Fale com a gente

Marechal Irmã Diva

Missionária na Congregação das Irmãs da Divina Providência há 47 anos, rondonense é exemplo do verdadeiro amor ao próximo

Publicado

em

Atualmente, integra missão em Moçambique (Foto: Arquivo pessoal)

Numa fria noite de 1956, nascia, na então Comarca de Toledo, Diva Cecília Schneider. A data do nascimento, 25 de julho, coincide com o dia da criação do município de Marechal Cândido Rondon, quatro anos mais tarde.

Diva é a quinta filha de seis irmãos, cinco deles mulheres, do casal Pedro Armando Schneider e Vali Finkler, vindos no início do mesmo ano da cidade de Boa Vista de Buricá, Rio Grande do Sul.

A fé e a religiosidade sempre estiveram presentes na família, algo comum na época, talvez, devido às dificuldades encontradas pelas primeiras pessoas que colonizaram o município.

Os domingos eram reservados para toda a família ir à missa na antiga estrutura de madeira que abrigava a Igreja Matriz Católica, então localizada numa área próxima de onde é hoje a Paróquia Sagrado Coração de Jesus.

A Irmã Diva, como é conhecida, conta que desde criança gostava de participar dos encontros e celebrações religiosas, além de fazer catequese e integrar o coral da igreja. “Mas eu não era aquela criança que os pais diziam, ‘essa vai ser freira’”, comenta, sorrindo.

Ela relembra que nessa época não pensava em seguir a vida religiosa, apesar de ouvir das irmãs a vontade delas de se tornarem freiras.

“Mas meus pais não gostavam da ideia. Eles diziam, ‘não quero que minhas filhas sofram”, menciona, e completa: “Eles não queriam que os filhos fossem morar longe. Se preocupavam com o fato de como nós iríamos viver sozinhos. Eram muito protetores”.

A escolha

O despertar para a vida religiosa foi ainda na adolescência, aos 15 anos, quando percebeu em si a vontade de ajudar as pessoas após assistir na igreja uma projeção com imagens de voluntários realizando ações humanitárias ao redor do mundo. “Nesse dia eu senti um grande desassossego ao ver que tantas pessoas precisavam de ajuda”, expõe.
Empolgada com a possibilidade de fazer o mesmo que aquelas pessoas que assistira nas projeções, ela revelou às irmãs a vontade de se tornar freira. “Me disseram que podia, mas que precisava passar por um período para ver se realmente era isso que eu queria e se tinha o dom para tal”, relata.

Quanto à vocação, não resta dúvida, afinal, a rondonense dedica a vida para ajudar os mais necessitados como missionária na Congregação das Irmãs da Divina Providência, da qual faz parte há 47 anos. Atuou em aldeias indígenas no Brasil e em localidades carentes em outros países.

Apoio da família

Ao decidir que seguiria a vida religiosa, Irmã Diva recebeu apoio em casa, afinal, segundo ela, ninguém conhece mais as suas potencialidades e fraquezas do que a própria família. “Ninguém se torna santo porque fez uma opção de vida”, afirma.

Apesar do acolhimento dos pais com a decisão, uma pequena divergência com os irmãos foi logo superada. “Eles disseram que era só para fugir do trabalho duro na roça”, conta, com um sorriso no rosto.

Estudos

Aos 19 anos a rondonense foi para o convento em Curitiba, onde cursava faculdade e ajudava na escola e no jardim de infância. Quatro anos mais tarde, tornou-se freira e foi morar e dar continuidade aos estudos na cidade catarinense de Lages, onde o encantamento pela vida religiosa se intensificou. “A bondade e a vida de orações das irmãs me cativou bastante”, menciona.

Irmã Diva morou em várias cidades brasileiras para estudar e desenvolver atividades nas escolas da instituição.
No Brasil ela se formou em Pedagogia Plena, com licenciatura em Supervisão Escolar e em Teologia. Em Roma, Irmã Diva se graduou em Ciências da Educação e fez mestrado na área.

