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Marechal Em busca de oportunidades

De Marechal Rondon para os Estados Unidos: rondonenses falam da realização do sonho americano

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Na época do Halloween é bastante comum intercambistas tirarem foto em meio às abóboras (Foto: Arquivo pessoal)

Seja em filmes, séries, livros ou músicas, estamos a todo momento rodeados por discussões sobre a cultura norte-americana e o tal sonho americano, o american dream. O termo é a representação de que todos os indivíduos possuem o direito inalienável de viver a vida, a liberdade e de buscar a felicidade incessantemente.

É comum ouvirmos pessoas dizerem que têm o sonho de ir morar nos Estados Unidos para tentar uma vida melhor. Para a rondonense Mirely Weirich, este sonho vinha desde a infância. “Desde muito nova eu queria morar nos Estados Unidos. Sempre tive vontade de conhecer pessoas novas e outras culturas, que me ensinassem coisas diferentes”, comenta a jornalista, que mora em Dallas, Texas, desde julho de 2021 e trabalha como au-pair (uma modalidade de intercâmbio na qual a pessoa viaja para trabalhar cuidando dos filhos de uma família).

A paixão pelos Estados Unidos surgiu a partir dos estereótipos mostrados pelas mídias. “Eu via a rotina dos norte-americanos nos filmes e queria viver essa experiência. E também por conta do idioma, já que eu adoro a língua inglesa”, conta.

Aos 13 anos, Mirely consumia bastante música pop e isso foi fundamental para que ela adquirisse uma noção do inglês, que foi desenvolvido posteriormente com alguns cursos. “Eu decorava as letras das músicas, lia nos sites e traduzia até agregar ao vocabulário e aprender a pronúncia das palavras”, lembra.

Choque cultural

Por mais que conhecesse a cultura estadunidense através de filmes e séries, ela não escapou do choque cultural quando chegou por lá. Afinal, a teoria é bem diferente da prática. “Quando eu cheguei, fiquei abismada com muita coisa. A alimentação e o cotidiano foram um choque cultural enorme. Por ser no Sul dos Estados Unidos, há uma influência muito grande do México e a comida tex-mex, como nachos, burritos e tacos. É uma comida apimentada, mas diferente do Brasil, aqui ela deixa a boca formigando”, menciona Mirely, enaltecendo a pluralidade alimentar. “Aqui há acesso fácil para qualquer culinária. Se eu quiser comida tailandesa, brasileira, chinesa, japonesa, tem opções. Não é apenas hamburgers e Mac n’ cheese como a gente está acostumado a ver na televisão”, aponta.

Outra questão cultural são os horários. As pessoas jantam às 18 e vão para a cama às 20 horas. “Achei isso bizarro no início, pois no Brasil eu estava acostumada a chegar da faculdade às 23 horas, por exemplo, e encontrar a família ainda reunida assistindo televisão na sala. É muito diferente”, salienta.

A rotina escolar das crianças também é algo que Mirely sabia que era diferente, mas que precisava viver. “A escola é em período integral, das 07h45 às 15h30”, expõe.

As unidades de medida também são um verdadeiro Deus nos acuda. Em vez de quilômetros, eles usam milhas, em vez de centímetros eles utilizam polegadas. “Sou ruim em matemática, então geralmente pesquiso na internet e converto. É um pesadelo”, diz ela aos risos.

O fator que ela considera uma barreira é a questão de fazer amizades e criar laços com os nativos. Por ser jornalista, Mirely é uma pessoa bastante comunicativa. Em contrapartida, segundo ela, os norte-americanos são mais fechados e individualistas. “Não são como os brasileiros, sempre receptivos e prontos para oferecer aquele calor humano. Os estadunidenses são mais focados em construir uma carreira, ganhar dinheiro e se assustam com a nossa intensidade”, frisa.

Apesar disso, a rondonense encontra apoio nos amigos brasileiros que fez por lá. “Se eu não tivesse eles aqui, com certeza sentiria uma saudade bem maior de casa. Nós nos apoiamos muito nisso”, ressalta.

Preparo

Para o intercâmbio de au-pair Mirely se preparou por seis meses, desde a contratação da agência até chegar a Dallas. Nesse meio tempo ela enfrentou várias barreiras. Por ter feito a mudança durante a pandemia, os Estados Unidos estavam com as fronteiras fechadas para os brasileiros.

O momento mais estressante foi a espera do visto. “Como estava no meio da pandemia, consegui um visto de exceção. Mandei um e-mail para o consulado explicando minha situação e solicitei uma entrevista de emergência. Então eles analisariam o caso e averiguavam se agendariam ou não”, relata Mirely, que teve a entrevista negada no Rio de Janeiro e São Paulo e aprovada em Porto Alegre.

A entrevista foi realizada uma semana antes da data da viagem. E para tornar a viagem ainda mais radical, o passaporte chegaria pelos Correios. “Eu embarcaria à tarde e meu passaporte chegou pela manhã. A parte mais estressante é a burocrática. Eu estava arrumando as malas e poderia viajar talvez apenas duas semanas depois do previsto”, relembra Mirely, respirando aliviada.

Espírito livre

Como uma verdadeira jornalista, Mirely gosta de viver a vida no ethos da experiência. Mas isso não significa que ela vai sair por aí pulando de penhascos, cachoeiras perigosas e tudo mais. É tudo feito com bastante cautela, afinal, ela também precisa fazer economias para casos em emergência.
Um destes ensaios sobre a vida foi o skydiving – voar de paraquedas. “Eu estava em Utah visitando os parques nacionais e avistei uma placa informando sobre paraquedismo. Pensei ‘estou aqui para experimentar coisas que talvez nunca tenha a oportunidade de viver novamente”. E assim ela sobrevoou os parques nacionais, uma oportunidade única.

Sentimento de pertencimento

Mirely afirma que nesta nova fase de sua vida o sentimento é de pertencimento. “Penso que comecei a minha vida aqui. Vivo de uma forma independente. Em Marechal, eu tinha um trabalho que gostava, dirigia os carros dos meus pais, morava com eles. Tinha apenas a independência financeira. Aqui é diferente. É a vida que eu queria viver, o sonho que eu sempre quis viver”, enfatiza.

Mas isso não significa que ela se desfez do Brasil. “O maior desafio é estar longe da família”, pontua ela, que no dia da entrevista completou 27 anos. “Hoje é meu aniversário e minha mãe mandou uma mensagem. Eu comecei a chorar só em ler pelo simples fato de não estar recebendo um abraço dos meus pais”, compartilha.

Ainda assim existem dias e dias. “Todo dia eu sinto saudades do Brasil, dos memes, das piadas, mas não é um sofrimento total estar longe. Foi um processo fácil por eu estar aonde eu queria estar. Estou feliz com esta experiência, de trabalhar e conseguir comprar. Claro, sinto falta dos meus cachorros, gatos, dos meus pais, meus amigos, do calor humano. Meu coração é brasileiro”, garante.

Sair da bolha

O programa de au-pair pode ter duração de até dois anos. Agora em julho, vai fazer um ano que Mirely está na terra do Tio Sam e seu objetivo é continuar por lá. “Eu precisava sair da bolha em que eu vivia. Foi doído, mas não me arrependo”, destaca ela, que complementa brincando: “Eu tenho 27 anos, sou jovem. Em Marechal eu não tinha tantas opções de sair, já aqui têm várias. A minha indignação é que os lugares fecham às 02 horas. Isso é triste”, fala aos risos.

Perrengue

Óbvio que a vida no estrangeiro também é feita de perrengues. Além das confusões com a pronúncia das palavras e alguns erros gramaticais, há sempre situações engraçadas pelas quais o brasileiro ou qualquer intercambista passam. Com a Mirely não foi diferente. No drive-thru para fazer um pedido, por exemplo, é uma força-tarefa. “Eu peço a comida, o atendente fala rápido demais e a voz sai por aquele radinho de forma totalmente inaudível. Eles falam tão rápido que muitas vezes nem eu sei o que foi que eu pedi para comer. É sempre uma surpresa”, comenta.

A jornalista rondonense Mirely Lins Weirich mora em Dallas, no Texas, desde julho de 2021 (Foto: Arquivo pessoal)

Mirely no ponto mais turístico de Dallas, o Hunt Hill Bridge (Foto: Arquivo pessoal)

 

Decisão de partir

Outra rondonense que sempre quis viver o sonho americano é Vanessa Kunzler. Ela também mora em Dallas, no Texas. Formada em Turismo, a princípio, sua intenção era viajar pela Europa e conhecer vários países. Entretanto, pelo programa de au-pair era mais fácil fazer intercâmbio para os Estados Unidos.

“Para mim foi um intercâmbio super fácil, já que poderia ficar de um a dois anos, além de ter um crédito para estudar inglês e fazer cursos do meu interesse. Uma amiga minha tinha acabado de chegar deste mesmo intercâmbio e eu dei andamento a este sonho”, conta Vanessa, que realizou a viagem em 2007.

A preparação para o embarque não é tarefa fácil. “De repente temos que pensar no que levar, como se preparar para ficar um ano em outro país, quais informações devemos ter, como vou me sentir em relação a falar e entender o inglês”, recorda ela, que teve a oportunidade de pegar dicas com vários amigos que participaram do programa e auxiliaram no passo a passo.

Natal inesquecível

Vanessa embarcou no mês de dezembro. Por ser uma época de união, conexão familiar, além de representar a esperança e o sucesso em todas as áreas da vida, o choque cultural teve um apelo mais emocional. “De repente eu estava passando o Natal com uma família estranha. Aqui o costume é dar presente para todo mundo e eu tinha que seguir a tradição e comprar presente para pessoas que eu nem sequer conhecia. Então elas sentavam, contavam histórias, falavam do passado e eu ficava apenas observando. São situações que a gente se frustra e é um processo demorado até entender as coisas perfeitamente”, menciona.

E como nunca é fácil deixar a família e se aventurar em algo totalmente inédito, a saudade era o que mais apertava. Vanessa diz que na época do intercâmbio não havia a facilidade de falar com as pessoas em qualquer lugar do mundo como existe hoje. “Eu tinha que comprar um cartão de telefone e ligava de vez em quando ou então mandava e-mail”, lembra.

Apesar de tudo, viver a cultura norte-americana foi de muito aprendizado. “Vivi os feriados tradicionais, como Halloween, Ação de Graças. O réveillon em que ninguém usa branco, o feriado da Independência dos Estados Unidos, no 04 de julho, que é a maior celebração de todas, onde eles soltam fogos de artifício. São coisas que fazem as pessoas agregarem mais valores e abrirem a mente em relação a outras culturas”, considera.

Primeira parada

O primeiro ponto de chegada de Vanessa foi Nova Iorque. Na ocasião, ela fez um treinamento extensivo de três dias por meio do qual aprendeu os primeiros socorros infantis. “Foi naquele momento que caiu a ficha. Eu não entendia muita coisa. Era uma situação muito diferente de estar falando inglês com norte-americanos, no ritmo deles versus eu estar falando inglês com brasileiros ou em um curso de línguas”, recorda.

Depois deste período ela partiu para Dallas e a ansiedade novamente tomou conta. “Era eu sozinha com a sensação de conhecer uma família e morar com ela por um ano. Pensava se iriam gostar de mim, se a criança iria se adaptar comigo. Uma insegurança enorme”, ressalta.

No início há sempre uma certa timidez. Vanessa conta que não sabia o que fazer depois do expediente. “Ficava pensando se interagia com eles ou se ficava no meu quarto. E depois do jantar o que eu faço? Como eu peço o carro para ir em algum lugar e como eu vou se nem sei aonde é?”, questionava.

