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Marechal Carinho que transforma

O dinossauro verde

Uma história inspirada em atenção e carinho tem tocado os corações de todos que a conhecem em Marechal Rondon. No roteiro, um personagem pré-histórico, cinco protagonistas e um drama hollywoodiano com final feliz

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Ederson, Geisa, Álvaro, Jaqueline e Fernando: parceria entre a família e o Sesc já mudou as perspectivas da vida do estudante (Foto: Giuliano De Luca/O Presente)

Uma história inspirada em atenção e carinho tem tocado os corações de todos que a conhecem em Marechal Cândido Rondon, no Oeste do Paraná. No roteiro, um personagem pré-histórico, cinco protagonistas e um drama hollywoodiano com final feliz. Essa história digna de cinema, mas real, revela que pequenos gestos podem desencadear grandes mudanças e espalhar uma mensagem de respeito, inclusão e transformação.

Geisa Jochims e Ederson da Silva são os pais de Álvaro, um menino autista, de 5 anos, que até poucos meses atrás sentia pavor para sair de casa, tinha crises de pânico em locais com muita gente, agonia a contatos visuais e reagia com muita insegurança a pessoas desconhecidas e a locais públicos. “Quando mudamos de casa há um tempo, mudamos as rotas. Só por não passar pelo mesmo lugar que a gente sempre passava ele tinha crises. A gente tinha que parar o carro, dar atenção pra ele, pra depois continuar. Uma ida ao mercado gerava crises, o tempo de espera incomodava o Álvaro e a gente pensava o que mais poderia acontecer”, conta Geisa. “Não tinha como sair de casa com ele”, recorda Ederson. “Era muito difícil fazer ele dormir. Tivemos que instalar uma rede dentro da sala de casa. Uma vez tive que dirigir até Quatro Pontes (município vizinho) pra ele dormir no carro, mas ele não se entregava”, lembra. Aquelas situações martirizavam o casal.

Álvaro foi diagnosticado com autismo no início de 2022, depois de uma longa peregrinação dos pais por fonoaudiólogos, psicólogo e neurologistas. Ao mesmo tempo, sem que os pais soubessem, uma espécie de dossiê de Álvaro feito pelos profissionais da creche que ele frequentava na época corroborou as suspeitas. No diagnóstico, um grau leve de Transtorno do Espectro Autista (TEA), além de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

A história de Álvaro começou a mudar no início deste ano, quando os pais descobriram que no Sesc (Serviço Social do Comércio) de Marechal Cândido Rondon um modelo de ensino que prioriza as escolhas do aluno poderia ajudar. Lá, outros dois personagens ganharam protagonismo nessa história. A professora Jaqueline Pletsch Zydek, carinhosamente apelidada de Profe Jaque, que, nas palavras de Geisa, “se o Álvaro pudesse, levava ela embora”, tamanho carinho que imediatamente foi despertado em Álvaro. E o gerente do Sesc de Marechal Cândido Rondon, Fernando Ferreira, que Álvaro tem como “meu diretor Fernando”.

Logo no início de 2023, esses dois protagonistas e um pequeno dinossauro verde de brinquedo passariam a fazer parte de uma verdadeira transformação na vida de Álvaro e na vida de seus pais. “O Álvaro se sente bastante acolhido em nosso ambiente, viemos desenvolvendo um trabalho desde que ele entrou, fazemos atividades mais específicas para atender ele de forma mais prática. Não trabalhamos com apostilas ou atividades prontas. Entendemos que cada criança tem seu jeito e seu tempo de aprender. Com o Álvaro trabalhamos com histórias, com músicas, que são atividades que ele gosta bastante. Quando ele gosta muito de uma história ou uma música, todo dia ele lembra e pede para repetir. Ele tem esses interesses mais específicos, como aconteceu com um brinquedo. No começo do ano tínhamos uma pote de animaizinhos e ele se encantou com um canguru verde. Todos os dias ele queria aquele canguru, mas aconteceu que esse canguru sumiu um dia. Começamos uma busca pelo canguru e nada, não encontramos. O Álvaro então chamou o “seu diretor” pediu se o Fernando podia achar aquele ou comprar um novo canguru pra ele”, conta a professora.

Esse pedido aparentemente simples tocou Fernando de maneira especial. “Desde os primeiros dias o Álvaro começou a vir me abraçar. Toda vez que ele me via ele vinha me abraçar. Para mim aquilo era uma resposta que estou tendo sobre estar no caminho certo, estar fazendo um bom trabalho. Era como se fosse Deus falando que eu estava no lugar certo. Um dia ele começou a falar que queria o canguru. Tentamos explicar pra ele que a gente trocava quando o brinquedo ficava velho ou estragava, mas aquele dia ele me abraçou de um jeito diferente. Fiquei tocado com aquele abraço, não resisti e falei: tá bom, eu vou comprar esse canguru pra você”, lembra Fernando.

O problema é que cangurus verdes não são itens tão comuns em lojas de brinquedos em Marechal Cândido Rondon. Mas dinossauros são! “Fomos em três ou quatro lugares e não achamos o bichinho. Aí pensamos, vamos levar o dinossauro verde que é parecido com o canguru. Quando cheguei na sala com o pacote, a Profe Jaque falou que ele ficou a manhã inteira falando do diretor. Deu um frio na barriga. Será que ele iria gostar? Chamei o Álvaro e ele veio todo feliz. Peguei a embalagem e expliquei que o canguru tinha ido embora de Marechal, mas tinha o dinossauro. Ele ficou sério, mas no final disse que gostou. Depois, fiquei sabendo que ele ficou a noite toda, em casa, falando do dinossauro. Isso encheu meu coração de alegria”, compartilha o gerente do Sesc. “O Álvaro ficou muito feliz, ficava falando: o meu diretor Fernando comprou pra mim”, completa a professora.

Álvaro Jochims da Silva tem experimentado novas experiências desde quando começou a estudar no Sesc (Foto: Giuliano De Luca/O Presente)

MUDANÇAS

Todo esse carinho e atenção foram importantes para o desenvolvimento de Álvaro nesses meses que participa diariamente das aulas do Infantil 4 do Sesc. “Ele mudou da água pro vinho”, crava o pai. “É outra criança”, amplia a mãe. “Melhorou tudo, o sono, a qualidade de vida, a socialização. Ainda temos nossas dificuldades, mas ir ao mercado passou a ser mais tranquilo, ele passou a entender mais as coisas, interage com as pessoas”, evidencia Geisa. “Ele almoça com a gente todos os dias no restaurante do Sesc, que é cheio de gente. Ele senta, aguarda a gente servir nossos pratos, sentamos e a gente almoça com todos. Antes almoçar fora de casa era impensável. Hoje vamos para qualquer lugar com o Álvaro, que já está até mais tolerante a muito barulho. Para nós cada dia é uma vitória”, destaca Ederson.

Algumas atividades ajudaram Álvaro a se desenvolver e se integrar à sociedade, sugere a professora Jaqueline. “O Álvaro é um menino bastante inteligente, acompanhas as atividades, é muito amoroso, é uma criança que abraça, que dá beijo, que fala que ama e entende tudo que a gente fala. Todo dia ele queria ser o ajudante da profe, pois o ajudante pega na mão da professora pra vir pro lanche. Demorou um tempo pra ele entender que era uma ordem, que todas as crianças tinham direito. No começo, pra ele não ficar nervoso, era ele e mais um aluno todos os dias. Com o tempo fui trabalhando essa questão, mostrando que todos os amiguinhos têm direito. Fui mostrando que ele tem que esperar como as outras crianças esperam. É para ele se sentir incluído, entender que o que tem pra ele tem também para as outras crianças”, aponta.

Para Fernando, essa proposta transforma também a vida dos alunos que estudam com Álvaro. “Estamos construindo também um entendimento com as crianças que estudam com ele, fazemos um trabalho para mostrar que todo mundo é diferente e está tudo bem. Essa convivência faz bem para as crianças, a gente faz questão de mostrar que vivemos juntos”.

FUTURO

Grande parte dos esforços de Geisa e Ederson são para dar condições para que Álvaro se desenvolva com qualidade de vida e seja independente no futuro. “Talvez quando adulto ele só tenha traços de autista. Os passos são mais lentos, mas o Álvaro nos impressiona porque ele evolui rápido. Estamos tirando o Álvaro do potinho e colocando na sociedade. Estamos transformando um ser humano, transformando o Álvaro para futuramente ele não precisar de nós, para ele ser autônomo, viver sem a necessidade do apoio dos pais. Se no futuro ele conseguir se virar sozinho, é porque a gente conseguiu”, vislumbra Geisa.

NÃO É O BRINQUEDO

O dinossauro verde hoje já está esquecido em meio aos tantos brinquedos que Álvaro tem disponíveis, mas essa história não se trata de um brinquedo ou uma cor. Ela oferece uma oportunidade para refletir sobre como atitudes generosas e o carinho podem mudar a vida das pessoas e transformar para sempre as suas histórias.

Giuliano De Luca/O Presente

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