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Número de casos de sífilis aumenta 360% em Marechal Rondon

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Começa com um machucado. Indolor, costuma não ser bonito, mas também não é o fim do mundo. Quando aparece na área genital, fica evidente nos homens, mas pode acabar escondido dentro do órgão genital da mulher sem chamar qualquer atenção. Há ainda outros casos discretos, como na garganta ou no ânus. Aí, quando a preocupação aparece, bam! A ferida desaparece. Parabéns! Seu sistema imunológico é mesmo incrível, né? Na verdade, não. Você só passou para a próxima etapa de uma doença que, a curto ou longo prazo, pode atacar seu cérebro, mudar a estrutura dos seus ossos, deformar seu rosto e matar seus filhos.

A sífilis é uma doença que não escolhe idade, sexo, nem classe social e sem dúvida é uma das mais temidas doenças sexualmente transmissíveis. Ela parecia controlada pelo surgimento dos antibióticos de última geração, no entanto, o Ministério da Saúde divulgou dados que mostram aumento no número de casos registrados. Entre junho de 2010 e 2016 foram notificados quase 230 mil novos casos de sífilis, de acordo com o último boletim epidemiológico do governo.

A doença pode atingir, além dos órgãos genitais, outras partes do corpo em diferentes estágios. A grande responsável pela doença é a bactéria Treponema pallidum. Uma vez em contato com a bactéria, a transmissão ocorrerá. Além da contaminação por relação sexual, também é possível adquirir sífilis de mãe para filho, chamada de sífilis congênita, por transfusão de sangue, por contato com o sangue contaminado ou até mesmo através de feridas expostas.

Os sinais e sintomas da sífilis variam dependendo de qual dos quatro estágios a pessoa se encontra: primário, secundário, latente, terciário.

O sintoma clássico do estágio primário é um sifiloma ou cancro duro no local da infecção – uma úlcera na pele que é indolor, firme e que não coça. No estágio secundário aparece uma erupção cutânea difusa, geralmente nas palmas das mãos e dos pés, e podem aparecer úlceras na boca ou na vagina. No estágio latente, que pode durar vários anos ou décadas, não se manifestam sintomas.

Já no estágio terciário podem aparecer formações denominadas gomas e sintomas neurológicos ou cardíacos. “A sífilis pode causar sintomas semelhantes a várias outras doenças. Além disso, a bactéria é capaz de atravessar membranas mucosas intactas ou pele comprometida”, explica o médico do Setor de Epidemiologia da Unidade de Saúde 24 Horas, Rafael Mauro Dias.

De acordo com ele, as chances de infecção são maiores quando não há o uso de preservativos, principalmente para as pessoas que tenham vários parceiros sexuais. “O público que apresenta maior número de infectados atualmente são jovens e adultos sexualmente ativos e com mais de um parceiro sexual. Também é mais frequente em indivíduos de baixa renda e pouca escolaridade”, pontua.

Conforme Dias, entre 30% e 60% das pessoas expostas à sífilis primária ou secundária contraem a doença. “Embora a sífilis possa também ser transmitida por produtos derivados do sangue, esse risco é reduzido devido ao rastreio de que estes produtos são alvo em muitos países”, destaca.

O risco de transmissão através da partilha de seringas também aparenta ser reduzido, afirma o médico. “Normalmente não é possível contrair através de atividades do dia a dia ou pela partilha de roupa ou utensílios de cozinha. Isto deve-se ao fato da bactéria morrer rapidamente fora do corpo do hospedeiro, tornando muito difícil a transmissão através de objetos”, enaltece.

Cancros são um dos sintomas da doença, mas seu desaparecimento não indica cura

Diagnóstico e tratamento

O médico menciona que diante da suspeita clínica ou da realização de exames de rastreamento em pacientes sem sintomas é possível confirmar o diagnóstico com exames laboratoriais ou microscopia, como o teste rápido para sífilis (rastreamento), VDRL (rastreamento e controle), FTA-Abs (confirmatório) e até mesmo a microscopia, quando a bactéria é vista ao microscópio em campo de fundo escuro ou com sais de prata em amostras. O método é pouco utilizado atualmente.

