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Marechal Nas profundezas da internet

Já ouviu falar em Deep Web? Por lá só circulam conteúdos criminosos? Analistas rondonenses explicam; entenda

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Foto: O Presente

 

Se uma informação não existe no Google é porque ela não existe, certo? Errado. Existe uma grande parte de conteúdo da rede mundial de computadores que não é indexada por mecanismos padrão de busca, como Google e Bing. A essa parcela é dado o nome de Deep Web (“internet profunda”, em tradução livre).

Recentemente, o assunto tomou conta dos noticiários por conta da tragédia ocorrida em Suzano (SP). Segundo investigações, há possibilidade de que os autores dos crimes tivessem recebido ajuda através de fóruns on-line na Deep Web. Mas, afinal, o que é a Deep Web? Por lá só circulam conteúdos criminosos?

Os analistas de sistemas da Tryideas, empresa de Marechal Cândido Rondon, Sidenei Steinbach Filho e Thiago Rheinheimer Costa, explicam que todo conteúdo da internet pode ser dividido em duas partes. A primeira delas é chamada de Surface Web e representa tudo aquilo que conhecemos da internet ou, por definição, todos os sites que são indexados pelos buscadores. Isso significa que os recursos de busca conseguem pesquisar, coletar, analisar e armazenar as informações presentes nesses sites.

“Mas, além da internet que vemos, existe uma internet oculta, criada para troca de informações com mais privacidade e anonimato. Essa internet oculta é chamada de Deep Web, e nela há mais camadas de criptografia, tornando mais difícil, inclusive, identificar os autores dos conteúdos que circulam por lá. Os sites da Deep Web não são “vistos” por buscadores e tampouco podem ser acessados através dos navegadores padrão”, explicam.

Uma analogia bastante comum para explicar a Deep Web é compará-la com um iceberg. A ponta do iceberg, que pode ser vista na superfície do oceano, seria a Surface Web: é a ela que temos fácil acesso. Enquanto isso, todo o restante enorme do bloco de gelo submerso pela água seria a Deep Web: escondida, maior e mais difícil de acessar.

Terra sem lei e sem censura, as pessoas que navegam pela Deep Web se comportam de maneira irrestrita. “Lá você encontra tudo aquilo que não tem na internet convencional por serem coisas já fechadas, por exemplo, fóruns que solicitam senhas e é necessário ter um cadastro especial ou algum convite. Ou mesmo estar em uma VPN (Virtual Private Network – rede privada virtual) para ter um acesso criptografado”, comentam os analistas, que exemplificam: “A Deep Web abrange tudo aquilo que não está disponível publicamente na ‘superfície’ da web porque as pessoas não querem ser encontradas. Quando se cria uma loja virtual, site de jornal, por exemplo, a intenção é que as pessoas encontrem esses endereços. Já tudo aquilo que não quer ser encontrado a gente chama de Deep Web”.

 

Privacidade e anonimato

Se a Deep Web é mais difícil de acessar e dá aos seus usuários mais privacidade e anonimato, por lá só são propagados conteúdos negativos ou criminosos? Não necessariamente.

A Deep Web também é espaço para uma espécie de bastidor da internet. É nela que ficam dados cruciais para a manutenção da rede, assim como bancos de dados acadêmicos e repositórios de algumas ONGs, por exemplo. Além disso, muita gente a utiliza para ter uma comunicação mais privada.

Esse ambiente virtual é, portanto, um espaço de muita criptografia, o que dá privacidade e anonimato para quem navega por lá. E isso pode ser usado, sim, para fins positivos. “Não são apenas coisas questionáveis, voltadas a crimes ou para incitar a violência. Há desde redes fechadas de empresas que têm uma rede de comunicação e que só entram pessoas que têm chaves de acesso, ou seja, pessoas selecionadas”, salientam os profissionais.

A exemplo disso, matérias e pesquisas exclusivas podem ser acessadas na Deep Web dentro de um ambiente de pessoas selecionadas. “Uma rede corporativa de uma empresa é uma Deep Web. Temos conteúdos, materiais internos que estão na internet, mas você não consegue acessar. É fechado para um público específico, ou seja, não significa que tudo o que está na Deep são atividades ilegais e criminosas”, reforçam.

 

Terreno do bem e do mal

Na mesma proporção em que há pontos positivos na Deep Web, Sidenei e Thiago reconhecem que também há os negativos. “Você pode encontrar aquilo que é perigoso. É uma terra sem lei e você vai pisar em um campo minado. Não se sabe o que vai encontrar e se os sites acessados serão confiáveis”, enaltecem.

Essa parte mais obscura da Deep Web é denominada de Dark Web (internet escura). Esse ambiente geralmente carrega ainda mais camadas de criptografia e é ainda mais difícil de ser acessado. Por isso, seguindo a analogia do iceberg, a Dark Web seria a ponta extrema inferior da Deep Web. É lá que podem ser encontrados domínios referentes a tráfico de drogas e armas, exploração infantil, tráfico de pessoas, serviços de assassinos de aluguel e outros crimes.

Os pagamentos por esses serviços, segundo os analistas de sistema, são em sua maioria feitos através de bitcoins, criptomoedas que não são rastreáveis.

Também é na Dark Web que se encontram muitos fóruns de discussão, geralmente associados ao terrorismo ou à formação de quadrilha. É de fóruns como esses que os agentes de segurança cogitam que a dupla responsável pelo ataque à escola em Suzano possa ter tirado dicas de como realizar um massacre. O autor da chacina na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, também participava de fóruns parecidos.

“Para ter acesso a algum fórum é preciso fazer isso através de uma rede VPN que passa por muitos países, o que dificulta o rastreamento, além de acessar de um computador criptografado para que ninguém consiga ler o que está sendo feito nele. Ali, então, é possível tentar buscar atividades criminosas”, expõem os profissionais.