A irmã relata que mesmo estando satisfeita em alfabetizar e ver a evolução intelectual dos alunos aos quais lecionava, o sentimento de solidariedade com os mais carentes percebido na adolescência ainda a acompanhava, o que a impedia de se sentir totalmente realizada. “Sempre dizia às irmãs que eu não havia saído de perto de minha família para ser professora de crianças ricas”, ressalta.

Povo das cinzas

Viver em lugares onde a maioria das pessoas não quer nem passar perto, devido à pobreza, às péssimas condições e ao risco à própria vida. São em locais assim, espalhados em quatro continentes, que atuam as frentes missionárias das Irmãs da Divina Providência, e esse era o grande sonho de Irmã Diva.

Os frequentes pedidos para integrar missões humanitárias surtiram resultado e ela escolheu ir para a aldeia indígena dos nhambiquaras, também conhecidos por “povo das cinzas”, numa região até então remota do Estado do Mato Grosso.

Os nhambiquaras pertencem a mesma etnia que em setembro de 1913 feriram com uma flecha envenenada o marechal Cândido da Silva Rondon, que foi salvo graças à bandoleira de couro de sua espingarda.

Objetivo da missão

Durante a missão junto aos nhambiquaras e a outras quatro etnias nos Estados de Mato Grosso e Rondônia, Irmã Diva participou do Conselho Indigenista Missionário (CIM), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O principal objetivo dos missionários era informar os índios para que eles se resguardassem da exploração dos madeireiros, que extraíam madeira de forma ilegal e de outras pessoas mal-intencionadas.

A irmã conta que os madeireiros aproveitavam a ausência dos missionários ou do chefe da Fundação Nacional do Índio (Funai) na aldeia para corromper os índios. Os madeireiros os convenciam a receber carros de presente em troca da liberação para cortar árvores dentro da reserva durante alguns dias. O único problema é que os índios não sabiam dirigir e, muitas vezes, na primeira tentativa acabavam batendo o veículo. “Mesmo assim os índios cumpriam o que haviam prometido e deixam as motosserras cantarem, como eles diziam”, recorda.

Com o pretexto de levar o carro para consertar, os madeireiros logo voltavam com a mesma proposta e o mesmo carro, já consertado. “Tem aldeia que recebeu o mesmo carro três vezes”, conta Diva.

Valores culturais

Entre as inúmeras experiências com os povos indígenas, Irmã Diva lembra de uma ocorrida quando foi visitar uma gruta rupestre com mais de 40 mil anos. Ela diz que recebeu um pedido de uma índia para que fosse dado a ela uma bacia para colocar mandioca e outros alimentos cultivados por eles.

Algum tempo depois, Irmã Diva e a missionária Nelza retornaram à aldeia e levaram a bacia para uma índia chamada Linda. Mas o tão esperado presente logo se tornou brinquedo nas mãos dos filhos de Linda, que passaram o dia todo arrastando a bacia pelo pátio da aldeia. A cena incomodou Irmã Diva, afinal, sua mãe jamais deixaria ela fazer aquilo com uma bacia. Ela foi então perguntar à índia se não havia gostado do presente. De pronto Linda respondeu que sim, que havia adorado a bacia. Incomodada com a resposta, Irmã Diva perguntou: mas por que, então, você está deixando as crianças brincar com ela? Foi então que a índia respondeu: ‘Filho feliz, Linda feliz’. “Veja como a cultura deles é muito diferente da nossa”, compara.

Outra situação que evidencia as diferenças entre as culturas é em relação à caça e à pesca. A irmã menciona que os homens são responsáveis pela carne, enquanto que as mulheres fazem a coleta e o preparo de alimentos como mandioca e folhas.

Ela diz que é costume dos homens dividir a caça antes de chegarem na aldeia conforme o número de pessoas de cada família e para que ninguém saiba quem foi mais eficiente. Não importa quem conseguiu mais alimentos, o importante é que cada família tenha o suficiente. “Essa é a matemática deles. Não é lindo isso?”, indaga a irmã.
De acordo com ela, a simplicidade dos índios e a educação com respeito às diferenças são valores que estão sendo esquecidos por muitas pessoas na nossa cultura. “Nunca vi um índio se insinuar para uma missionária. O que mais me toca é a pureza da cultura deles”, frisa.