O diagnóstico está disponível em qualquer unidade de saúde, sem nenhum custo e com rapidez. O resultado do teste rápido fica pronto em dez minutos. O tratamento também é rápido e feito com penicilina, o primeiro antibiótico surgido na humanidade. Contudo, podem haver variações dependendo do estágio da doença e nos casos de alergia à penicilina existem esquemas alternativos.

Além disso, Dias ressalta que durante o seguimento clínico para o monitoramento da resposta ao tratamento da sífilis adquirida e na sífilis na gestação alguns pontos devem ser considerados. “Os testes rápidos devem ser realizados mensalmente nas gestantes, e na população geral a cada 60 ou 90 dias no primeiro ano e a cada seis meses no segundo ano”, frisa.

 

Preocupação em todos os estágios

Devido ao fato de se desenvolver por fases, os primeiros sintomas da sífilis acabam passando despercebidos para algumas pessoas. Entretanto, aquela pequena feridinha na palma da mão ou nos pés pode evoluir para algo muito mais grave. “Chamamos isso de sífilis latente. Nesse estágio o indivíduo está infectado, mas não apresenta sintomas significativos, podendo evoluir para o terceiro estágio caso a doença não seja descoberta e tratada”, destaca o médico.

O terceiro estágio da infecção ocorre em um a dez anos após o contágio, com casos de até 50 anos para que a evolução se manifeste. “Essa fase é caracterizada pela formação de gomas sifilíticas, tumorações amolecidas vistas na pele e nas membranas mucosas, mas que podem ocorrer em diversas partes do corpo, inclusive no esqueleto. Outras características da sífilis não tratada incluem as juntas de Charcot (deformidade articular), e as juntas de Clutton (efusões bilaterais do joelho). As manifestações mais graves incluem sífilis no sistema nervoso central e a sífilis cardiovascular (no coração). Complicações neurológicas nesta fase resultam em mudanças de personalidade, mudanças emocionais, hiper-reflexia e alteração reflexo pupilar e também desordem da medula espinhal. Complicações cardiovasculares incluem aortite, aneurisma de aorta, aneurismas e regurgitação aórtica, uma causa frequente de morte”, alerta Dias.

 

Epidemia

O médico diz que o Brasil vive uma nova epidemia de sífilis. O aumento da doença, segundo ele, não está acontecendo apenas no país, mas é um problema global.

Contudo, no Brasil, aponta o profissional, o que chama atenção é o fato da sífilis ter saído dos holofotes na década de 2000, a ponto de nem ser obrigatório que serviços de saúde avisassem o Ministério da Saúde quando encontrassem um caso. A notificação só passou a ser obrigatória em 2010. “Outro fator apontado pelos especialistas para justificar o aumento de casos de sífilis foi o desabastecimento da penicilina benzatina, principal antibiótico para o tratamento da doença. Desde 2014, países de todo o mundo sofreram com a pouca distribuição do medicamento devido à falta de matéria-prima para a sua produção”, enfatiza.

 

Falta conscientização

Com tratamentos rápidos e medicamentos acessíveis, se torna difícil apontar um fator que justifique um aumento tão expressivo no número de casos de sífilis na população.

Para Dias, algumas mudanças comportamentais ajudam a entender esse cenário. Conforme o médico, um dos principais motivos é, ironicamente, o fato de o HIV ter deixado de assustar. “O sucesso dos tratamentos antirretrovirais afastaram da Aids, por exemplo, o rótulo de fatal e as pessoas relaxaram nos hábitos de prevenção e estão se protegendo menos na hora do sexo”, considera, acrescentando: “A diminuição do uso do preservativo é uma tendência global e está causando o reaparecimento em massa de antigas doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Além da sífilis, a clamídia e a gonorreia, também infecções bacterianas, voltaram a ser registradas em maior escala”.

 

Notificações em alta preocupam

Assim como no Brasil, o número de casos de sífilis em Marechal Cândido Rondon também preocupam. De acordo com dados do Setor de Epidemiologia da Unidade de Saúde 24 Horas, houve aumento significativo nas notificações de sífilis ao longo dos últimos anos. Em 2016 foram notificados cinco casos de sífilis adquirida, subindo para 23 neste ano. Um aumento de 360%.

Dias destaca que o número elevado se deve ao fato de estar sendo realizada uma busca ativa e oferecendo mais testes rápidos à população, estimulando que estes sejam feitos durante as consultas de rotina. “Não houve um aumento na incidência da doença propriamente dita de 2016 para 2017, houve um aumento no diagnóstico”, expõe.

As notificações de sífilis em gestantes também apresentaram aumento significativo. No ano de 2013 foram notificados dois casos e, posteriormente, em 2015, um, subindo para quatro e nove casos nos anos de 2016 e 2017, respectivamente. A faixa etária mais atingida, responsável por sete casos notificados, está entre 20 e 34 anos. Para o médico da unidade 24 Horas, isso se deve ao fato de esses serem jovens e adultos com vida sexualmente ativa e com mais de um parceiro.

No município também foi registrado aumento no número de sífilis congênita. Até o início do mês de novembro haviam sido notificados seis casos da doença. Sobre isso, o médico explica que todos os casos se referem a recém-nascidos apenas com testes sorológicos de rastreamento positivos. Em quatro deles foi descartada a doença. “Os exames deram positivo apenas pelos anticorpos passados pela mãe. Os exames confirmatórios foram negativos para sífilis. Ou seja, existiam seis suspeitas e confirmou-se duas”, ressalta.

Do restante, houve um caso importado de outro município e um único caso próprio de Marechal Rondon, em que mesmo com o tratamento na gestação, que ocorreu em Toledo por ser de alto risco, houve contaminação da criança. “A criança, porém, nasceu sem sintomas, sendo diagnosticada depois pelo pediatra em consulta de rotina da Clínica da Mulher”, menciona.

 

Barato saindo caro

Na violenta investida pelos corpos, as bactérias não perdoam ninguém. E um dos alvos mais frágeis é um grupo que tem sofrido particularmente com epidemias recentes no Brasil: as grávidas. Assim como o zika, a sífilis não poupa os bebês. Se uma gestante está infectada, em qualquer fase da doença, a criança pode nascer com sífilis congênita, podendo ainda provocar abortos, partos prematuros, cegueira, surdez e até mesmo microcefalia.

A doença é o resultado da disseminação hematogênica da bactéria Treponema pallidum, da gestante infectada não tratada ou inadequadamente tratada para o feto, geralmente por via transplacentária. Além de poder se manifestar por meio de abortamentos, a doença pode se manter em forma subclínica nos recém-nascidos assintomáticos, que poderão apresentar alterações em fases subsequentes da vida. “Atualmente, predominam as formas pouco sintomáticas. Mais de 50% das crianças infectadas são assintomáticas ao nascerem, com surgimento dos primeiros sintomas, geralmente, nos primeiros três meses de vida. Por isso, é de suma importância a triagem sorológica da mãe também na maternidade”, enfatiza Dias.

As manifestações da sífilis congênita incluem alterações radiográficas, deformidades dentárias, bossa frontal, nariz em sela; maxilares subdesenvolvidos, hepatomegalia (aumento do fígado); esplenomegalia (aumento do baço), petéquias, erupções cutâneas; anemia, linfonodomegalia, icterícia e pseudoparalisia. A morte por sífilis congênita normalmente ocorre por hemorragia pulmonar.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (10).

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