Fale com a gente

Política Na linha de frente

Prefeito de Cascavel fala em repensar carreira política após vencer a pandemia: “Vou repensar tudo”

Publicado

em

(Fotos: Jairo Eduardo)

Quando a equipe do Pitoco chegou ao prédio da Prefeitura de Cascavel, ao crepúsculo da última segunda-feira (23), encontrou um prédio fantasma. Somente a linha de frente do governo ocupava aquele vasto edifício.

Em reflexo condicionado pela paúra psicológica dos tempos de pandemia, avançamos pelas escadarias para evitar elevadores. No 3º andar do Paço, portas escancaradas do gabinete.

Sem que fôssemos abordados, adentramos diretamente a sala do prefeito.

Leonaldo Paranhos da Silva, maior autoridade do município, investido da condição de comandante da mega-operação contra a epidemia em Cascavel, estava só.

Colete laranja da Defesa Civil, grudado ao smartphone, nem percebeu a visita. Após gravar um comunicado em vídeo, o prefeito atendeu o pedido de entrevista.

A conversa começou na pandemia e terminou na eleição. No meio do caminho, o comandante foi às lágrimas quando disse que iria repensar o que faria da vida após a maior crise sanitária da história.

Paranhos também falou das resistências que sofreu ao adotar as duras medidas de isolamento e por que decidiu estabelecer morada dentro do paço, instalando chuveiro e dormitório no prédio da prefeitura, onde presta 20 horas diárias consecutivas de expediente.

Aprove-se ou não eventuais exageros na condução da crise pelo prefeito, mesmo os opositores reconhecem: não tem cadeira vazia no gabinete. Há alguém no comando, o líder foi para a linha de frente e não fugiu da batalha, não minimizou a crise, não fez pouco caso da ameaça mortal e cresceu na adversidade.

 

COM A PALAVRA, O COMANDANTE:

Não é exagero bloquear os acessos da cidade?

Trata-se de uma inspeção sanitária. Precisamos saber se a cidade de origem do visitante tem transmissão comunitária. Chegando a Cascavel, cidadão será abordado, emitimos um relatório individualizado, ele recebe uma pulseira no braço que não pode violar. Pulseira vermelha se apresentar algum sintoma, amarela se vier de área de risco. Se andar por aí será identificado. Ideal seria um rastreador na pulseira, mas de momento não é possível.

 

Em que se transformou sua vida pessoal?

Estou morando dentro da prefeitura. Abri mão de todas as outras coisas neste momento: obras, programas, projetos da cidade e meus pessoais. Estou focado. Aproveito as madrugadas para leituras. Nos últimos 30 dias li tudo sobre as crises pós-guerra, pós-endemias e crises econômicas agudas, em todos os lugares que aconteceu e como os governos reagiram.

E precisava mudar-se para o paço? Sua família, entendeu isso?

Se eu chegar em casa haverá alguma demanda da esposa, da filha. A Fabíola está apta a dar conta disso nesse momento em que preciso de foco total no trabalho. Houve alguma resistência, minha filha até adiou o casamento. Mas eles vão entender. Não dá para perder o foco. Estou 100% focado no combate à epidemia.

 

Percebe que está vulnerável ao vírus?

Tenho tomado os cuidados, mas mesmo que eu não visite e evite sair daqui, recebo visitas a todo momento. Por mais cuidado que eu tome, estaria exposto por frequentar a linha de frente do combate.

 

Como é sua rotina aqui?

Acordo lá pelas 06 horas. Recebo no celular um sistema que informa as medidas tomadas em todo o planeta. Estudo aquilo, começo já na noite anterior. Vejo medidas que deram certo, as que foram revogadas. Estudo a psicologia da pandemia. Dedico duas a três horas para isso. Penso em ações. Quando minha equipe se apresenta já sei que comandos repassar a cada um.

 

Sobram algumas horas para o repouso?

Depois das 22 horas não atendo mais ninguém, exceto excepcionalidades. Começo minhas leituras e planejamento do dia seguinte. Tenho um hábito antigo de dormir às 02 horas da manhã. Organismo não tem reclamado, tenho descansado quatro horas por dia. Pode haver algum reflexo na frente, de momento estou bem, e pilhado.

 

Superou a síndrome do pânico?

Fiz um tratamento muito intenso lá atrás, quando era deputado. Tive três picos sérios de crise. Em um deles fui socorrido pelo Samu. Superei o pavor que tinha de avião, a ponto de não conseguir embarcar. Fui disciplinado no tratamento psicológico, superei isso. Não foi fácil. O organismo não produzia serotonina, gerava paralisia. Superei, não tive mais crises.

 

Setores do empresariado dizem que a cura não pode ser pior que a doença, que medidas severas asfixiam a economia…

Tenho me reunido com Associação Comercial (Acic), G8, Apras, todos os setores. Tenho me reportado ao COI em suas medidas técnicas. Tenho dialogado. Porém, as medidas duras são necessárias porque não temos medicamento para enfrentar o coronavírus. A única alternativa é a preventiva, ou seja, o rigoroso isolamento social. Entre o olhar meramente econômico e focar só no combate, encontramos um caminho no meio, permitindo que setores continuem produzindo, desde que protegendo os trabalhadores, mas isolando os demais.

 

O senhor desafiou um rapaz que o ofendeu na internet? Chamou para a briga?

O rapaz agrediu minha mãe e fez ameaça física. Eu respondi: “marque um lugar e vamos resolver isso”. Eu não xinguei, não desafiei. Eu poderia ir até ele e ser agredido, poderia ir lá e sanar as dúvidas ou poderia ter um conflito, alternativa que eu não desejava. Não houve ofensa, o chamei de “meu irmão”, apesar da agressão.

 

A propósito, você perdeu a mãe recentemente, dona Preta…

Ficou um vazio muito grande. Acordei na manhã seguinte e enfrentei a duras penas o primeiro dia de minha vida sem a mãe. Percebi que mesmo que fosse algo urgente não poderia recorrer a ela. E agora me vejo no centro da maior crise do mundo. Mas se estou aqui é porque Deus permitiu e darei tudo de mim para enfrentar.

 

Fala-se na prorrogação de mandatos de prefeitos com a pandemia…

Não estou tratando de política neste momento, mas será uma grande penalidade aos atuais prefeitos essa suposta prorrogação compulsória. Quem vai querer pegar um município depois de uma crise como essa? Terá que assumir a responsabilidade dos gargalos da saúde. Tudo empurrado para frente, cirurgias, etc… Quando vencermos o vírus, haverá uma corrida para o serviço de saúde. Vai levar cinco anos para voltar ao patamar anterior à crise. Teremos problemas no emprego, arrecadação arrebentada. Se prorrogar será uma penalidade, não um ganho.

 

Então você está fora da disputa reeleitoral?

Nesta quadra histórica em que estamos, não dá para dizer nada. Não há como pensar em eleição agora. Imaginou, no meio da crise aqui, eu dizer para alguém: “Dá uma cuidada aqui pra mim que estou indo para uma reunião política”. Estamos 100% concentrados no ataque à pandemia.

 

Mas a eleição prossegue no calendário do Tribunal Superior Eleitoral, não foi isolada ainda. Seu grupo fala em alçá-lo para o Senado ou vice no projeto reeleitoral do Ratinho…

Quando eu sair disso aqui, farei uma avaliação de valores pessoais, familiares, políticos, materiais (prefeito embarga a voz e chora neste ponto da entrevista). Vou repensar tudo. Naquilo que sempre tivemos e não valorizamos. Poder almoçar com a família, viajar com a família, coisas simples das quais muitas vezes fomos privados…

 

A crise abalou suas convicções na carreira política?

Façamos uma pergunta: que força nós temos? Existe super-homem, existe o grande empresário, o prefeito inabalável? Não existe. Quem é o homem? Somos frágeis, somos pó. Não quer dizer que não devemos lutar. Juntando todos temos força…

 

O planeta será outro depois da pandemia?

Será outro. Será o antes e o depois. Não existe baixar decreto de consciência, de educação. Tudo que se pode fazer é decreto de regras. Pessoas cumprem ou não. Papel aceita tudo. O planeta sairá diferente disso se tivermos a humildade de aprender. Temos que fazer uma rigorosa avaliação de valores, rever nosso estilo de vida, nossos hábitos, nossos projetos.

 

Você é tido como um gestor de personalidade difícil, cobra demais do time, alguns se sentem ofendidos com as cobranças a qualquer hora do dia ou da noite…

Convoquei uma reunião com o primeiro escalão no domingo. Falei que líderes não podem se ausentar nestes momentos. Senti uma sobrecarga em alguns setores. Cobrei responsabilidade, liderança, ação. Falei que estava ali sobre a mesa a possibilidade de cada um prosseguir ou não. Que estava ali a oportunidade de sair. E que pedir para sair também é um ato de coragem, que será respeitado. Felizmente todos permaneceram e estão engajados como nunca. Vamos em frente!

Prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos: “O planeta sairá diferente disso se tivermos a humildade de aprender. Temos que fazer uma rigorosa avaliação de valores, rever nosso estilo de vida, nossos hábitos, nossos projetos” (Fotos: Jairo Eduardo)

 

Por Pitoco

 

Clique aqui e participe do nosso grupo no WhatsApp

Copyright © 2017 O Presente