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Marechal Macas nos corredores

“Vivemos um caos na saúde pública, com todos os leitos ocupados”, diz secretária de Saúde de Marechal Rondon

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Secretária de Saúde de Marechal Rondon, Marciane Specht: “O que acontece em São Paulo, Curitiba e Cascavel agora é uma realidade nossa. O serviço de saúde está praticamente no limite. A fala do servidor de que há um esgotamento é verídica. Temos conhecimento, mas não ficamos inertes” (Foto: O Presente)

A maratona esgotante na linha de frente do combate ao coronavírus e o cansaço dos profissionais de saúde rondonenses, após um ano e dois meses de pandemia, são reconhecidos pela secretária de Saúde de Marechal Cândido Rondon, Marciane Specht. Contudo, ela pontua que o esgotamento físico e mental não é uma realidade apenas do município. “Em nível de Regional de Saúde, a fala é a mesma em todos os municípios. Vivemos essa pandemia há mais de um ano. Ao longo desse período, todas as categorias profissionais tiveram momentos de intensidades distintas ou até de paralisação. A única categoria que não esmoreceu no seu trabalho foi a saúde, tanto pública quanto privada”, enaltece.

Por outro lado, ela diz que atribuir a superlotação, o cansaço dos profissionais e os números crescentes dos casos de Covid-19 a quem gere a saúde rondonense não é aceitável. “O município jamais se eximiu da sua responsabilidade e todos os mecanismos que a Secretaria de Saúde tem em mãos para dispor à população estão sendo ofertados, visando melhores condições de trabalho e de atendimento”, assegura.

 

MOMENTO CRÍTICO

Assim como avalia um profissional de saúde da Unidade da Pronto Atendimento (UPA), que fez um desabafo ao O Presente, apontando um ambiente caótico no setor de saúde, a secretária ressalta que o momento é preocupante. “Passamos por um momento crítico, justamente como foi em março. Vivemos um caos na saúde pública, com ocupação de leitos em sua totalidade em âmbito municipal e leitos de referência também ocupados. A culpa é da gestão? Se analisar todos os pontos desde o início da pandemia, pode-se ter um panorama de como as coisas evoluíram e mesmo com grandes esforços não estão sendo suficientes”, lamenta.

Ao O Presente, Marciane afirma que “a saúde rondonense está praticamente no limite, assim como estão os municípios no entorno”.

 

PROFISSIONAIS SOBRECARREGADOS

A sobrecarga dos profissionais de saúde é de conhecimento da secretária rondonense, que não se abstém da seriedade da situação e garante que mais profissionais, ainda que “escassos durante o período pandêmico”, são constantemente contratados pela prefeitura para auxiliar no enfrentamento à Covid-19. “Reforçamos as equipes da UPA. Tínhamos dois médicos plantonistas atendendo durante 18 horas no atendimento normal e dobramos o número desses profissionais, atendendo durante o dia pacientes da Ala Covid-19 e também demais atendimentos da unidade. Diante da dificuldade de contratação de médicos, não apenas de Marechal Rondon, quiçá fosse, os profissionais estão sendo chamados pelo concurso público, processo seletivo simplificado (PSS), concurso e PSS do Consórcio de Saúde dos municípios do Oeste do Paraná (Consamu), além da contratação via pessoa jurídica (PJ)”, detalha.

Desde o início da pandemia, pontua Marciane, trabalhadores da saúde estão sendo incorporados às instituições de saúde pública do município. “Se não há mão de obra suficiente, não é pela gestão municipal ter deixado de fazer o seu papel. Municípios como Guaíra, de fronteira, Toledo e Cascavel, de maior porte, encontram a mesma dificuldade. Localmente, o aumento do número de funcionários disponíveis antes e depois da pandemia demonstra que todas as ferramentas à disposição de forma jurídica e legal para aumentar a equipe foram buscadas”, evidencia.

 

REORGANIZAÇÃO DA SAÚDE

Em decisão conjunta, a reorganização da saúde de Marechal Rondon foi uma das primeiras medidas implementadas em âmbito institucional, a fim de evitar a contaminação entre pacientes. Na UPA rondonense, menciona a secretária, instituiu-se a Ala Covid, que diferencia o atendimento e internamento de pacientes Covid dos demais. “A área específica para coronavírus começou com dez leitos e aumentou para 20”, expõe.

Com os atendimentos chegando ao limite na UPA, ela explica o porquê de não ser possível ramifica-los, direcionando casos suspeitos e confirmados a outras instituições de saúde, como proposto por alguns profissionais e comunidades. “No Hospital Dr. Cruzatti acontecem os atendimentos clínicos, pediátricos, partos, cesárias, pacientes em fase terminal de câncer e outros internamentos, além dos pacientes de ortopedia que aguardam leito para realização de cirurgia. São 23 leitos e ampliamos os leitos do quarto de isolamento, especificamente para atendimento de pacientes puérperas, gestantes positivas ou suspeitas, além do atendimento da pediatria, se necessário for”, explica, emendando que esse é o fluxo de atendimento pensado e executado atualmente: “Não mandamos pacientes da UPA para o Cruzatti por essa diferenciação do atendimento, considerando a contaminação em risco que se teria”.

 

HOSPITAL DE CAMPANHA E CASOS GRAVES

Em relação ao Hospital de Campanha, que seria aberto quando os leitos da UPA lotassem, Marciane ressalta que quando o 21º paciente chegar à unidade, o hospital será aberto, caso o quadro de saúde demonstre condição propícia àquele tipo de cuidado.

