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Marechal Amor e superação

“Eu achei que não ia superar, mas com apoio da minha família lutei e virei o jogo”, diz Grillo após vencer a Covid-19

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(Foto: Giuliano de Luca/OP)

A Covid-19 fez o rondonense Grillo ter a conversa mais corajosa que já teve com Deus em toda a sua vida. Os dias intermináveis de tormento e dor na luta contra a doença fizeram com que ele se preparasse para morrer. “Se Deus quiser amenizar meu sofrimento, eu estou preparado”, refletiu ele a certa altura. Mas não. O plano não era esse. Essa poderia ser uma história do avanço da medicina ou mais uma entre as milhares de histórias do coronavírus, mas é uma história de Deus e do poder do amor de uma família. Se você não acredita em nenhum dos dois, é melhor parar por aqui.

Luiz Carlos Grillo Lirio. Ou Grillo, como é conhecido o farmacêutico de 67 anos, esposo, pai e avô, gremista roxo e piloto oficial da churrasqueira de uma casa que literalmente pode ser chamada de lar. Lar, doce lar. É ele o protagonista dessa história.

À reportagem de O Presente, Grillo contou sua experiência com o coronavírus ao lado da esposa Ingrun (Guni) e das filhas Sara e Ana Claudia (Poti). Netos e os oito cachorros corriam do lado de fora da casa, enquanto o homem que ficou mais de 30 dias entubado, quase desenganado, revelava os bastidores de uma recuperação que para muitos parecia impossível.

Grillo é uma pessoa bastante conhecida em Marechal Cândido Rondon. Dono de uma farmácia no centro da cidade, está sempre na ativa, atrás do balcão supervisionando e orientando o processo de venda de medicamentos, aplicando injeções ou, tão somente, administrando seu empreendimento. Contudo, quem foi à farmácia nos últimos tempos não encontrou ele por lá. “Eu não estava indo trabalhar por esses meses de pandemia. Tinha medo de contrair a doença. Estava me cuidado muito. Todavia, em setembro, acabei indo por uns dias para a farmácia para cobrir férias de um funcionário e no último dia antes dele retornar e eu voltar para o isolamento acabei tendo contato com uma pessoa que estava com Covid. Eu estava de máscara, mas ainda assim senti o risco. Não posso afirmar se foi a partir desse contato que eu contraí a Covid-19, mas acredito que sim”, contou Grillo, em uma entrevista que misturou lágrimas e sorrisos.

O contato de Grillo com a pessoa com Covid-19 aconteceu no dia 22 de setembro, uma terça-feira. Cinco dias depois, no domingo, dia 27, ele era internado em um hospital da cidade. No dia 30, quarta-feira (uma semana depois do início dos sintomas), com o quadro de saúde agravado, foi transferido para uma unidade de terapia intensiva (UTI) em um hospital de Cascavel. Acabou entubado. Longos 40 dias se passaram. Para a família, uma angústia colossal.

 

SUSTO

“Depois de ter tido contato com a pessoa que tinha Covid, e volto a frisar, não posso afirmar que foi a partir desse contato que eu contraí a doença, no dia seguinte, estava em casa fazendo um churrasco. Era dia de Gre-nal. Estava tomando uma cerveja e na hora me deu um negócio, um estalo. Senti uma coisa estranha. Logo pensei, isso não está certo. Depois comecei a sentir ânsia de vômito e mal-estar. Esperei até sábado ou domingo, chamei o Eduardo (Seyboth) (médico e sobrinho de Grillo) e disse: ‘doutor, eu tô com Covid’. Ele, então, me mandou fazer uma tomografia e eu já estava com o pulmão comprometido. Acabei sendo internado e o Eduardo falou que eu precisava ser entubado, que não tinha outra alternativa”, relembrou Grillo.

Ele disse que na hora ficou assustado. “Não sou jovem, então assusta. Fazia quase 50 anos que eu não entrava em um hospital. Sempre tive boa saúde. Não sou hipertenso, não tenho diabetes. Acho que nos dias que antecederam eu ter contraído o vírus, o meu sistema imune estava um pouco baixo, porque eu estava levantando todos dias às 06 horas para ajudar meu neto a estudar e depois das 16 horas eu ia para a farmácia. Chegava em casa às 23 horas, ia tomar banho e dormia uma hora da manhã. Eu dormia pouco”, expôs.

 

PAVOR

Antes de ser entubado, uma situação deixou Grillo apavorado. “Antes de me entubarem, eles tentaram colocar uma câmara, tipo um capacete ou uma máscara, uma bolha, mas eu não aguentei. Eu disse pelo amor de Deus, tira isso senão eu vou morrer, eu não aguento. Se não tem outra saída, então vamos entubar”, recordou.

 

33 DIAS SEM VER NADA

“Nesses cerca de 30 dias que eu fiquei sedado, eu não vi nada. Foram dias que sumiram”, salientou Grillo, que não viu sua saúde se despedaçar.

Ele perdeu 30 quilos, perdeu cabelo por causa da fricção com a cama hospitalar, teve problemas em um braço por causa do longo tempo deitado, lesões nos lábios devido aos aparelhos e uma ferida nas nádegas porque usava fraldas e a higienização nos hospitais é feita na medida do possível, não da forma ideal. A traqueostomia também foi necessária para melhorar a respiração, que incomodava.

“Depois de dias de sedação, aos poucos fui retomando a consciência. Estava sofrendo e via as pessoas sofrendo junto, mas escondendo de mim. Pensei, se Deus quiser amenizar meu sofrimento, eu estou preparado. Eu achei que não ia superar. E dizia, se é isso Deus, pode me levar. Mas vendo minha família, o que todos estavam fazendo por mim, disse: eu vou resistir. Eu lutei e virei o jogo”, evidenciou, entre lágrimas.

 

RECUPERAÇÃO

Após vários dias na UTI, o paciente com Covid-19 passa por etapas de reabilitação. O tempo prolongado de inatividade deixa o corpo atrofiado: há uma perda considerável de massa muscular, que compromete a locomoção e a respiração, sendo necessário ajuda profissional para a pessoa restaurar seu antigo desempenho.

No pós-UTI, os pacientes frequentemente não conseguem mais respirar sozinhos ou tossir adequadamente. A deglutição de alimentos é outro ponto que merece atenção e o sistema locomotor não fica de fora desse processo, pois a pessoa precisa resgatar a força, o equilíbrio e a firmeza para conseguir caminhar, erguer os braços e pegar objetos com as mãos.

Com Grillo não foi diferente. Sara e Poti contam que o pai teve que reaprender quase tudo, desde deglutir a comida, a andar, segurar a urina, entre outras situações.

“Tive alguns problemas por ter ficado deitado em uma posição por muito tempo. Tenho problema em um braço e estou fazendo fisioterapia para recuperar. Tive uma lesão na nádega, porque você está de fralda, sedado e faz as necessidades e não é na hora que as pessoas vêm tirá-las. Então, abriu uma lesão, mas agora está melhorando. Por causa da traqueostomia é necessário aspirar com frequência e para isso eu tenho uma técnica de enfermagem que faz os curativos. O resto minha família atende. Para quem estava no oxigênio 24 horas ativo, um braço com problema, usando fralda, estou bem melhor”, avalia.

 

O RETORNO PARA CASA

Depois de cerca de 40 dias internado em Cascavel, no dia 11 de novembro Grillo voltou para Marechal Rondon, sendo internado novamente em um hospital da cidade. Foram cinco dias ali até uma conversa derradeira com o médico e a decisão do retorno para casa. “No hospital eu não podia ter alguém todo momento comigo. Em casa eu teria toda a minha família ao meu lado”, enfatizou o rondonense.

