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Marechal DEBATES

Curso sobre o “golpe de 2016” gera polêmica em Marechal Rondon

Tendo como prerrogativa o impeachment de Dilma Rousseff e seus desdobramentos, curso extensivo que será realizado no campus da Unioeste tem gerado controvérsias e questionamentos de membros da sociedade que alegam doutrinação por parte da instituição

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O processo de impeachment de Dilma Rousseff, concluído em agosto de 2016 com a saída definitiva da presidente do poder, deflagrou uma ferida aberta na sociedade. Apesar da ampla maioria no Senado ter decidido pela saída da petista, a sociedade mostrou uma divisão de opiniões que foi anunciada ainda durante as eleições de 2014, ano em que a primeira mulher a presidir o Brasil foi reeleita com 54 milhões de votos.

Enquanto boa parcela da população apoiou o impeachment de Dilma, outra fatia foi e ainda é contra, classificando-o de “golpe”, um dos mantras utilizados pelos defensores de Dilma no processo.

Até hoje, dois anos após o fato, as discussões acerca do assunto continuam acirradas, motivadas principalmente pelas movimentações e mudanças no cenário político brasileiro desencadeadas após o processo de impeachment.

Além de gerar controvérsias entre juristas, cientistas sociais e políticos, parlamentares, militantes partidários e sociedade em geral, o assunto será tema de um curso de extensão gratuito promovido pelo curso de História do campus rondonense da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a partir desta quinta-feira (19), até o mês de agosto, com encontros semanais.

O curso, fundamentado no tema “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, tem recebido críticas e questionamentos por parte de muitas pessoas da sociedade, embasados na opinião de que uma universidade pública de representatividade não deveria promover um curso de “forma dirigida” acerca de um assunto tão polêmico no atual cenário político, o qual, segundo alegam, soa mais como uma doutrinação do que um debate. “Para esse pessoal o impeachment foi golpe e depois dele tudo o que acontece na política e suas vertentes agora é golpe. Isso é ridículo”, criticam.

 

Dever da universidade

Diante das controvérsias, o diretor-geral do campus rondonense da Unioeste, Davi Félix Schreiner, alega que é dever da universidade debater temas e problemas sob diferentes enfoques, mesmo que, por vezes, eles sejam polêmicos. “A universidade é plural. O próprio termo significa universalidade de correntes, referenciais teóricos, interpretativos e de metodologias, portanto, nós estamos falando que a universidade expressa a diversidade que a própria sociedade manifesta”, declara.

O curso, de acordo com o diretor-geral do campus, foi aprovado em todas as instâncias acadêmicas internas da Unioeste e está registrado na Pró-Reitoria de Extensão, por isso não cabe nenhuma ação no sentido de barrar a sua realização. “Tratar de questões polêmicas na sociedade, das quais se tem diferentes visões e interpretações, faz parte da própria natureza da universidade. E a Unioeste não pode fugir de debater questões que se fazem presentes nas relações, quer sejam sociais, políticas ou culturais da sociedade”, defende.

Funcionário público Paulo Cesar Cordova: “A sociedade não precisa nos dias atuais ser nutrida com segregação deste ou daquele lado, ela precisa ser direcionada para a busca do consenso de ética, desenvolvimento e prosperidade coletiva”

Rondonenses alegam doutrinação

Membros atuantes da sociedade, alguns rondonenses se mostram indignados com a realização do curso de extensão e afirmam haver doutrinação por parte da instituição ao promovê-lo.

Para eles, falar do impeachment tem seu viés de importância, haja vista que retrata um momento conturbado para o qual o país passou, porém, fazem ressalvas quanto à afirmação do processo ter sido um golpe. “Tratar tudo isso com a égide para um golpe me parece ser extremamente forçado e pretensioso. Obviamente existem interesses ocultos, os quais não fazemos ideia. Contudo, teve também um partido de esquerda que desviou totalmente de suas finalidades ideológicas e permitiu que a corrupção que já existia eclodisse como uma forma de mercado institucionalizado. A sociedade não precisa nos dias atuais ser nutrida com segregação deste ou daquele lado, ela precisa ser direcionada para a busca do consenso de ética, desenvolvimento e prosperidade coletiva”, declara o funcionário público Paulo Cesar Cordova.