Preconceito

A chegada, na época, de novas tecnologias com os celulares via satélite auxiliou no combate à exploração de madeira e outras riquezas da floresta, e, segundo ela, atualmente essas situações são raras de acontecer.

Entretanto, preconceito com os povos indígenas sempre existiu e, afirma, nos últimos anos se tornou mais acentuado. “Não quero julgar o atual presidente, mas ele chamou o índio de preguiçoso”, e completa: “Para que o índio vai desmatar mais para plantar soja se ele não precisa daquilo?”, pergunta Diva.

Fim de um ciclo

Como tudo na vida tem começo, meio e fim, o período de permanência de Irmã Diva junto às tribos indígenas findou três anos mais tarde, depois de contrair por três vezes leishmaniose, transmitida através da picada de um inseto da família dos flebótomos, conhecido popularmente como mosquito-palha. Mesmo após sofrer duas paradas respiratórias por conta do medicamento usado para tratar a doença, Irmã Diva conta que queria ter voltado para a aldeia, mas precisou se convencer de que havia sido vencida por um pequeno mosquito. “Gostaria muito de ter ficado com os índios, mas infelizmente não deu”, lamenta.

Mais uma vez na selva

Depois de um período para restabelecer a saúde, a irmã expõe que foi para uma cidade no meio da floresta boliviana com uma tribo de índios. “A nossa missão na Bolívia era cuidar das pessoas com malária e de evangelizá-las através da catequese e de celebrações”, argumenta.

Assim como nas florestas brasileiras, a vida no novo endereço também não era fácil para os missionários, pois precisavam conviver com o risco de contrair doenças comuns nesses locais. “Lá eu peguei malária 48 vezes e dengue em 12 oportunidades”, compartilha.

O trabalho desenvolvido junto aos índios bolivianos durou longos dez anos. Após esse período, Irmã Diva morou e trabalhou por cinco anos em Cidade Gaúcha, município próximo a Guarapuava. As privações finalmente chegaram no fim e, enfim, pôde relembrar a época em que vivia com a família em Marechal Rondon. “Pude matar a saudade do chimarrão, da cuca e do churrasco”, declara, sorrindo.

Mas a missão da Irmã Diva estava longe do fim. Passado o período no interior do Paraná, ela foi trabalhar na cidade de Novo Triunfo, no sertão da Bahia, considerado um dos municípios mais pobres do Brasil. “A seca lá é muito grande e castiga a população”, salienta.

Dia de formação e celebração litúrgica na Comunidade da Santo Quisito (Foto: Arquivo pessoal)

Missão África

Cinco anos se passaram e foi então que surgiu a oportunidade de Irmã Diva ir para o continente africano, um desejo antigo de mais de dez anos. “Senti um chamado para ir para a África depois de um retiro espiritual de uma semana”, revela.

Ela conta que no início se perguntou se daria conta da missão, afinal, estava com 62 anos de idade e havia passado por uma série de doenças que quase a levaram à morte. “Me perguntava se não estava muito velha para aquilo”, relata.

Depois de superados todos os trâmites legais, Irmã Diva foi enviada para a província de Niassa, em Moçambique, mais precisamente no distrito de Entre-Lagos, cerca dois quilômetros de Malawi, país onde muitas pessoas se refugiaram durante a guerra com Portugal. A localidade é de difícil acesso e a energia elétrica é extremamente precária.

Após muitos anos em guerra com os portugueses, hoje a população sofre com os frequentes confrontos entre tropas do governo e grupos de insurgentes que espalham terror em aldeias com mortes e destruição das moradias. “Apesar de passarem por tantas dificuldades, são pessoas muito religiosas e felizes. Para mim é uma benção de Deus poder ajudar essas pessoas”, enaltece.

Não bastassem todas as dificuldades impostas pelos conflitos armados que levaram o país a uma grave situação de miséria, para produzir alimentos a população precisa aproveitar a época de seca, pois durante três meses do ano a localidade é inundada pelas águas de dois lagos que circundam o distrito. “Na cheia eles pescam e na época de seca os moradores preparam a roça para plantar”, comenta.