As filhas de Grillo contam que foi montada uma cama hospitalar na residência da família, equipada com oxigênio. Também foi contratada uma técnica de enfermagem para ajudar nos cuidados. Segundo elas, o retorno para casa parece um processo simples, mas não é; é muito complexo. “As pessoas, às vezes, acham que é levantar do hospital, se arrumar e ir embora. Não é assim. O pai, por exemplo, teve atendimento de fonoaudióloga e fisioterapeuta todos os dias, inclusive aos sábados e domingos”, pontuou Poti.

“Nunca lidamos com alguém acamado, no oxigênio 24 horas. E se acontecesse alguma coisa? Então, foi uma experiência com muitos desafios”, acrescentou Sara. “Eu tinha muito medo”, emendou Guni.

 

FORÇA E DEDICAÇÃO

Mas Grillo estava determinado a evoluir. “Junto com minha família, me propus a avançar. Era uma luta a cada dia. Comecei com a determinação de ir ao banheiro. Todos me ajudavam. Tinha que levar o oxigênio junto e me segurar, mas já no segundo dia em casa eu tirei a fralda, não precisei mais. Lógico que eu precisava sempre de duas pessoas para me levar ao banheiro, para me dar banho, mas para mim foi a melhor coisa. Também tive que reaprender a caminhar. Depois de tantas semanas deitado, quando você levanta, não sente os pés. Parece que está pisando em algodão. Com minha família me segurando, me ajudando, fui reaprendendo. Agora já estou me arriscando andar até sem a bengala. Então, a decisão minha juntamente com o doutor Eduardo de vir para casa foi acertada”, ressaltou.

“Em casa, vendo minhas filhas, minha mulher, os meus netinhos, os meus genros, eu tive essa força. Senti que precisava reagir e lutar. Eu digo que Deus me deu essa força, vendo o que a minha família estava passando para me ajudar. Decidi resistir e me dediquei mesmo. Junto com eles, eu me propus a ficar bom. Com uma semana em casa tirei o oxigênio”, relatou, orgulhoso de sua evolução.

Luiz Carlos Grillo Lirio: “Eu achei que não ia superar. E dizia, se é isso Deus, pode me levar. Mas vendo minha família, o que todos estavam fazendo por mim, disse: eu vou resistir. Eu lutei e virei o jogo” (Foto: Ana Paula Wilmsen/OP)

 

REAPRENDIZADO

Grillo ainda tem dificuldades, mas segue se recuperando dia após dia com o apoio incondicional da família. “Claro que tem a medicina, mas minha família foi tudo. Lógico, tem que considerar o doutor e a enfermagem que fizeram a parte deles, mas se eu não tivesse essa força que eu tive, se não tivesse esse apoio, eu não teria suportado. Não teria”, enfatizou o rondonense.

“Foi uma ação da família que me deixou de pé. Eu não teria sobrevivido se eu não tivesse sentido a dedicação da minha família. Via todos sofrendo, mas fazendo de conta que estava tudo bem. Sorrindo e me dando forças. Realmente fui criando forças e consegui superar tudo. Sem eles eu não iria me recuperar ou levaria muito tempo para ficar bem”, acredita.

“As palavras que resumem tudo o que eu passei é família e dedicação. Essa foi a grande diferença”, afirma.

 

FAMÍLIA FEZ A DIFERENÇA

Dias depois de ter voltado para casa, Grillo teve pneumonia, mas não precisou ser internado novamente; recupera-se com a ajuda de medicamentos. Aos poucos, o rondonense está voltando a ter a saúde de antes, mas com uma clareza muito mais nítida sobre as relações familiares que já eram especiais. “Não é dinheiro. Têm coisas que é carinho, é dedicação, é fazer com amor mesmo. É o que a gente tem em casa. No hospital não existe tempo para isso, é preciso reconhecer que as pessoas do hospital não conseguem se dedicar 24 horas a você. Em casa eu tenho isso e muito mais”, mencionou Grillo, emocionado. “Deve demorar pelo menos um ano para o meu pulmão voltar a ser o que era. Ainda não estou dormindo bem, dói para sentar, tenho curativo e não posso dormir de lado, mas estou bem, estou ótimo”, destacou.