O curso, na visão do rondonense, é claramente uma referência forte para a “doutrinação partidária”. “Pois quando temos títulos de debates descrevendo claramente uma posição única e fechada, estamos direcionando todo o corpo discente a uma única conclusão. Estudantes precisam ser ‘alimentados’ culturalmente, precisam receber a balança com pesos iguais, pois a justiça da avaliação somente acontece quando o homem possui a ‘bússola moral’ indicando o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste. Quando isso não ocorre estamos fadados à construção de uma sociedade injusta e autoritária”, expõe.

Cordova afirma que gostaria de ver uma instituição com direcionamento claramente apolítico, mas com uma formação crítica. “Construtora de líderes sociais com visão global, capazes de propagar conhecimento sem interesses obscuros. Golpes são dados quando a sociedade permite, sem oposição, direcionamentos como este que estamos vendo”, opina, acrescentando: “Espero ver a instituição formar futuros líderes e propagadores de informação com base equilibrada, sem influência de orientação partidária, nem tampouco apegados a paixões ideológicas”.

Empresário Paulo Ivandro Kempfer: “O Brasil como um todo agiu e destituiu (a Dilma) através de mecanismos democráticos. Se foi certo ou errado a história vai dizer no futuro”

Uso do dinheiro público

O empresário Paulo Ivandro Kempfer, que atuou como professor universitário por quase 20 anos, diz causar estranheza uma universidade usar dinheiro público para esse fim. “Estão usando esse dinheiro para doutrinar. Porque não existe nenhuma garantia que o impeachment foi um golpe como está sendo colocado por esse curso”, relata.

Kempfer fundamenta sua opinião ressaltando que ainda hoje não existe um consenso sobre o assunto, que continua muito discutível. “Na opinião da maioria dos brasileiros não foi um golpe, e sim uma destituição feita pelos próprios brasileiros. Um ato democrático. Então é estranho investir dinheiro público em um curso para convencer as pessoas de que foi um golpe”, diz. “Eu, enquanto professor, tentei transmitir conhecimentos que eram notórios e científicos, que é o objetivo de uma universidade. Esse, no entanto, é um tipo de ensino bem discutível, principalmente pelo que vai ser pregado”, complementa.

Na visão do empresário, o processo de impeachment foi democrático. “O Brasil como um todo agiu e destituiu (a Dilma) através de mecanismos democráticos. Se foi certo ou errado a história vai dizer no futuro”, afirma Kempfer.

Além de indagar sobre o uso do dinheiro público, o rondonense questiona o uso da estrutura da universidade para a promoção do curso. “Tanto o dinheiro quanto a estrutura poderiam estar sendo destinados para promover algum crescimento da sociedade”, analisa, acrescentando: “Eu penso que poderia ser feito um debate sobre o assunto, mas não promover um curso (de abril a agosto) sobre o golpe, até mesmo porque a sociedade não sabe, de forma correta, o que aconteceu”, finaliza.

 

Liberdade de expressão

O diretor-geral do campus de Marechal Rondon da Unioeste rebate a afirmação de doutrinação, salientando que não há um pensamento único pelo qual a universidade se faz, mas, sim, que parte da diversidade interpretativa das correntes teóricas e de pensamento. “A universidade enquanto instituição de ensino preserva o direito de liberdade das pessoas terem interpretações diversas acerca do mesmo tema”, afirma.

Segundo ele, os cursos e demais atividades de extensão, como os próprios nomes dizem, são abertos à comunidade externa. “Qualquer pessoa pode se inscrever e participar do curso. Da mesma forma que não há restrição para que a universidade discuta temas por vezes polêmicos na sociedade, não há restrição que pessoas da comunidade participem e debatam a proposição dos temas elencados no curso”, relata o diretor-geral.

Na sua concepção, todo pensamento, corrente teórica ou interpretativa é passível de debate, que deve ser sempre maduro e tecido a partir de evidências materiais que possibilitem a interpretação e posterior conclusão. “Qualquer pessoa, seja favorável ou contrária a essa situação pode assim fazer. Na universidade o debate tem que ser feito, evidentemente que a partir de premissas e a partir de elementos que possam sustentar as interpretações feitas, seja do ponto de vista histórico quer seja de outras áreas do conhecimento”, conclui, enaltecendo que a instituição recebe alunos seja na graduação ou na pós-graduação que possuem diferentes trajetórias de vida, classes sociais, denominações religiosas, concepções políticas e opções partidárias.

Diretor-geral do campus rondonense da Unioeste, Davi Félix Schreiner: “Tratar de questões polêmicas na sociedade, das quais se tem diferentes visões e interpretações, faz parte da própria natureza da universidade”

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