Como naquela época ainda não existia celular com GPS, Vanessa se aventurou nas peripécias do destino. “Eu imprimia a direção para chegar aos lugares e às vezes não sabia chegar. Me perdia e passava vários micos com as crianças e com os amigos”, recorda.

Pesos e medidas

As medidas de roupas e sapatos também causaram confusão. “É tudo diferente. Não sabia qual número eu usava aqui e nem entendia. Até para comprar carne e abastecer o carro era uma peleja”, enumera. Mas aos poucos Vanessa estabeleceu uma rotina. “A vida começou a ficar melhor depois de um tempo. Fiz amizades com as pessoas do meu intercâmbio, comecei a ter mais segurança ao falar inglês e decidi estender o intercâmbio por mais um ano”, relata.

Ela afirma que a comunicação, em geral, é a parte mais difícil. “Uma das coisas que a gente mais faz no começo é dar risada, fingir que entendemos alguma coisa sem nem ter ideia do que eles falaram”, enaltece. “Às vezes eles fazem piadas que remetem muito à cultura deles, dos programas antigos de TV e o entretenimento norte-americano, que muitas vezes não temos contato no Brasil”, expõe.

Apesar de tudo, Vanessa se considera uma pessoa adaptável. “Principalmente na questão de alimentação, moda e os hábitos”, resume.

Cidadã norte-americana

Hoje Vanessa Kunzler é cidadã norte-americana. “Casei nos Estados Unidos. Conheci meu marido enquanto estava no intercâmbio. Fomos apresentados por amigos em comum. Namoramos por um ano. Depois eu voltei para o Brasil por um tempo. Nessa de não saber o que fazer, voltei para os Estados Unidos para ter a experiência de morarmos juntos. Assim saberíamos se iria dar certo ou não, algo difícil, já que havia o prazo de um ano, no qual eu não poderia ultrapassar”, recorda.

No fim, tudo deu certo. Eles casaram e ela se tornou uma cidadão norte-americana. Passou por todos os trâmites de entrevistas, documentação e solenidade à bandeira dos Estados Unidos.

Atualmente, a rondonense vem ao Brasil uma vez por ano para ver os amigos e passar um tempo com a família. “A única decepção é ver que durante todo esse tempo as coisas não mudaram por aqui. O país enfrenta os mesmos problemas de infraestrutura e logística que começam já na chegada ao aeroporto. Somos uma nação tão rica, mas que não se desenvolve”, avalia.

Política à parte, a maior satisfação de Vanessa é chegar e se deparar com a culinária brasileira. “Não tem nada igual a nossa cozinha. Nosso pão de queijo, pastel, brigadeiro e salgadinhos de festa. Quando eu chego é a primeira coisa que eu peço para comer”, destaca.

Vanessa Kunzler fez intercâmbio em Dallas, no ano de 2007. Atualmente, possui o título de cidadã-norte-americana (Foto: Arquivo pessoal)

Vanessa e o marido Cliff Manning (Foto: Arquivo pessoal)

 

Sonho

Uma das experiências que Vanessa viveu dentro do sonho do intercâmbio foi conhecer as Ilhas Virgens, no Caribe. “Sempre tive o sonho de conhecer a região caribenha e esta foi a minha primeira viagem. Foi tudo maravilhoso. Eu tive a oportunidade de andar de submarino e foi super bacana”, enaltece Vanessa, emendando que não curte aventuras radicais. “Tenho medo de altura, então passo longe de paraquedas, bungee-jumpee e esportes relacionados”, finaliza.

Uma das experiências que Vanessa viveu durante o intercâmbio foi conhecer as Ilhas Virgens, no Caribe: “Foi a minha primeira viagem e foi tudo maravilhoso” (Foto: Arquivo pessoal)

Vanessa no submarino com a host family (Foto: Arquivo pessoal)

 

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