Grillo e a esposa Ingrun (Guni) durante a entrevista, que misturou lágrimas e sorrisos: “Com a família ao teu lado você supera qualquer coisa” (Foto: Ana Paula Wilmsen/OP

 

NATAL ESPECIAL

“E como vai ser o Natal deste ano?”, perguntou a repórter. A resposta foi instantânea, imediata, com sorrisos largos ao invés de palavras. “Nosso presente está aqui”, respondeu Guni.

“Vamos comemorar”, enfatizou Grillo. “Eu falei, se Deus quiser aliviar meu sofrimento, eu não vou me queixar, porque vai aliviar o sofrimento da minha família. Mas quando vi que minha família se dedicou, eu me dediquei para voltar com tudo. Eu senti que a força de Deus continuou com a força da minha família. Quando eu cheguei, quando eu vi a evolução, eu disse que faria uma ceia de Natal lá no nosso refeitório (edícula), com todos”, contou. “E vai dar certo. Foram dias difíceis, uma angústia sem-fim, mas tudo está ficando para trás”, emendou.

“Nós estávamos desacreditados, porque nos boletins de rotina hospitalar cada dia era uma instabilidade. Era febre alta, anemia alta, transfusão sanguínea, creatina não sei onde. Quase chegou a fazer hemodiálise. E hoje, passado todo esse sofrimento, nos alegra ver tamanha evolução e pensar que poderemos passar o Natal em casa, em família”, ressaltou Poti.

“O (doutor) Eduardo e o meu irmão Hipi (médico Dietrich Seyboth) me prepararam para todas as situações. Eu sabia da gravidade, dos riscos. A preocupação foi muito grande. Ninguém queria se entregar, ninguém queria mostrar fraqueza. Eu acordava de madrugada e pensava, meu Deus do céu, que não venham notícias ruins. E hoje estamos aqui, dando um passo de cada vez, prestes a celebrar um Natal especial”, enalteceu Guni.

“Eu só tenho a agradecer a minha família, o doutor Eduardo Seyboth, os demais médicos que prestaram cuidados, as equipes dos hospitais onde fiquei internado, a clínica de fisioterapia, os técnicos de enfermagem que atenderam a domicílio e também todos os familiares e amigos que dispuseram de seu tempo para pedir minha cura e meu retorno para casa”, agradece Grillo.

Além dele, contraíram Covid-19 as filhas Sara e Poti, o genro Junior e os netos Bernardo e Alice. Não foram infectados a esposa, o genro Antoniel e os netos Luiz Antônio e Miguel. “Família é família, se você tem família ao teu lado você supera qualquer coisa”, frisou Grillo. “É verdade”, reforçou a esposa.

Grillo e Guni com as filhas Poti e Sara: superar a Covid fortaleceu ainda mais a família (Foto: Giuliano de Luca/OP)

VIDA PÓS-COVID

Depois que estiver totalmente recuperado, Grillo não pensa em parar de trabalhar. “Possivelmente não vou à farmácia, mas vou montar um escritório em casa, fazer trabalhos pelo computador. Vou procurar ter uma atividade. Dar expediente a distância. Não posso ficar parado. Acho que posso ajudar dessa forma e também auxiliar meus netos nas atividades escolares. Tenho criações de galinhas, ovelhas. Então, tem que curtir”, planeja.

Na opinião do rondonense, as pessoas precisam levar a Covid-19 a sério. “É um efeito dominó. Você pega e passa para o outro e alguém ficará comprometido”, salientou.

Sobre a vacina, ele acredita ser importante a imunização. “Temos que buscar meios de nos proteger. Por mais que eu não goste e não queira, preciso ter consciência que é necessário se proteger e proteger os outros”, finaliza.

 

NOTA DA EDITORA

Foi uma entrevista linda, com uma família abençoada e iluminada pelo amor. Desejo a vocês um Natal maravilhoso, um novo ano de muita paz, muita saúde e, é claro, muitos momentos juntos.

 

O Presente

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