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Paraná

A mola propulsora da insegurança

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Mirely Weirich/OP
Ofuscada pela fronteira com o Paraguai, pelos altos índices de criminalidade e danos socioeconômicos, Guaíra colhe os prejuízos do contrabando

Um fator de conformidade. É assim que o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Barros, caracteriza a funcionalidade do contrabando, que perturba a paz em pelo menos 120 cidades brasileiras. Foco de um recente estudo inédito da entidade, os municípios apresentam o Produto Interno Bruto (PIB) per capita abaixo da média nacional, baixos índices de escolaridade e empregabilidade, além de altas taxas de homicídios, resultado da violência e dos prejuízos socioeconômicos causados pela prática ilegal.

Guaíra, a pouco mais de 60 quilômetros de Marechal Cândido Rondon, foi uma das seis cidades em destaque no levantamento, com alarmantes 68,34% de homicídios e 62,13 óbitos por arma de fogo a cada 100 mil habitantes, apesar de o próprio município tirar do bolso 68,43% dos investimentos em segurança pública. Para Barros, a receita que culmina nas altas taxas de criminalidade ligadas ao contrabando nas cidades da faixa de fronteira é única: baixo nível de escolaridade e falta de emprego. Esse cenário desestimula, e a pessoa migra para o contrabando, que vira a atividade principal dela, que cria os filhos dessa forma. O contrabando é uma opção de emprego e renda, mas é informal e criminoso, afirma.

O presidente do Idesf destaca que os baixos investimentos em educação em todo o Brasil refletem diretamente em uma péssima qualidade educacional e, consequentemente, na qualidade do emprego e da renda, já que não existirá mão de obra qualificada para exercer uma atividade mais estrutural. E aqui aparece o contrabando como grande mola propulsora disso tudo, menciona.

O reflexo, segundo ele, cai na segurança pública, já que o contrabando representa uma atividade extremamente lucrativa e os contrabandistas não querem mais perder suas cargas para os policiais. Por isso, as defendem fortemente armados e até avançam sobre as viaturas e sobre o efetivo. E nós todos estamos assistindo isso com uma certa inércia, sem cobrar uma atitude dos governantes perante um problema que não afeta somente as cidades de fronteira, mas, sim, toda a região próxima a ela, diz. Marechal Cândido Rondon, por exemplo, possui um braço forte na produção agrícola, com as indústrias e cooperativas, porém se você ir um pouco mais longe, para Terra Roxa, que não tem a mesma situação econômica, ela está mais frágil. Quanto menor a atividade econômica formal do município, maior a vulnerabilidade perante o contrabando, complementa Barros.

De acordo com o estudo do Idesf, o município guairense apresenta um índice de 23,51% da população economicamente ativa (de 15 a 65 anos) que trabalha formalmente, ou seja, 77,5% está na informalidade. O estudo também revela que o município possui uma dependência financeira do Estado e da União que chega a 69,5% para fazer qualquer tipo de investimento, ou seja, a cada R$ 10 que a prefeitura arrecada, R$ 6,90 vêm do governo federal e estadual. Isso encolhe totalmente a capacidade do município. O contrabando afeta toda a sociedade, depois a economia e depois o Judiciário, que fica abarrotado de processos e as cadeias cheias de gente, pontua.

 

Atividade de família

Por ser uma forma de ganhar dinheiro mais fácil e mais rápido, cada vez mais pessoas – e cada vez mais jovens – têm encontrado no contrabando uma forma de manter-se economicamente ativo. O contrabando é um problema social tributário, porque o Estado transforma a sonegação de impostos em um crime, e as pessoas por falta de condições financeiras de viver, de educação, preparação para uma vida decente, que o Estado não fornece, acabam se envolvendo no descaminho para ganharem dinheiro, salienta o advogado e presidente do Conselho Municipal da Comunidade de Guaíra, Sandro Junior Batista Nogueira.

De acordo com ele, participar do contrabando na fronteira já virou uma atividade familiar, onde pai, mãe e filho saem à noite para bater caixa, transportar uma caixa de determinado local para outro, carregar um caminhão e, no fim do dia, obter um lucro fácil. Na fronteira, as autoridades que fecham os olhos para isso estão sendo hipócritas, porque infelizmente o contrabando influencia na economia local e, se ele tem esse poder, cabe ao Poder Público providenciar condições favoráveis ao cidadão para que ele trabalhe, tenha um salário digno e uma vida digna, para que ele não sinta necessidade de se envolver com algo errado para poder sobreviver, afirma.

Nogueira declara que não somente em Guaíra, mas nos demais municípios fronteiriços não há uma preocupação específica em promover trabalho e projetos que possam envolver principalmente os jovens, que vão formar a futura sociedade, em situações que eles não pensem e não queiram se envolver em caminhos errados. Só prender e colocar em uma jaula não vai resolver nunca, destaca.

 

Abandono escolar

Apesar das baixas taxas de abandono escolar apontadas pelo Idesf em Guaíra – 1,1% para o Ensino Fundamental e 6,2% para o Ensino Médio -, Nogueira ressalta que há muita influência do contrabando na evasão das salas de aula do município que, algumas vezes, começa dentro de casa. Como não há cuidado do Estado em proporcionar ao cidadão o que está garantido na Constituição Federal, ele se obriga a arrumar dinheiro para se autossustentar. Para o pai sustentar a família sem emprego, infelizmente, o contrabando é um convite de fácil acesso e acaba, sim, envolvendo os filhos, pontua.