A Irmã diz que a base da alimentação é de polenta de milho, milho, feijão, mandioca e o pescado que é seco ao sol para ser conservado, pois não existe geladeira na aldeia. “Comemos polenta praticamente o ano todo, apenas na Páscoa e no dia das Crianças comemos arroz”, pontua.

Celebração de batizado na Aldeia Muhamala (Foto: Arquivo pessoal)

Dura realidade

A difícil realidade vivida pelos povos da região traz embutida em sua cultura milenar o sacrifício de bebês gêmeos recém-nascidos que apresentam dificuldades para sobreviver. “Os mais fraquinhos eles sacrificam até porque a mãe não terá como alimentar os dois”, destaca.

A triste situação salta aos olhos e é uma das principais preocupações dos missionários. Ela conta que as mães recebem todas as semanas uma lata de leite em pó para complementar a alimentação dos bebês. “Assumimos o compromisso de ajudar essas crianças a sobreviverem”, reforça.

Ações

As irmãs missionárias da Divina Providência estão presentes em Moçambique há mais de 25 anos. No início o objetivo era oferecer ensino às crianças órfãs que perderam os pais na guerra. Atualmente, a missão ajuda cerca de 60 jovens, entre meninos e meninas.

Irmã Diva explica que o povo predominante na região são os muçulmanos, e na cultura deles é comum o homem ter mais de uma esposa, contanto que consiga atender as necessidades de todas. “Meninas com cerca de 13 anos se casam com homens bem mais velhos e muitas vezes são trocadas por um saco de milho”, revela.

O trabalho desenvolvido pelas missionárias com as meninas consiste em orientá-las, assim como os responsáveis, para tentar mudar o destino das jovens. “Tentamos dizer como eles devem cuidar delas até atingirem ao menos os 18 anos”, explica.

Meninas africanas aprendendo a bordar com as irmãs missionárias no vilarejo de Entre-Lagos (Foto: Arquivo pessoal)

Irmã Diva ao lado da Irmã Laudeci, de Santa Catarina, e da Irmã Celéria, natural do Rio Grande do Sul. As três brasileiras são responsáveis pela missão em Entre-Lagos, em Moçambique (Foto: Sandro Mesquita/OP)

Artesanato

A vegetação da região não é favorável para a produção de artesanato com folhas, semente ou outros materiais da natureza. No entanto, recentemente as irmãs ensinaram as meninas a bordar em tecido e se surpreenderam com tamanha habilidade das jovens. “Ficamos encantadas com a facilidade que elas possuem. São muito boas no bordado”, menciona.

As primeiras peças bordadas foram trazidas pela Irmã Diva para Marechal Rondon, onde passa férias em companhia da família. “Consegui vender todas as toalhas e com o dinheiro pretendo comprar linhas para elas continuarem com os bordados”, enfatiza.

Doações

Mesmo em férias, Irmã Diva não deixa de lado a motivação para ajudar o povo moçambicano. Com a ajuda do Rotary Club Marechal Cândido Rondon, ela conseguiu uma grande quantidade de óculos que serão doados para as pessoas da aldeia. “Conseguimos muitos óculos, então isso não precisa mais, mas a doação de linhas para bordar é muito bem-vinda”, destaca.

Quem quiser doar linhas para bordado ou/e crochê ou dinheiro para a compra de leite para as crianças africanas assistidas pelas Irmãs da Divina Providência pode entrar em contato com o Rotary Club Marechal Cândido Rondon ou fazer um PIX através de QR Code (veja ao lado).

As doações podem ser feitas no QR Code do Rotary Club de Marechal Cândido Rondon que intermediou a doação de mais de 200 óculos e também auxilia nas doações de linhas que serão destinadas à Irmã Diva.

Uma das grandes preocupações das missionárias é evitar que bebês gêmeos sejam sacrificados devido à cultura e à falta de recursos (Foto: Arquivo pessoal)

Habitação tradicional feita de barro e palha na comunidade assistida pelas Irmãs da Divina Providência (Foto: Arquivo pessoal)

A mandioca é um dos principais alimentos que compõem a base da alimentação na aldeia (Foto: Arquivo pessoal)

O Presente
Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente