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Municípios Da loucura à superação

Livro conta história de mulher que ficou internada no Hospital Filadélfia

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Jaqueline Viletti, autora de “A Vitória”, durante visita ao O Presente para divulgar o livro: “Hoje eu entendo pelo que passei. As pessoas pararam de me julgar. Comecei a dar testemunhos e fazer parte de encontros motivacionais” (Foto: Raquel Ratajczyk/OP)

Desde o auge da juventude, Jaqueline Vanessa Cassol Viletti teve que lidar com o rótulo de “louca”. Hoje com 35 anos, ela diz que os desafios e obstáculos foram tantos e, ao mesmo tempo, tão bem superados que decidiu contar a sua vivência em um livro, intitulado “A vitória”.

Em entrevista ao O Presente, a moradora de Palotina lembrou do começo de tudo, falou sobre a sua estadia no antigo Hospital Filadélfia, em Marechal Cândido Rondon, e a superação dos preconceitos. Confira.

 

Depressão na juventude

Única mulher entre quatro filhos homens, aos 16 anos a palotinense teve de lidar com o falecimento da mãe, vítima do câncer de mama. “Fiquei responsável pela casa, ajudando meu pai em tudo. Foi muito complicado. Tive que passar, de forma muito rápida, de adolescente sem grandes preocupações à mulher”, relata.

Entre cuidados na casa e desempenho do papel de mãe aos irmãos, Jaqueline acabou indo morar com o irmão mais velho, em Lajes (SC). No solo catarinense, com pessoas culturalmente diferentes, a menina começou a enfrentar problemas psíquicos. “Eu era diferente de todo mundo e desencadeei uma depressão. Quando voltei para Palotina estava louca. Fui medicada, passei por diversos médicos que não me ajudavam enquanto lidava com tentativas de suicídio e crises. Eu fazia mal pra mim, não para os outros”, frisa, pontuando que a família era responsável pelos cuidados.

 

Momento da virada

Jaqueline andava curvada, caindo aos cantos devido ao peso que carregava. Muito religiosa, a jovem se munia de terços e correntes em uma tentativa de se proteger. “Pensava que isso me defenderia de qualquer coisa, mas, na verdade, os objetos representavam meus medos e inseguranças”, expõe.

Tudo mudou quando foi apresentada ao doutor Thiago Lemos, que na época atendia no Hospital Filadélfia, em Marechal Rondon. Desde a primeira consulta, comenta a palotinense, o médico foi direto. “Ele olhou no meu olho e disse que eu não estava bem. Recebi remédios, mas devido ao estado agravado em que me encontrava, eles não faziam o efeito esperado. Na segunda consulta, não teve jeito, eu estava completamente louca e precisei ser internada. Chamaram-me a uma sala, tirei as correntes, o doutor disse para eu me despedir dos meus familiares e, depois, acompanhei uma enfermeira”, relembra.

A nova estadia da jovem era o famoso Hospital Filadélfia, marcado em sua memória com portas de ferro, com enormes cadeados, que se abriam conforme Jaqueline e a enfermeira se dirigiam à ala feminina. “Achei que ficaria em Marechal Rondon uma semana, no máximo, mas não foi o que aconteceu. Cheguei lá e vi um monte de gente como eu. Era uma coisa totalmente diferente”, menciona.

 

O internamento

Diagnosticada com transtorno bipolar, síndrome do pânico e ansiedade, passaram-se 15 dias da estadia da jovem no hospital e as coisas não pareciam boas para a paciente. “Meu irmão veio me visitar e eu não estava nada bem. Diziam que eu sairia do hospital apenas por um milagre”, diz.

A esperada uma semana se transformou em 40 dias de internamento. Jaqueline relata que no hospital ela fazia o que queria: brincava, ria e chorava. “A equipe era muito bacana conosco. Tive crises, mas fui controlada sempre com carinho. Um dia sonhei com a Nossa Senhora da Salete envolta em um manto azul e, no dia seguinte, o doutor Thiago estava vestindo uma camisa no mesmo tom. Foi o dia da minha alta”, conta, emocionada.

Internada no dia 20 de maio de 2010 e liberada no dia 30 de julho do mesmo ano, uma nova vida começou para a palotinense. “No momento da alta eu percebi que nunca tinha olhado de fato para onde eu estava. Vi meu pai, as portas de ferro e a esperança surgindo através dele. Era um recomeço e minha vida começaria dali em diante. O preconceito não fica no hospital, mas começa quando você sai de lá”, lamenta.

 

Uma atração na cidade

Cidade pequena, Palotina não tinha nenhum caso de vulto como o de Jaqueline, o que despertou a curiosidade e o preconceito da população. “Foi o primeiro caso de uma menina ter sido internado por transtornos psíquicos. Aquilo mexeu com Palotina. Todo mundo queria me ver, mas eu estava numa fase de recuperação”, pontua.

A retomada da vida acontecia com base em remédios fortes. Havia muita sonolência, mas muita força de vontade. “Eu olhava para mim, com 23 anos, saindo de uma clínica de recuperação. Não entendia porque aconteceu, mas eu queria superar tudo aquilo. Meu pai falava para eu matar um leão por dia, mas nem sempre as pessoas entendem que é complicado. Apesar de ter sido liberada do internamento, eu continuava sendo acompanhada pelo doutor Thiago, que sempre me dizia para maneirar”, comenta.

Promessa feita no período de internação, ela levou um terço a cada um dos profissionais com quem conviveu na sua estadia no Filadélfia. “Eu queria uma vida normal e aquelas pessoas me ajudaram nisso. Eu estava bem, mas precisava de cuidados. Apenas um ano e meio depois recebi alta plena. No momento da alta foi emocionante, como um passarinho saindo do ninho”, compara.

 

Vontade de viver

Desejos de dirigir, namorar, casar e viver alimentavam os pensamentos de Jaqueline. “Queria ter minha vida, mas, ao mesmo tempo, pensava: como uma louca vai ser recebida? Eu nunca deixei de frequentar a igreja e fui revelada lá. Eu me reconstruiria e conheceria o meu ‘José’”, expõe.

Em agosto de 2013 Jaqueline conheceu Evandro, que, segundo ela, também passou a ser taxado de louco. “Meu pai ficou receoso com as intenções dele. Havia muita pressão da população. O Evandro era o contrário de mim, quieto e sério, mas foi chegando devagar, me conheceu e as coisas foram se acertando”, afirma.

Em 2019, Jaqueline e Evandro se casaram, cultivando o sonho de ter uma família. “Tive nesse intervalo o sonho de escrever esse livro, contando minha história e fui incentivada pelo doutor Thiago. Ao mesmo tempo, como meu medicamento era muito forte, pedi se eu poderia tentar engravidar”, aponta.

 

O livro

Com o livro em mãos, o primeiro a ler foi o doutor Thiago, com quem Jaqueline se trata há 11 anos. “Ele gostou, disse que poderia lançar o livro e no mesmo dia falou que eu poderia ser mãe. Foi muito emocionante”, enfatiza.
Passando por editores e ganhando forma, o livro foi efetivamente lançado em 20 de maio deste ano, 11 anos depois que a palotinense foi internada no Hospital Filadélfia. “Quero que as pessoas vejam que as coisas são complicadas, mas com Deus no coração, um bom médico e força de vontade, tudo é possível”, destaca.

Quando terminou de escrever o livro ainda não era do conhecimento de Jaqueline, mas a Vitória já estava sendo gerada em seu ventre. “Eu não sabia que estava grávida e hoje minha filha, Vitória, está junto de nós. Foi por Deus e esse milagre vai se tornar um segundo livro que já está sendo escrito, sobre ela e a vivência do meu marido”, adianta, acrescentando que a continuação da primeira obra deve ser lançada no ano que vem.

“Hoje eu entendo pelo que passei. As pessoas pararam de me julgar, porque quem lê entende. Comecei a dar testemunhos e participar de encontros motivacionais falando sobre minha trajetória”, pontua. Em “A Vitória”, a vida de Jaqueline, suas dificuldades e sua superação são retratadas na voz de quem as vivenciou. Para conseguir um exemplar, o contato é (44) 99815-9437.


Jaqueline e sua filha Vitória, personagem do próximo livro que a palotinense está escrevendo (Fotos: Raquel Ratajczyk/OP)

Jaqueline Viletti, autora de “A Vitória”, durante visita ao O Presente para divulgar o livro

 

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