Na prática, Nogueira conta que tudo inicia quando o filho acompanha o pai no ato ilícito. O que é errado o ser humano gosta de fazer à noite, quando ninguém está vendo, então os pais vão trabalhar, porque eles usam este termo, e muitas vezes os filhos vão ajudar. Consequentemente de manhã, quando esse jovem deveria ir para a escola, ele não consegue porque teve a atividade noturna, enfatiza.

Neste caso, ressalta, não há forma de o Estado fiscalizar a falta do jovem porque a decisão pelo abandono escolar é algo de cunho pessoal e familiar. Por isso penso que a educação é a forma de influenciar os jovens, de passar valores e tentar, de alguma forma, mostrar para as famílias e para os jovens que o crime não compensa, que esse lucro é apenas momentâneo e que essa situação só tem dois fins: cadeia ou cemitério, complementa.

O advogado expõe que há necessidade de ser trabalhado nas escolas para que as próprias crianças chamem a atenção dos pais, que digam que eles não estão dando bons exemplos, que saibam a realidade das cadeias – onde existem associações criminosas e várias situações que permitem acesso fácil ao tráfico, provocando até mesmo homicídios, adultérios e separações de famílias. As pessoas perdem os seus valores principais. Penso que a honestidade, o caráter e todo o nosso comportamento em sociedade têm princípios que vêm de base, do lar, mas ninguém está passível de cometer um erro, destaca. Na porta do Conselho da Comunidade de Guaíra há uma frase que diz: você pode afirmar que nunca cometerá um crime?. E essa pergunta está lá porque os críticos de plantão, que não se envolvem de uma forma social e em benefício do seu semelhante, questionam e julgam comportamentos e valores sem ter vivido ou conhecimento de causa, e eu passo essa pergunta a essas pessoas que criticam e questionam sem fazer nada para que haja mudança nem em suas próprias casas, porque amanhã você pode estar lá naquela situação, o seu filho ou um ente querido seu, completa.

Soluções

Para o presidente do Idesf, as soluções para mudar a realidade daqueles que vivem nos municípios fronteiriços, em um primeiro momento, seria a adesão de duas medidas emergenciais. A primeira seria um investimento maciço em educação, a fim de promover o ensino com qualidade. Mas esse é um resultado em longo prazo, que teria reflexo em 14 ou 15 anos, comenta. Imediatamente, deve-se investir em segurança pública, pois é preciso olhar para os dois extremos, e a segurança é emergente. Se deixar o bandido solto ele assalta a sua casa, complementa.

Além disso, Barros destaca que os municípios devam buscar atividades econômicas que formalizem a população economicamente ativa (PEA), identificando as potencialidades dos seus municípios. Ou seja, se o município possui uma potencialidade agrícola é para esse lado que eu vou, se ela não é suficiente eu identifico outras, diz.

Para ele, em Guaíra o fomento ao turismo de pesca seria uma das alternativas. Há possibilidade para uma série de ações em que o turismo pode ser o diferencial, porque o turismo é um dinheiro imediato no caixa, o dinheiro que o turista paga à vista fica na cidade, paga ISS, ou seja, é um imposto direto para o município, revela. Mas, infelizmente, somente será possível fazer isso se conseguirmos tirar o contrabando das águas do rio, completa.

Faltam políticas públicas

Apesar de o município de Guaíra contar com um Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M), que reúne autoridades municipais e diversos órgãos voltados à segurança pública do município, como polícias Militar, Civil e Federal, Corpo de Bombeiros, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Marinha e BPFron, que discutem estratégias de combate e trabalham de forma integrada em prol da segurança local, os índices continuam assustadores.

De acordo com o secretário executivo do órgão, Sinomar Maria Neto, a atual administração sempre se preocupou em manter as forças policiais em Guaíra bem estabelecidas e, mesmo criando o GGI-M para que o município receba repasses de um plano para fiscalização de fronteira por meio de incentivos federais, chegou-se à conclusão de que a relação entre o contrabando e a violência tornou-se um problema social, demandando de uma tomada de decisões em âmbito federal para a geração de emprego, que poderia diminuir os prejuízos socioeconômicos para a cidade. O município de Guaíra fomenta a instalação e permanência de empresas na cidade, independente de sua natureza, mas a solução está em um âmbito maior, de mudar alguma política econômica para que o contrabando deixe de ser algo interessante, afirma Neto.

Na opinião dele, faltam políticas públicas específicas para os municípios fronteiriços, não de apenas municiar as polícias, mas, sim, políticas diferentes como, por exemplo, tornar sem interesse o imposto do cigarro brasileiro para que a mercadoria venda melhor e o cigarro contrabandeado deixe de ser interessante. Se fizermos um levantamento junto à Polícia Civil, será visível que a maior parte dos nossos homicídios é acerto de contas entre traficante e usuário ou briga por espaço, e aquele que nos preocupa mais, que é assalto em casas, por exemplo, é um número pequeno. Então esses números apontados pelo Idesf são reais, mas não retratam a realidade na qual vivemos, complementa.

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