da cuia. Hoje uma lembrança distante, o chimarrão era presença obrigatória (e compartilhado) em lojas agropecuárias, cooperativas, bancos, escritórios e muitos outros estabelecimentos.

Com o coronavírus rondando, no entanto, o hábito diminuiu como forma de prevenção e várias empresas se readequaram à circunstância. É o caso da Ultra Sistemas, de Marechal Cândido Rondon, que repensou a rotina de compartilhamento da bebida.

“Todos os dias pela manhã eu fazia três chimarrões e deixava em cada uma das salas. Cada setor tinha o seu chima e ele ficava rodando pela manhã. Muitas pessoas tomavam. Por conta da Covid-19, optamos por não fazer mais. É uma forma de prevenção”, contou ao O Presente a colaboradora do setor administrativo da empresa rondonense, Vanessa Bergmann.

Colaboradora da Ultra Sistemas, Vanessa Bergmann era responsável por preparar o chimarrão na empresa, que foi cortado com a chegada da pandemia: “No início muitos reclamaram da ausência da bebida, mas depois perceberam a importância desse cuidado” (Foto: Divulgação)

 

HÁBITO AUTOMÁTICO

Segundo ela, no início muitos reclamaram da ausência da bebida, mas com o desenrolar da pandemia perceberam a importância desse cuidado. “Eu era responsável por preparar, mas também tomava chimarrão no meu setor e hoje não tomo mais”, frisa.

Além da bebida quente, a empresa deixou de lado outra bebida queridinha dos rondonenses: o tererê. “Funcionava no mesmo esquema que o chimarrão, ficava em cada setor e era compartilhado. No início, quando paramos de tomar, eu até retirei as bombas e cuias para que ninguém fizesse. É um hábito automático, não é extremamente necessário, mas gostávamos. Contudo, conseguimos ficar sem e nossa saúde fica mais protegida”, ressalta Vanessa, emendando: “Continuamos servindo café, porque cada um se serve individualmente. O chimarrão, por outro lado, segue apenas se for individual”.

 

MATEAR SOZINHA

Marli Fachi é daquelas que tem até dores de cabeça caso fique sem tomar o seu chimarrão. “Ou eu tomo um remédio ou eu me rendo ao chimarrão para a dor passar”, comenta ela, que toma a bebida desde cedo.

Segundo a rondonense, a pandemia mudou bastante seu modo de tomar chimarrão. “Antes sempre que chegava alguém já fazia o chima, mas agora quase não ofereço. Ainda tomo todo dia e toda hora, mas o tempo que fiquei sem receber visitas, cerca de 60 dias, me fez repensar algumas coisas”, compartilha.

A opção, conforme a dona de casa, foi investir em bebidas mais seguras para as suas visitas. “Eu passava café, porque aí cada um toma na sua xícara e está tudo certo. Ainda faço chimarrão para algumas amigas mais próximas, mas tomamos apenas em duas. Não há mais aquela roda de chima e conversas”, relata, acrescentando que essa mudança foi difícil: “Tomar chimarrão sozinha não é legal. Sempre recebi muitas pessoas e cortar isso de repente foi complicado”.

Rondonense Marli Fachi é “viciada” em chimarrão. Para ela, ficar sem tomar umas cuias é sinônimo de mal-estar: “Tomar chimarrão sozinha não é legal. Sempre recebi muitas pessoas e cortar isso de repente foi complicado” (Foto: O Presente)

 

HORÁRIO SAGRADO

Por volta das 18 horas, é sagrado Marli estar com a cuia nas mãos. “O chimarrão é uma coisa prática. Quando alguém me visitava e ainda não tinha tomado, era fácil fazer e matear com a pessoa. Com a pandemia veio esse receio, mas espero que logo as coisas normalizem para que voltemos com a nossa rotina”, pontua.

Agora, Marli conta que não cabe mais a ela oferecer o chimarrão. “Quando chega uma visita, só faço se a pessoa pedir. Eu quando vou nos outros lugares não tomo caso ofereçam”, expõe.
A rondonense diz que diminuiu a quantidade de vezes que faz chimarrão, pois não acha graça matear sozinha.

 

AUMENTO DO CULTIVO À INDÚSTRIA

Mas se o coronavírus bloqueando o hábito de tomar chimarrão coletivamente parecia o prenúncio de um golpe na cadeia do mate, foi justamente o contrário que ocorreu. Produtores de erva e indústrias do Paraná apontam um aquecimento do mercado por conta de as pessoas estarem mais em casa, com mais tempo para preparar a bebida, e também a adaptação para a cuia individual.

