Fale com a gente

Paraná

35 anos de lembranças

Publicado

em

Hoje (13) é um dia de celebração, mas também de silêncio. Foi neste mesmo dia, em 13 de outubro de 1982, que as comportas da recém-nascida Usina Hidrelétrica de Itaipu foram fechadas para a criação de sua represa. Fato que merece comemoração, afinal, são 35 anos da existência do Lago de Itaipu. Por outro lado, foi nesta mesma data que as Sete Quedas, localizadas em Guaíra, silenciaram, sendo inundadas pela represa.

As quedas localizavam-se em um ponto onde o Rio Paraná era forçado através de um estreito desfiladeiro. Constituídas por 19 cachoeiras principais, eram divididas em sete grupos e a cidade de Guaíra foi erguida por volta de 1940 para aproveitar a potência turística da região. Todavia, em 1979 foi decretado o fim do Salto das Sete Quedas. O governo anunciou que a construção da Usina de Itaipu iria alagar o Salto Guaíra e, após o ocorrido, milhares de turistas se dirigiram ao local, pois todos queriam vê-la antes que ela se fosse.

As conversas para a construção da Usina de Itaipu iniciaram na década de 1960 entre o Brasil e o Paraguai e, após seis anos de negociações, foi assinada a “Ata do Iguaçu”, uma declaração conjunta de interesse mútuo para estudar o aproveitamento dos recursos hídricos dos dois países, no trecho do Rio Paraná “desde e inclusive o Salto de Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu”. O Tratado de Itaipu, que legalmente deu origem à usina, foi assinado em 1973.

O reservatório da Itaipu, com 1.350 quilômetros quadrados de área inundada, é o 7º maior do Brasil, mas dispõe do melhor índice de aproveitamento da água para produzir energia entre os grandes reservatórios brasileiros. Na Binacional, o índice de produção é de 10,4 megawatt por quilômetro quadrado, ou seja, a cada 0,1 quilômetro quadrado de área alagada é possível gerar um megawatt.

Margeando a fronteira entre Brasil e Paraguai, o Lago de Itaipu abrange os municípios paranaenses de Diamante d’Oeste, Entre Rios do Oeste, Foz do Iguaçu, Guaíra, Itaipulândia, Marechal Cândido Rondon, Mercedes, Missal, Pato Bragado, Santa Helena, Santa Terezinha de Itaipu, São José das Palmeiras, São Miguel do Iguaçu e Terra Roxa, além do sul-matogrossense Mundo Novo.

Com o fechamento das comportas, no entanto, não foram somente as Sete Quedas de Guaíra que silenciaram. Pouco mais de 42 mil pessoas dos municípios de Terra Roxa, Marechal Cândido Rondon, Santa Helena, Matelândia, Medianeira, São Miguel do Iguaçu e Foz do Iguaçu foram diretamente afetadas, pois estavam na “área comprometida” de 111.332 hectares que seria inundada com a formação do Lago e com o reflorestamento marginal. As águas atingiram a área rural, o núcleo urbano e 13 famílias de índios guaranis, culminando no desaparecimento de vilas e distritos, como Alvorada do Iguaçu e Itacorá. Outros foram parcialmente inundados, como Porto Mendes, São José do Ocoí e Santa Helena.

“Houveram os que duvidavam até ver as águas subirem que isto poderia ser real. A grande maioria dos atingidos e expropriados não ficaram para o velório, já tinham saído em busca de novas áreas para formar sua nova querência. Nós, que não precisávamos abandonar nossa casa, nossa vila, pois as águas não alcançaram nossa propriedade, ficamos para assistir à melancólica subida do dilúvio que ia engolindo aos poucos as taperas abandonadas”, relembra Gernote Gilberto Kirinus, que foi pastor da comunidade luterana no então distrito de Entre Rios. Ali, Kirinus mesclou os afazeres espirituais da paróquia com a militância política. Em 1978, o envolvimento com a Comissão Pastoral da Terra (CTP) na defesa dos direitos dos expropriados pela Usina de Itaipu possibilitou a conquista de seu primeiro mandato como deputado estadual. “Muitos compareceram na véspera da inundação para se despedir das Sete Quedas de Guaíra, uma das maravilhas do mundo que a natureza nos brindou gratuitamente e que teve que ceder espaço para um progresso econômico sem o mínimo senso de sustentabilidade. Milhares de pessoas vinham de todos os cantos do mundo para chorar a despedida desta maravilha. Era tanta gente que percorria as pontes pênseis que dava acesso a várias quedas e cascatas que uma delas acabou ruindo, deixando para trás um duplo luto com a morte de turistas”, cita, relembrando o fato de janeiro de 1982, quando uma das pontes caiu e resultou na morte de 32 pessoas.

Para Kirinus, por mais que a propaganda de Itaipu procurasse justificar e querer convencer a opinião pública com a promessa de criar lindas praias e áreas de lazer a partir do Lago a ser formado, “não conseguiam enxugar nossas lágrimas diante de tamanha ousadia contra a natureza e também ao afogar nas águas barrentas o que já foi uma região com progresso pujante sustentado na agricultura familiar”, pontua.

Representatividade

Kirinus diz que frente à situação de perda de terras em plena produção e das famílias que seriam retiradas para ceder espaço ao projeto da geradora de energia, o projeto chegou a ser analisado na CPI da Desparanização instituída na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) no primeiro semestre de 1978. “Como secretário da CPT e porque já trabalhávamos com grupos dos que seriam desapropriados para nos posicionar frente à Itaipu, fui convidado a depor e a partir deste depoimento e da própria CPI os argumentos da premência e necessidade da construção de Itaipu foram seriamente questionados. No meu depoimento pode-se ler inúmeras advertências sobre os malefícios que tal empreendimento traria para o ecossistema da região”, destaca.

No depoimento, Kirinus lembra que esclareceu que Itaipu não era o único projeto para o aproveitamento energético do Rio Paraná. Ele citou, por exemplo, o projeto de Marcondes Ferraz durante o governo de Juscelino Kubitschek que geraria apenas três milhões de quilowatts a menos que Itaipu, mas não inundaria os 100 mil hectares de terra fértil plena à produção agrícola. “É evidente que não adianta chorar o leite derramado, mas, que se diga de passagem, o projeto de Itaipu na dimensão em que foi concebido e construído não nos convence que o único objetivo fosse o da produção de energia elétrica que o país precisava”, critica. “Desta forma, para garantir a sustentabilidade política do seu projeto, Itaipu tomou a providência de eleger um deputado de Foz do Iguaçu como defensor do empreendimento. De outro lado, o movimento dos expropriados apoiou minha candidatura com a missão de servir de escudo e defesa deles junto à Assembleia Legislativa”, conta.

Confira a matéria completa na edição impressa desta sexta-feira (13).

Copyright © 2017 O Presente