“No início da pandemia, um estudo indicava que cerca de 80% da população passaria pela doença com os sintomas leves, usando leitos de enfermaria. De dezembro de 2020 para cá, com a vinda das novas cepas, nossos pacientes ficaram com quadros de saúde mais graves. Buscam o atendimento na UPA mais tarde, entre o 8º e o 9º dia, já apresentando insuficiência respiratória. Quando a saturação está abaixo de 90, o paciente entra para uma máscara de alto fluxo, com consumo maior de oxigênio. O quadro de um caso como esse é considerado intermediário ou grave, pré-tubo”, informa a secretária, salientando que, nesse caso, o Hospital de Campanha não seria uma opção viável.

Além desta gravidade, ela comenta que houve um aumento de pacientes com necessidade de ventilação mecânica, estando, em dados de quarta-feira (02), cinco na Ala Covid e outro na emergência aguardando transferência. “No dia 1º de junho, em conversas com a equipe, questionei quantos desses pacientes da Ala Covid, positivos ou suspeitos, teriam condição de ir para o Hospital de Campanha e o número não chegava a três pacientes”, relata.

Quando o Hospital de Campanha foi implantado, no ano passado, a secretária menciona que estimava-se que a maioria dos pacientes usaria um leito de enfermaria, seria de baixo risco e sem probabilidade de evolução. “Hoje, porém, os pacientes não têm condição de ir para o Hospital de Campanha devido ao grau maior de risco. No Hospital de Campanha há ventilador, carrinho de emergência entre outros equipamentos, mas quem determina se o paciente pode ir ao hospital é o profissional médico”, salienta.

 

SÍNDROMES RESPIRATÓRIAS

O atendimento descentralizado dos sintomáticos respiratórios, relembra Marciane, já foi realizado em outro momento da pandemia e não houve procura da população. “Disponibilizamos profissionais e a procura foi pequena. Mesmo que o primeiro ponto de atendimento da rede seja o posto de saúde, há 16 deles, a população procura a UPA para atendimento sintomático respiratório”, expõe, emendando que com as mudanças recentes a testagem para Covid-19 ocorre agora de forma mais rápida, o que deve favorecer a procura pelos postos de saúde. “Agora se faz a coleta do RT-PCR do primeiro ao sétimo dia. Esse período ampliou por conta da rastreabilidade e, automaticamente, se encaminha o paciente para o exame”, expõe.

De acordo com a profissional da Saúde, a UPA deve ser procurada em emergências e urgências, o que não acontece em Marechal Rondon. “Na análise dos números, percebe-se que pacientes buscam a UPA para situações que deveriam ser resolvidas na atenção primária. Temos na Ala Covid, o corredor 19 para atendimentos das síndromes respiratórias, porque, devido ao comportamento da população, organizamos um espaço separado para atendimento desse tipo”, explica.

 

SUPERLOTAÇÃO

Em virtude da escassez profissional já citada, a secretária aponta que novos leitos se inviabilizam e o ritmo da disponibilização de vagas tende a diminuir. “A capacidade instalada de leitos está praticamente no limite, não somente em Marechal Rondon, mas também nos hospitais de referência. Sabendo que o paciente não ganha alta da unidade de terapia intensiva (UTI) e vai direto para casa, ele passa períodos posteriores de 20 a 90 dias de internamento, dependendo das comorbidades. Desse modo, temos pacientes do mês de março ainda internados nos leitos de UTI e enfermaria. Os novos pacientes vão para hospitais de referência e usam muito mais o esforço intelectual dos profissionais, porque são cuidados na semi-intensiva, quase uma UTI”, salienta.

A rede de saúde rondonense alimenta a central de leitos, regulamentada na Macrorregião Oeste. “Os pacientes aguardam a transferência na UPA e são encaminhados conforme disponibilidade. A matemática dos leitos é só uma. Se os pacientes ainda de março evoluem bem, eles são transferidos de um leito de UTI para um leito de enfermaria. Se o paciente é recente, ele provavelmente evoluiu para um óbito. Pela estatística, 40% dos pacientes da UTI vão a óbito”, lamenta.

 

MACAS NO CORREDOR

As macas no corredor com pacientes à espera de uma vaga compõem o cenário crítico da UPA de Marechal Rondon, indica Marciane. “O que acontece em São Paulo, Curitiba e Cascavel agora é uma realidade nossa. O serviço de saúde está praticamente no limite. A fala do servidor de que há um esgotamento é verídica. Temos conhecimento, não ficamos inertes e ampliamos o número de profissionais, mas entendemos que a capacidade humana também está instalada. De nada adianta ampliar leitos se não temos profissionais para atender, e friso mais uma vez, isso não é só aqui”, ressalta.

 

UNIÃO DE ESFORÇOS

Em conversas com pacientes da Ala Covid, a dirigente da saúde de Marechal Rondon relata que muitos deles foram contaminados possivelmente em aglomerações. “Alguma coisa falhou no processo entre as medidas não farmacológicas. A responsabilidade é conjunta. Não posso afirmar de quem é a culpa, mas posso dizer que o sistema de saúde está organizado para isso”, pontua.

Conforme Marciane, a doação por parte dos profissionais de saúde, conhecimento técnico e pautas científicas da Saúde rondonense não dão conta de barrar o coronavírus sozinhos se a população não cumprir com a sua parte. “Só vai melhorar se reduzirmos a taxa de transmissão, com menos circulação de pessoas e, consequentemente, contaminação. Com a mudança de comportamento, automaticamente o número de contaminados cai e os atendimentos tendem a baixar, é evidente”, afirma.

Outro mecanismo que depende da mobilização popular é o cumprimento do esquema vacinal, destaca ela. “Muitos tomaram a dose 1, mas há uma disparidade em relação à D2. O esquema vacinal só estará completo com a segunda dose. A imunidade que o paciente terá é um instrumento para a redução da gravidade da Covid-19”, enaltece.

 

UPA vive momento de superlotação (Foto: Divulgação)

 

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