A ervateira paranaense Verde Real, por exemplo, processa de 250 a 350 mil quilos de erva em folha mensalmente e tem percebido um aumento de 15% em sua demanda, com os administradores relatando certa dificuldade em conseguir erva-mate. E não é para menos, haja vista que o preço da arroba da matéria-prima do chimarrão encerrou agosto em R$ 17,26, representando o maior aumento desde novembro de 2019 e um avanço em relação ao início da pandemia, quando o preço estava em R$ 15,98.

Mesmo com reajuste nos preços, supermercados rondonenses registraram aumento de 5% a 10% nas vendas de erva-mate e acessórios (Foto: O Presente)

 

CONSUMO LOCAL

Nos maiores supermercados de Marechal Rondon, a maioria registrou aumento nas vendas de erva-mate nestes meses de pandemia. “Tivemos aumento nas vendas de erva-mate para chimarrão e para tererê, bem como os acessórios, desde o início da pandemia”, aponta o gerente de varejo do Supermercado Copagril, Jaroslav Bradacz Neto, mensurando: “O crescimento foi de 5,34% nas ervas-mates e de 11,34% nos acessórios, se comparado com meses anteriores à Covid-19”.

Segundo ele, as normas de distanciamento modificaram a rotina de consumo desses produtos. “Antes se tomava o chimarrão e o tererê em rodas de amigos, mas, agora, devemos evitar o compartilhamento da cuia. Outro fator foi que em casa com mais tempo, as pessoas aumentaram o consumo”, avalia, ampliando: “Os acessórios foram influenciados da mesma forma. Por exemplo, famílias com duas pessoas em casa multiplicaram para duas cuias e duas bombas para que cada um faça o seu chimarrão ou tererê”.

 

 

ACESSÓRIOS INDIVIDUAIS

Conforme o gerente de compras do Supermercado Cercar, Darci Diesel, o estabelecimento percebeu uma venda maior de itens ligados ao chimarrão e ao tererê. “No que diz respeito ao chimarrão, somente um pouco a mais, pois agora estamos com dias bem quentes, mas nos itens do tererê há bastante procura. Estimo um aumento de 10% na venda desses itens de modo geral”, comenta.

Diesel menciona que o que se nota no supermercado é a procura por acessórios para chimarrão ou tererê com dimensões menores, já que o consumo individual foi intensificado. “Depois da pandemia, até passamos a comercializar as chamadas ‘cuias uruguaias’. É um purungo como os outros, só cortada mais baixinha, sem aquela volta superior. Por ser menorzinha, as pessoas buscam para a porção individual, cada uma saboreando o mate com a própria cuia”, expõe, acrescentando que ele mesmo repensou seus hábitos com o chimarrão: “Quando eu vou na casa de alguém, não tomo chimarrão”.

Gerente de compras do Supermercado Cercar, Darci Diesel: “Depois da pandemia, até passamos a comercializar as chamadas ‘cuias uruguaias’. Por serem menorzinhas, elas são bastante procuradas, pois facilitam para a porção individual” (Foto: Arquivo/OP)

 

REAJUSTE NOS PREÇOS

No Supermercado Allmayer, por sua vez, as vendas de erva-mate e itens relacionados se mantiveram estáveis, sem aumento perceptível. “Acreditamos que as pessoas seguiram as recomendações para não compartilhar a bomba e pensaram antes de consumir. Por outro lado, percebemos um aumento nas vendas relacionadas ao tererê, possivelmente devido ao calor dos últimos dias. Ainda assim, o crescimento não foi muito perceptível, porque os jovens, principalmente, não se reúnem mais para tomar como antes da pandemia”, salienta o gerente de compras do estabelecimento, Sidney de Melo Barbosa.

De acordo com ele, outro fator para a estabilidade das vendas foi o reajuste nos valores. “Tivemos aumento do preço, subindo de 15% a 20% devido à estiagem e à consequente queda na produção”, conclui.

Gerente de compras do Supermercado Allmayer, Sidney de Melo Barbosa: “Tivemos aumento do preço da erva-mate, subindo de 15% a 20% devido à estiagem e à consequente queda na produção” (Foto: Divulgação)

 

O Presente

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente