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Municípios Custos não fecham

Bovinocultores de Marechal Rondon e região estão “pagando” para produzir leite

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(Foto: Sandro Mesquita/OP)

O Brasil está entre os três maiores produtores de leite do mundo, com mais de 34 bilhões de litros por ano, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Para alcançar esse patamar, o país conta com a participação de mais de um milhão de propriedades rurais distribuídas em 98% dos municípios brasileiros.

Desde 2014, a região Sul figura em 1º lugar como a maior produtora do país, de acordo com os últimos dados de captação de leite do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

No entanto, esse cenário pode mudar, afinal, a longa estiagem registrada nos últimos dois anos, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, reduziu a quantidade e a qualidade da pastagem e da silagem, o que implica em prejuízo na dieta dos animais e, consequentemente, na diminuição da produção.

Além da quebra do milho safrinha 2020/2021 em razão da seca e das geadas, os produtores estão tendo que encarar o aumento dos custos de produção em razão da alta do dólar em comparação ao real e a energia elétrica mais cara por conta da estiagem.

Todos esses fatores convergem numa somatória de desafios que os produtores precisam enfrentar para manter a produtividade e equilibrar os custos de produção dentro de uma margem de lucro que mantenha viável a manutenção da atividade leiteira.

Entretanto, está quase impossível para o produtor conseguir fazer ter esse equilíbrio. Basta visitar as propriedades rurais em Marechal Cândido Rondon e região para perceber que muitos produtores, especialmente os menores, estão com uma imensa dificuldade para se manter no ramo.

É preciso considerar ainda que muitos desses bovinocultores de leite também são agricultores, e a atividade enfrenta sérios problemas, basicamente por conta dos mesmos obstáculos.

E é assim, com muito malabarismo, que o produtor rural Seno Rediess, morador da Linha Água Verde, em Quatro Pontes, ainda mantém as 30 vacas no sistema semi-intensivo em sua propriedade.

Rediess conta que trabalha com criação de gado de leite há mais de 40 anos e já chegou a ter 45 cabeças de gado, mas aos poucos precisou reduzir o plantel. “O preço do leite não ajuda a gente se manter. Não é fácil produzir e obter renda equivalente ao investimento”, afirma.

Um tanto quanto desacreditado com relação à atividade leiteira, o agricultor investiu em granjas de suínos e pretende futuramente encerrar a produção de leite. “O preço baixo e a falta de chuva desanimam. Não sei por quanto tempo continuaremos”, revela.

Seno Rediess, da Linha Água Verde, em Quatro Pontes: “Lucro exorbitante anunciado todos os anos pelas cooperativas de laticínios não condiz com a realidade dos produtores de leite. Deveriam olhar para o produtor. Ele é a raiz da cadeia produtiva” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

PRODUÇÃO EM BAIXA

O enfraquecimento da bacia leiteira na região não é de agora. O processo é ascendente e vem antes mesmo da pandemia. Entre 2017 e 2019 o número de associados da Associação Leite Oeste passou de 150 para 92. No mesmo período, a Cooperativa Agroindustrial Leite Oeste (CooperMilch), responsável pela venda do leite dos produtores cooperados a laticínios, teve baixas ainda maiores, passando de 200 para 80 produtores. Atualmente, a cooperativa conta com 60 associados ativos.

A captação de leite também apresentou queda de cinco mil litros, passando de 15 mil litros/dia em 2019 para dez mil/litros nesse ano.

Para o presidente da cooperativa, Alceu Bergmann, essa diminuição se deve a uma somatória de fatores que contribuem para o desinteresse dos bovinocultores pela atividade. “Alguns se aposentaram e venderam seus plantéis, muitos se afastaram devido à baixa rentabilidade e também pelo fato de ser um ramo bastante trabalhoso”, comenta Bergmann.

Presidente da CooperMilch, Alceu Bergmann: “2021 foi um ano de muitos desafios para a pecuária leiteira. Nos últimos 60 dias o produtor não fecha seus custos de produção. Está pagando para produzir o leite” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

PREÇO

O preço do leite vem em queda desde outubro. O produto captado em novembro e pago aos produtores em dezembro fechou em R$ 2,1210/litro na “Média Brasil” líquida do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, com recuos de 3% frente ao mês anterior e de 8,7% em relação ao mesmo período do ano passado, em termos reais (dados deflacionados pelo IPCA de novembro de 2021).

De acordo com o órgão, em termos reais, de janeiro a dezembro de 2021, a média do preço ao produtor é de R$ 2,2481/litro, 15,5% acima da verificada em 2020. Entretanto, quando considerado o acumulado do ano (de dezembro/20 a dezembro/21), observa-se queda real de 8,7% no valor ao produtor, mostrando o forte movimento de baixa neste último trimestre de 2021. Em resumo, 2021 vai ser lembrado por preços altos no campo, porém, com baixa lucratividade para o produtor em virtude da queda nas vendas dos derivados.

Segundo o presidente da CooperMilch, o preço médio do litro de leite pago aos produtores da microrregião de Marechal Rondon é de R$ 1,90, variando conforme a quantidade de litros produzidos na propriedade. “Produtores acima de dois mil litros recebem aproximadamente R$ 2,10, dependendo da qualidade”, relata.

A pesquisa do Cepea mostra que, de janeiro até novembro, o COE (Custo Operacional Efetivo) acumulou alta de 17,68% na “Média Brasil”, puxado pelo aumento nos preços de importantes insumos, como concentrados, adubos e corretivos, suplementos minerais e combustíveis.

Vale ressaltar que a queda do real frente a moedas estrangeiras em 2021 intensificou o avanço dos custos de produção, uma vez que, além de puxar a exportação de grãos, também tornou mais cara a compra de insumos que dependem de matéria-prima importada.

 

MARGEM REDUZIDA

As interferências alheias aos produtores elevaram os custos de produção e o resultado foi a redução da margem de lucro do produtor de leite em 2021. Para comprovar, basta comparar a relação de troca do leite com o milho, insumo essencial à alimentação animal. De janeiro a novembro de 2020, eram precisos, em média, 33,9 litros de leite para adquirir uma saca de 60 quilos de milho, por sua vez, no mesmo período deste ano, foram necessários 42,6 litros, ou seja, queda de 25,7% no poder de compra dos produtores.

Vitor Alceu Stumm cria 58 vacas no sistema compost barn em sua propriedade na Linha Água Verde, em Quatro Pontes. No local são produzidos aproximadamente 1.750 litros de leite por dia e para suprir essa produção, além de um ambiente adequado, são necessários muitos quilos de alimentação e água à vontade para os animais.

Segundo Stumm, a ração é o item que mais pesa no custo de produção e praticamente dobrou de preço em 2021 em comparação ao ano passado. “O valor pago por tonelada do produto, que antes custava mais ou menos R$ 1,6 mil, hoje chega a R$ 2,2 mil”, expõe.

De acordo com ele, ao passo que os custos de produção aumentaram consideravelmente, o preço pago por litro de leite não acompanhou esse aumento. “Se considerarmos o custo de produção, o preço do litro deveria ser de aproximadamente R$ 2,80, no mínimo”, avalia.

Produtor Vitor Alceu Stumm, da Linha Água Verde, em Quatro Pontes: “Acredito que no próximo ano a situação deverá ficar ainda mais crítica” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

SILAGEM

A produção de milho, principalmente na safrinha, e de volumosos no geral, que garantiriam estoque de alimentação para os animais, foi extremamente comprometida pela ausência de chuvas.

Para o produtor quatro-pontense, a quebra na silagem deve chegar a 60%. Ele diz que apesar de ter uma área plantada com milho, devido à estiagem, está precisando comprar milho de terceiros. “Estamos pegando em algumas áreas de fora que estão um pouco melhor para misturar com o nosso”, relata.

A esperança de Stumm está depositada na próxima safra de milho, que deve ser plantada em janeiro, caso as chuvas previstas se concretizem. “Vamos ver se o tempo se regulariza do começo do ano em diante, só assim a situação começará a melhorar”, salienta.

Entretanto, diante das previsões de chuva para janeiro e fevereiro e o retorno da estiagem em março, ele ressalta a preocupação com o desenvolvimento do grão. “Se isso acontecer, vai pegar o milho na florada novamente, o que pode mais uma vez prejudicar a safra”, menciona.

Darci Vorpagel, morador da Linha Heidrich, em Marechal Rondon, tem em sua propriedade cerca de 130 cabeças de gado de leite em lactação.

O produtor conta que o milho usado para fazer silagem não chegou nem a formar grãos e a perda deve passar de 50%. “O volume até que está bom, mas a qualidade da silagem vai ficar bem abaixo do ideal”, pontua.

Segundo ele, a expectativa para 2022 não é animadora, caso a estiagem persista e os preços dos insumos não diminuam. “Acredito que ano que vem vai ser pior porque a silagem vai ser ruim e o custo será ainda mais alto”, lamenta.

O produtor, contudo, aposta todas as fichas no próximo plantio de milho safrinha. “Tomara que a safrinha de agora seja boa”, sentencia Darci.

Produtor Darci Vorpagel, da Linha Heidrich, em Marechal Rondon: “Tem muita gente vendendo o plantel e se continuar do jeito que está, a tendência é piorar” (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

VALOR NUTRICIONAL

De acordo com o médico veterinário Alan Dresch, a silagem é uma fonte de nutrientes imprescindível para a pecuária leiteira e um alimento volumoso de alto valor energético. “A silagem de baixa qualidade afeta diretamente a produção de leite, pois é uma importante fonte de fibra e energia”, observa.

Quando a silagem é de baixa qualidade e os produtores não recorrem a algum nutricionista para fazer ajustes, os animais apresentam diminuição da produção de leite, menciona Dresch. “Haja vista que a silagem não fornece a quantidade de nutrientes necessários para sustentar a produção de leite”, completa.

ESTRATÉGIAS

A fim de evitar a diminuição da produtividade, os produtores podem adotar estratégias nutricionais para balancear a dieta dos animais.

O primeiro passo, segundo o médico veterinário, é a inclusão de milho como parte energética e uma fonte de volumosos como o pré-secado de tifton, feno ou até o pasto. “Também pode-se utilizar alimentos alternativos, como casca de soja, fécula de mandioca, gordura de palma, entre outros alimentos ricos em energia, suprindo assim a deficiência energética”, indica.

O profissional destaca a avaliação bromatológica dos alimentos da dieta bem como o ajuste dos nutrientes. “Isso é indispensável para evitar a diminuição da produção de leite e se tornar mais produtivo e eficiente na atividade”, enaltece.

Estiagem afetou o crescimento da planta e a formação dos grãos, ocasionando a queda em volume e qualidade de silagem (Foto: Sandro Mesquita/OP)

 

ESTRESSE TÉRMICO

O calorão dos últimos meses tem afetado a produtividade dos animais, especialmente em propriedades que utilizam os sistemas convencionais de criação.

Segundo Dresch, o estresse térmico ocorre quando a taxa de ganho de calor excede a de perda, levando as vacas a apresentarem respostas fisiológicas e comportamentais. “Verifica-se que os animais alteram os horários de alimentação, dando preferência a se alimentarem nos horários mais frescos do dia, e procuram ambientes sombreados e com maior corrente de vento”, expõe.

De acordo com ele, também se observa que vacas em situação de desconforto térmico permanecem mais tempo em pé e quando criadas com acesso a fontes de água, como lagoas, açudes ou barragens, procuram entrar nesses locais no intuito de se refrescar. Além disso, entre as respostas de enfrentamento ao desconforto térmico por calor que podem impactar diretamente a saúde e bem-estar dos animais, “está a diminuição do consumo de alimento e o aumento do consumo de água e da frequência respiratória”, comenta.

Esse conjunto de respostas de enfrentamento ao desconforto por calor altera o metabolismo do gado e aumenta a demanda energética, o que pode fazer com que os animais fiquem mais susceptíveis a doenças. “Pode ocorrer ainda a diminuição da produção de leite e, em alguns casos, os animais podem apresentar quadro de acidose”, aponta Dresch.

Médico veterinário Alan Dresch: “Com planejamento em mãos, e seguindo à risca, é possível ter volumoso de qualidade e em quantidade suficiente para atender a demanda durante todo o ano” (Foto: Divulgação)

 

CONSUMO DE ÁGUA

O consumo de água por um animal leiteiro é influenciado pela idade, tipo de alimentação, estágio de lactação e gestação, pela produção de leite e pelo clima da região onde o animal é mantido.

Conforme o médico veterinário, em função desses fatores, o consumo de água pode variar de três a quatro litros para cada litro de leite produzido. “Em situação de estresse por calor, os animais diminuem a ingestão de alimentos e aumentam o consumo de água. Sendo assim, quanto maior o desconforto por calor, maior o consumo de água”, expõe.

A baixa ingestão de água faz com que o animal diminua a ingestão de matéria seca, ocasionando prejuízos diretos na produção de leite, já que em torno de 87% do leite é água. Nessa situação, a saúde dos animais também estará comprometida, pois a restrição hídrica representa menor imunidade, “o que favorece o aparecimento de doenças que podem levar os animais a óbito”, conclui.

 

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