 

Não é crime

Apesar da parte “sombria”, acessar a Deep Web não é um crime. Para tal, os internautas costumam utilizar o navegador Tor, que tem acesso a esses domínios não indexados pelos buscadores e que não abrem nos navegadores padrão. “O Tor é uma espécie de protocolo de acesso para conseguir entrar na rede de forma anônima. Nesse sistema, os links são formados por caracteres aleatórios seguidos da terminação .onion”, apontam os analistas de sistemas.

Mas é importante ressaltar que a Deep Web geralmente é acessada por internautas que têm bastante conhecimento no que estão fazendo. Justamente por essa zona da internet ser tão anônima, ela passa a ser menos segura, tornando o dispositivo utilizado mais propício a ataques. “Para acessar é preciso configurar usando esse navegador (Tor), que é como o Chrome, Firefox e outros. Mas isso para acessar uma camada simples da Deep Web e não os locais mais restritos, onde você precisa praticamente ser convidado para entrar “, revelam. “O Tor é uma rede VPN. É um túnel criptografado entre uma ponta e outra, e quem está no meio vê os dados de uma forma criptografada. Não é legível. O Tor surgiu para facilitar o anonimato do usuário. Quando eu uso a rede Tor, por exemplo, para acessar um site, esse site não sabe quem está acessando e qual o endereço de origem”, frisam.

Sidenei e Thiago lembram que o “território” da Deep Web está a todo o momento tentando se manter oculto, então quando algo está próximo de ser localizado ocorrem mudanças. “É difícil de entender porque lá não tem um ‘Google’ que você pesquisa e aparecem os resultados. Porém, existem vários sites diretórios, que organizam os conteúdos. Navegando você vai tendo contato com outras pessoas e aprendendo como usar”, enfatizam.

No entanto, os domínios dos sites são difíceis de compreender e acessar. “Há alguns que são uma sequência de vários números. Não são coisas fáceis de acessar e que se modificam o tempo inteiro”, acrescentam.

 

Analistas de sistemas Sidenei Steinbach Filho e Thiago Rheinheimer Costa: “Você pode encontrar aquilo que é perigoso. É uma terra sem lei e você vai pisar em um campo minado. Não se sabe o que vai encontrar e se os sites acessados serão confiáveis” (Foto: O Presente)

 

 

Viagem à internet profunda

A pessoa que acessa a “internet profunda” entra em um território perigoso e, portanto, corre mais risco de receber vírus, muitos deles com o objetivo de monitorar o equipamento do usuário e espionar a pessoa.

Conforme os analistas, a Deep Web é um possível meio de propagação de vírus. “Quando eu acesso o site de uma empresa conhecida e analiso que o domínio é da própria empresa, entro com confiança e sei que dificilmente o computador vai ser infectado”, dizem, emendando: “Quando estiver pesquisando na Deep Web, assim como no Google, vou começar a avançar páginas. As primeiras são mais relevantes e normalmente as que levam para sites confiáveis, mas, quanto mais avanço, começo a ir para fóruns e locais não tão confiáveis e então corro risco de ser infectado”.

Como é um ambiente desconhecido, é preciso abrir e navegar para conhecer, o que faz do usuário um alvo fácil. “É um campo minado”, definem os profissionais.

Embora qualquer pessoa possa acessar a Deep Web, bem como criar sites e fóruns, é difícil conseguir relevância nesse meio. “Você vai acessar o diretório de um site, como Google, só que, ao invés de buscar palavras-chaves, ele vai separar sites de fóruns, onde vai ser preciso criar uma conta, com nickname, a diferença é que vai ser anônimo, isto é, não vai ter a informação do IP que você está acessando e nem de onde está acessando. A comunicação vai ser criptografada”, enaltecem os analistas de sistemas da Tryideas.

Mas essa navegação não é tão distante do usuário comum ou pouco curioso. Você já fez download de um filme usando o Torrent? Se fez, você já adentrou à Deep Web. Através da ferramenta, usuários podem disponibilizar ou baixar arquivos sem que sejam punidos por burlarem direitos autorais. “O Torrent é uma espécie de Deep Web porque é preciso uma conexão com outro computador para baixar aquele arquivo, que não está publicado no Google e nem é fácil de achar. Então você acha o caminho do Torrent pelo The Pirate Bay para baixar e usá-lo”, expõem Sidenei e Thiago.

 

Qual o tamanho da Deep Web?

Alguns sites que promovem o uso da Deep Web afirmam que a maior parte da web (às vezes, mais de 90%) está nesse ambiente. Todavia, esse número deriva do conceito clássico do termo, ou seja, de páginas que não constam em mecanismos de busca.

Considerando só a parte anônima, a rede Tor realizou um levantamento em 2015 e estimou que existiam 30 mil sites dentro dela. O tráfego na rede (que mede o uso da mesma para troca de dados) somava um volume de 150 terabytes por mês.

Em comparação, a internet regular tem quase 1,7 bilhão de sites (de acordo com o Internet Live Stats) e tráfego de mais de 7,5 milhões de terabytes por mês. “A quantidade de conteúdo disponível da Deep Web é muito maior do que na Surface Web. São conteúdos exclusivos, pesquisas, projetos e trabalhos disponíveis apenas para um público limitado”, observam os profissionais de tecnologia.

Também vale salientar que a fração de pessoas que têm acesso a esses tipos de conteúdos em termos regionais e locais é pequeno. “Se a gente considerar a parte mais obscura, sim, é uma fração pequena de pessoas que têm acesso. Agora o Torrent, como comentamos, é uma Deep Web, então o acesso é maior”, concluem.

 

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